quarta-feira, 11 de julho de 2018

Yuri Gagarin


Acho que foi na TV Cultura de São Paulo - que saudades da TV Cultura... - que acompanhei aos jogos das copas de 70, 74 e 78. Sim, eu nasci em 72, mas o videoteipe é um pouco mais antigo. Eram os jogos transmitidos na íntegra, um pouco antes da hora do macarrão de domingo. Aquele time de 70 era fabuloso, mesmo. Não é lenda, história da carochinha. O homem pisou na lua e a terra, de fato, é redonda.

Clodoaldo, Gérson, Pelé, Tostão, Rivelino e Jairzinho formam uma espécie de absurdo. Os lançamentos, a precisão, a recomposição de jogo e os chutes de Gérson, e se tivesse um prêmio de bola de ouro ou qualquer coisa do gênero na época tenho convicção leonina de que Gérson seria o super trunfo daquela copa, são espécimes de elementais, para quem gosta de estudar o divino no futebol. E Pelé, bom, é Pelé. 

Mas mesmo este timaço, que ganhou todos os seus jogos, não pode ter uma narração absolutamente retilínea, do campo ao caneco. No jogo contra os ingleses, talvez contra o melhor time inglês de todos os tempos, suamos sangue, numa batalha feroz. Banks, o arqueiro inglês, defendeu um testaço de Pelé que faz parte da galeria de imagens para mostrar para extraterrestres para provar as capacidades do engenho humano. Tostão faz um balé na defesa dos saxões antes de achar Pelé no meio da área que merecia feriado, no lance do gol de Jairzinho. E tem a história, pouco contada por aqui, do intervalo, que entre um tempo e outro, num calor de rachar mamona, o time brasileiro esticou sua presença no vestiário até o limite antes de punições, deixando Bobby Moore e companhia debaixo dum sol de escalda pés. Os ingleses choram pelo fair play que não tivemos em todos os documentários até hoje.

Nas semifinais, viramos um jogo contra os uruguaios, o primeiro e último jogo em copa entre as duas seleções depois do Maracanazzo, com direito a uma cotovelada de Pelé, um revide, mas uma cotovelada, que fosse o mundo de hoje com VAR teríamos problemas. Ou não, porque se tivesse VAR não teria a cotovelada, num dilema tostines para discutir em boteco.


E, no jogo final, contra a Itália, pegamos um adversário totalmente destruído por uma semifinal de cinema, que italianos e alemães fizeram dias antes da finalíssima. Quem gosta de futebol tem que assistir aos jogos da copa de 70, mas se tiver que escolher algum jogo que não os do Brasil teria que ser aquela semifinal, num jogo que teve uma prorrogação absolutamente doida, magistral, colossal: jogo normal, 1x1. Prorrogação, Alemanha 2x1. Empate. Virada italiana. Empate. E quando caminhava-se para o fim do mundo, Itália 4x3. Com Beckenbauer jogando toda a prorrogação com uma tala no braço, depois de ter machucado a clavícula! A semifinal exauriu a Itália. Que, provavelmente, não ganharia o jogo final mesmo descansada. Mas não tomaria de quatro, desconfio.

Escrevo estas linhas para desenvolver a tese da semifinal renhida. O time que faz a partida mais dura nas semifinais acaba se desgastando fisicamente, embolando nervos, desgastando-se e, invariavelmente, perde a finalíssima. Lembremos de 82, do jogo entre alemães e franceses em Sevilla, na seminal. Um confronto épico, um 3x3, em partidas lendárias de Rumenigue, pelo lado alemão, e Tresor, pelo lado francês. A Alemanha ganhou nos penais e depois seria derrotada pelos italianos. Lembremos de 98, na semifinal entre Brasil e Holanda, uma partidaça que também foi aos penais fatais, com Taffarel sendo nome de santo. 98, Zidanaço. Na final, França 3x0.

As semifinais são espeto. Os jogos costumam ser feios, burocráticos, cheios de medo, como o Brasil e Suécia de 94 ou o Brasil e Turquia de 2002. Jogos estudados. Quando se tem grandes jogos, não necessariamente pela técnica, a semifinal costuma machucar o vencedor além da conta, tirando o enganche para a partida final...

