sábado, 28 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XVI


A bola não entrava. Nunca entraria era minha modesta opinião. Cricri, chatonildo, um lado perverso da minha alma ficava lá, flertando com a tragédia, namorando o infortúnio, quase um prazer. Senti ali uma novela já conhecida, estranhamente, em torneios anteriores. O time faz um bom primeiro tempo para cair na mais funda depressão, atados os ânimos no chão - assim como na derrota para a Holanda, assim como na derrota para a Argentina de Maradona. Era isso e estava escrito que seríamos eliminados. O Chile jogava melhor, cozinhava o galo como que esperando a hora para degolar os pescocinhos. Aquela gente ruim que vaiou o hino chileno, gente estúpida, merecia esse fim. Torcidinha de meleca, muito orgulho e amôooor. Nojo. E o Felipão e ....

Aqueles olhos de jaboticaba me fitavam. Queriam alguma resposta. Algum alento. "Um golzinho." "Só um golzinho, pô.". O Grande ali, no sofá, me lembrando enfim de uma outra cousa, de outros mundos, outras variáveis, códigos, valores. "O que você acha, pai?". Eu acho que esses éguas todos aí deviam logo marcar esse segundo gol, cascalhos! Que esse Felipão só pode estar de jeriquismo quando troca um segundo volante por outro: "Pimba!!! Um volante por outro? Depois vai pra prorrogação e perdemos uma substituição!". "Vai!!!! Cuidado, pombas!!!!".

Carambas, caçarolas, cacildas, frituras todas: a bola não entrava. O dez do time manquitolando, visivelmente incomodado com alguma dor. O time sem ele é, definitivamente, outro. Daniel, além de avenida, uma apatia toda de uma vida toda de uma lateral toda. E Oscar, um desaparecido. Puxa que puxa, a vaca e o brejo. "Filho... não está fácil." No fundo, bem no fundo, eu estava certo de que não ia dar...

O Pequeno se levanta. Vai para o quarto. Nem vê muito o jogo. Me abraça depois. Fica do meu lado. O Grande se levanta, bate bola com a bexiga verde. A casa parece perdida naquele futebol de devaneios. Os dois perceberam uma maracutaia paterna, com graça: não era que o pai sabia do jogo antes, era o rádio que estava uns três segundos na frente da narração da televisão. Ficaram colados no rádio. Silvério. E quando a casa se remoía indo pra frente da tv, um dos dois gritava: "Foi pra fora.".

A bola. E o Chile no ataque. Fim de jogo, fim da prorrogação, era o último lance. Depois, penales. Opa... sobrou livre pro chileno, ai, ai, ai, ai.... "Na traaaaaaaaaaaaave!!!!!!!". Foi na trave, pô! Saiu um palavrão, um ufa, uma benção. Os dois me abraçam. A loura nem mais falava. Só os olhos vidrados, numa estranha catarse. "Vai dar?". "Vai." A assertiva é minha, mais falada do que pensada.

Combinamos de desligar o rádio. Ficar só com a televisão. E combinamos tirar da tv a cabo e colocar na tv aberta, para acompanhar o resto da cidade. Não iríamos aguentar saber antes. E um consolo: "É.... iria tirar a emoção." Bah.... a emoção.

O quinto penal. A casa dá as mãos. Fazem cantos de "Júlio César" e eu, o chato, peço um coro de "Chuta pra fora, chuta pra fora!". Cantamos. Canto. Cantam. A pelota explode na trave. Correm pela casa, gritam na janela. Gritam muito na janela. E aquele abraço do Grande, funcionando como um obrigado.

Que venham as quartas de final. Que vai ter radinho, de novo.
 
 
 

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