Nesta copa, ao que tudo indica, é melhor a França colocar as barbas e os moustaches de molho.... Apesar da prorrogação, a Croácia fez a partida onde a diferença técnica entre um time e o outro foi mais evidente desta fase final. Sobrou, num jogo de semifinal. Sim, enfrentou prorrogações, contra dinamarqueses e russos, times que não propunham nada mais do que o empate, mas sobrou nos jogos onde o outro time supostamente se propôs a jogar para vencer. Foi assim com argentinos e foi assim hoje. O jogo croata encaixa nesses jogos. O desgaste físico, evidente. 

Mas, do outro lado, um time que teve que enfrentar argentinos e uruguaios, equipes que tem grau de dedicação ao jogo sanguínea, e os belgas, talvez os de melhor repertório técnico do mundial, não pode se considerar plenamente descansada. E há um certo elixir que sempre surge nesses momentos, que entorpece a razão e infla o salto.


11 de julho, 2018. Croácia e Inglaterra.



  

terça-feira, 10 de julho de 2018

Cruzamento na área


Talvez uma das grandes belezas da vida é rever situações, momentos, vivências e colocá-las em perspectiva, a partir dum ponto depois. Milton Nascimento e Beto Guedes diriam que "nada será como antes, amanhã". E, Cláudio Coutinho, treinador brasileiro em 1978 e muito responsável pelo trio Andrade, Adílio e Zico, no Flamengo dos anos oitenta - o único Flamengo que realmente existiu - criou num linguajar próprio a ideia de "ponto futuro", onde o jogador desenhava a jogada e o passe pensando na posição futura do companheiro de time, jogava a pelota para um lugar no espaço, mas num ponto mais adiantado da história, mudando as possibilidades do jogo e mudando o passado, porque o êxito desta jogada dependia essencialmente da leitura feita a posteriori. A vida, a vida tem o ponto futuro e, o mais bonito, é que este futuro reconstrói, "renarra" e, até, revida.

Olhando para a copa daqui deste fim de terça feira, primeiro jogo das semifinais encerrado, as partidas de Brasil, Bélgica, França, Uruguai, Argentina e México ganham outras cores, outras análises. A partida de hoje, que muitos vão dizer, escrever, beber, repetir, que se tratou de um jogão, uma batalha técnica e tática, foi, na verdade, um jogo infernalmente chato entre duas equipes que ficaram se estudando durante noventa anos, com obviedades de lado a lado, a estagnação das surpresas belgas e a confirmação do amadurecimento do time francês, quase o mesmo que perdeu da Alemanha aqui no Brasil em 2014 e conseguiu a proeza de perder em casa para Portugal, sem Cristiano, uma Eurocopa. Resta, portanto, um gosto amargo. Tivesse o Brasil tido um pouco mais de rebolado contra a Bélgica teríamos chances de bom jogo contra franceses.

Tite falhou no jogo com os belgas. Apesar das escolhas corretas do técnico espanhol do selecionado dos diabos vermelhos, das boas partidas de Kompany, Lukaku, Hazard e De Bruine, Tite errou na manutenção de um esquema de jogo excessivamente compartimentado. A insistência com Gabriel Jesus, como que para provar que era coerente, justo, monogâmico, levou o time a perder uma das três substituições no segundo tempo do jogo. Ao tirar Willian e botar Firmino, o treinador brasileiro teve que trocar Gabriel por Douglas Costa antes dos quinze minutos porque o time não reagia. A manutenção de Willian, a troca de Gabriel, seria a troca mais óbvia. Willian tinha sido peça chave na vitória contra o México, trocando de posições com Neymar, fazendo ações pendulares que tanto faltaram ao time em outros jogos. Gabriel destoava, porque não treinou para ser este jogador pelos lados. E, como centroavante, fez uma copa aquém de suas possibilidades. E, a partida de Neymar e de Coutinho contra os belgas era ruim. Douglas Costa poderia ter entrado no lugar de Neymar, por exemplo, para confundir o time adversário que certamente apostava na manutenção custe o que custar do astro brasileiro. Ou, tirando Coutinho e recuando Neymar para aquela função. Ou, num bumba meu boi final, colocar Douglas, Neymar, Firmino, Coutinho, Lula, Willian, todo mundo para tentar o empate.  Sem contar Paulinho e Fernandinho, que desde o primeiro tempo davam sinais de um desentrosamento perigoso e que o setor precisava de ajustes, ou de Renato Augusto ou de alguma outra opção ali pela volância, essa área nobre do campo que as vezes a gente esquece ou acha desimportante.

Olhando em perspectiva, também, a partida contra o México não foi a beldade que muitos, quase todos, eu incluso, vimos. O México tinha os méritos de ter ganho da Alemanha na estréia, mas tinha o colapso de ter tomado três gols dos suecos... Ou seja, em perspectiva nossos pontos futuros não deram certo.

Isso não quer dizer que foi tudo ruim. A Bélgica escolheu bons caminhos, mereceu a vitória. A partida brasileira poderia ter sido mais inspirada, mas foi uma partida disputada e sem dúvida muito melhor que outras eliminações mais recentes. Neymar fez uma boa copa, não excelente como prometia aquele jogo contra o México. Assim como Coutinho que se apagou na fase eliminatória. Já Miranda e Tiago, mais Tiago, fizeram um copa exemplar. E Casemiro, que tomou um amarelo bocó, é um jogador que se mostrou essencial. O trabalho de Tite foi ruim? Óbvio que não. Mas é evidente que equívocos na convocação, equívocos de leitura de jogo, erro no trato com suas "coerências" não podem ser colocados no escaninho do arquivo morto. Sem contar a chatice napoleônica.

A defesa que Lloris, o arqueiro francês, fez numa bola de um dos belgas no primeiro tempo da partida de hoje ganhou a vaga. Assim como a defesa no jogo do Uruguai. Pode parecer que o imenso goleiro belga contra o Brasil tenha sido decisivo para a eliminação. Talvez. Mas as duas defesas de Lloris, em momentos absolutamente chave dos jogos franceses, mantiveram a cidadela francesa em pé quando o gol definiria outra realidade menos morta para uruguaios e belgas...   

Sem contar que o mesmo Coutinho tinha a jogada imortalizada do "overlapping", quando lateral descia trocando de posição com o ponta, jogada que fez uma falta cascuda para os brasileiros e belgas nesta copa: Jorge Wagner, pela esquerda em profundidade, recebe o passe do Hernanes, vai no bico da grande área e cruza para o gol de Borges.

10 de julho, 2018. França e Bélgica.





  

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Maldito cartão que afastou o Casemiro...


Não adianta querer escapar. Quando se é eliminado de uma copa, o assunto, evidentemente, deve ser a eliminação. Vamos escolher nossos culpados, vamos descer a ripa aqui e ali. Uns serão racionais, extrairão do contexto as boas planilhas e levantarão os problemas, pontuais. Outros, descerão o porrete no treinador e no craque do time, que, a rigor, refugaram num jogo importante. Outros insistirão, ainda, na caça à bruxa, com Fernandinho e Gabriel Jesus com postos bem firmes na fogueira da inquisição. O melhor é, sem dúvida, tentar esfriar a cabeça, abrir uma gelada e fazer a mesa redonda futebol debate, necessária para espiar culpas, desopilar fígados e lembrar que só daqui a quatro anos teremos chance de ganhar de algum europeu em fase eliminatória.

A questão central, porém, será quase sempre deixada de lado. Temos um futebol local de lagarta e queremos uma seleção borboleta. É uma equação difícil de ter alguma boa resolução que não seja a desilusão. É preciso mexer no vespeiro. É absolutamente necessário intervir na organização, estrutura, comando da seleção e, sobretudo, do futebol brasileiro. Que se dane a fifa: Por decreto, por ato de governo, fusionar a CBF no ministério da Cultura e reinventar o barco. Notem, o futebol como elemento cultural, nada de ministério de esporte para fingirmos alguma lógica. Não há lógica, há Zizinho, Didi, Mané, Garrincha e Pelé. Há Canhoteiro e Dener. Há Leônidas da Silva.

Vamos insistir, porque temos a convicção histórica dos acordos de acomodação, em manter treinador, jogadores, planilhas, planos. Tenho certeza que o mote agora será um "projeto para 2022". Vão destilar um zilhão de planilhas, conceitos, teorias. Vão querer criar um padrão em todas as seleções, vão ter o discurso do planejamento. Tudo fundamental, é verdade, mas haja rococó. O problema é de estrutura. 

Não interessa, mesmo, mesmíssimo, que o treinador seja fulano, ciclano ou beltrano. Se não revirarmos de ponta cabeça a CBF, se não mandarmos ao ostracismo necessário todos - todos, repito - os atuais dirigentes, não temos como sair deste imbróglio. A seleção devia ser dirigida por um Joel Santana, por um Givanildo, ou por um desses meninos novos que ainda usam fraldas. E devia jogar todo mês numa cidade do Brasil. Sim, um time padrão podia ser trabalhado. Mas alternando nas convocações, sempre, este time padrão com jogadores locais, dos times daqui, que disputam o rame rame daqui. Devíamos tirar o monopólio de transmissões dos campeonatos de uma única emissora, permitindo uma saudável disputa de mercado contra a concentração, alternando emissoras, dando possibilidades para outras linguagens e abordagens. 

Jogadores que estão no exterior deveriam participar de aulas em escolas públicas. Deveriam ser instados a comentar os assuntos do dia, por mais alucinante que fosse a opinião. Este rebanho de ovelhas não nos serve. O proselitismo religioso deveria ser punido com cartão amarelo ou pontos negativos na caderneta, afinal se uma entidade divina é a que guia determinado jogador, time ou resultado esta entidade certamente fará a punição ser desimportante e irrelevante. Ou, melhor ainda, devia ser amplamente liberado sem que se enchesse o saco de quem prefere o curupira à virgem ou ao filho dela. 

Não preciso mencionar que tais medidas não impedirão novas derrotas da seleção em outras copas vindouras. O futebol pressupõe que só um time vença e avance para a fase seguinte. Tais medidas só nos darão é o resto que importa. E, inapelável, a propaganda do Itaú da seleção deve ser retirada do ar, para todo sempre, a não ser que nos transformemos todos em acionistas preferenciais do banco, com a distribuição dos lucros devida a todos e em partes iguais.

E Casemiro? Prometi aqui não falar das obviedades solares, mas tivessem levado o Araruna, tinham alguém para jogar de volante ou de lateral...


06 de junho, 2018. Brasil e Bélgica. Uruguai e França.





quinta-feira, 5 de julho de 2018

"Coluna do Meio"


Os especialistas estão todos absolutamente convencidos de que o campeão da copa da Rússia sairá do lado dos confrontos que tem França, Uruguai, Brasil e Bélgica. Os outros quatro, Suécia, Inglaterra, Rússia e Croácia são tratados como zebras, zebraças, zebrões. Há até algum desprezo, de canto de boca, quando falam de suecos e russos. Não deviam, acho eu, sonso que sou.

Há o imponderável no futebol e, só por esta frase quase lugar comum, devemos sempre e sempre amar e respeitar as zebras. Há poucas possibilidades em outros esportes, na vida, em tudo, de uma equipa mais fraca, menos cotada, ganhar uma peleja. A metáfora do Davi contra Golias funcionou bem mais no futebol do que em outras artes do inconsciente, incluindo as religiões. Todo mundo sabe, reconhece, recita ao menos uma zebraça. Incluindo canecos.

Mas se não fosse por admiração e carinho pelos resultados arruinadores de bolão, Suécia e Croácia deveriam ser tratadas com um pouquinho menos de desconfiança por razões históricas. Os suecos já foram vice campeões mundiais uma vez, em 1958, jogando em casa. Mas a primeira vez que os suecos disputaram uma copa, em 38, foram para as semifinais. E perderam para o Brasil de Leônidas da Silva a decisão do terceiro e quarto lugares. Em 50, no Brasil, ficaram na terceira colocação, atrás de Brasil e Uruguai. Em 70, foi desclassificada por ter pior saldo que o Uruguai, no grupo que ainda tinha a Itália. Itália que seria a vice campeã e Uruguai que disputaria a semifinal com o Brasil. E em 94, os suecos foram novamente para as semifinais, perderam outra vez para o Brasil, um gol de Romário quando todos já se preparavam para a prorrogação. Assim, os suecos não são novidade em fases final de copa. Há um filme maravilhoso, "Minha vida de cachorro", que, além de muitas cousas, retrata a paixão sueca pelo futebol. A Suécia tem um histórico em copas muito mais importante que a Inglaterra, que, sim, já foi uma vez campeã do mundo, ganha em casa e no apito, e só disputou mais uma semifinal. Duvido todos os meus botões que a Suécia perca da Inglaterra nestas quartas de final...

E a Croácia fez parte da Iugoslávia. Os iugoslavos estiveram duas vezes nas fases de semifinal nas copas, em 30 e 62, e a Croácia já chegou numa semifinal, em 98, sendo eliminada pela França que seria a campeã, de triste recordação para os brasileiros. E, não é insensato supor que as divisões que dilaceram a Iugoslávia, numa das guerras mais insensatas e violentas, eram fatores que desestabilizavam os iugoslavos, impedindo bons times de irem adiante em competições pelo mundo.

Gostamos de traçar medidas, índices, probabilidades e gastarmos nosso latim com observações sobre os mais fortes, os mais aptos, os mais preparados. Desconfio que esquecemos de fatores outros, destas pequenas esperanças que nascem de vidas imateriais pretéritas, de pequenas conquistas, de périplos anteriores. Muitos acreditam firmemente que um jogo de futebol se resolve naquele retângulo, com os vinte e dois em campo, mais os que entrarem substituindo titulares. Que uma partida de futebol começa e termina com o trinar de um apito... 


A ilusão da objetividade é uma bola quadrada. E caceta, a Colômbia tinha que ter matado o jogo no primeiro tempo da prorrogação contra os ingleses. James Rodrigues seria o melhor em campo no jogo contra os suecos, não tenho a menor sombra de dúvida. 


03 de julho, 2018. Inglaterra e Colômbia. Suécia e Suíça.



     


terça-feira, 3 de julho de 2018

Chatonildo da Silva Quadros


Já escrevi várias vezes, inúmeras, que a única copa do mundo que realmente existiu foi a de 82. Na copa da Espanha nossas sedes foram Sevilla e Barcelona, tínhamos material esportivo da Topper e um dístico de "Café do Brasil" na camisa. 

Os goleiros foram Waldir Peres, do São Paulo, Paulo Sérgio do Botafogo e Carlos, da Ponte Preta. Waldir ganhou a posição numa série de amistosos na Europa, onde o time de Telê assombrou a Europa numa excursão pelo continente ganhando de Inglaterra, França e da Alemanha, pegando dois penais contra o time germânico. Os laterais eram Leandro, do Flamengo, Edivaldo, do Fluminense, Júnior, do Flamengo, Pedrinho, do Palmeiras. Na zaga, Oscar do São Paulo, Luisinho do Galo, Edinho do Fluminense e Juninho da Ponte Preta. Os volantes eram Cerezzo, do Galo, Batista, do Internacional, Falcão, da Roma, Paulo Izidoro do Grêmio. Os meias, os geniais Sócrates do Corinthians e Zico, do Flamengo, mais Renato do São Paulo e Dirceuzinho da Udinese. No ataque, Serginho do São Paulo, Éder do Galo e Dinamite, do Vasco. Careca, do Guarani, foi cortado por contusão. Telê era o técnico e Gilberto Tim o preparador físico. As narrações de rádio eram de José Silvério na Pan, Osmar Santos na Globo, Fiori na Bandeirantes. E Silvio Luís narrou na rádio Record, porque a Globo teve exclusividade nas transmissões. 

Escrevi as linhas deste texto maltratando o teclado com rapidez, avidez, saudade, até curso de datilografia fiz naqueles tempos. Posso ter errado algum jogador, algum time, não "guglei" nada. Mas o fato é que este selecionado ocupou as minhas fantasias por muitos anos, era o meu time de botão do Brasil, um daqueles bonitos, redondões, azul. Além desses o time também tinha Andrade e Adílio do Flamengo, Mário Sérgio do Internacional - e depois do São Paulo, o Reinaldo do Galo, Paulo César Capeta do São Paulo e o Chicão, que acho que já estava no Galo ou no Santos, mas o Chicão que jogava no meu time era sempre o Chicão de 77, do São Paulo. E, evidentemente, tinha o Zé Sérgio do São Paulo, sempre e sempre, em qualquer jogo. 

Sofro de nostalgias. A defesa de Zoff, no ultimo minuto do Sarriá, defendendo a cabeçada de Oscar mudou o mundo. Tenho absoluta certeza que se aquela bola entra ganhávamos o caneco, a emenda Dante de Oliveira, a das Diretas Já, tinha passado e o Brizola não perdia a eleição de jeito nenhum, o São Paulo teria sido tricampeão paulista, teria filme do 007 com o Roger Moore pelo resto dos anos e, de quebra, Gorbatchov nunca teria ascendido carreira no PC soviético. 

Sou incapaz de dizer quem são os 23 do Tite. Aliás, confesso, seria incapaz de fazer uma convocação alternativa, chamando outros jogadores que não os do São Paulo. Para mim, a seleção era Sidão, Nenê, Liziero, Shaylon, Bruno Alves, Diego Souza e Jucilei. Não assisti a nenhum jogo da eliminatória, só vi os últimos minutos do jogo contra o Peru na Copa América, que perdemos e nos desclassificamos, acho que na primeira fase. Não vi as Olimpíadas, mas sei que Rodrigo Caio foi fundamental para o caneco. O fato, concreto e óbvio, pouco posso opinar sobre escalações, tática, música tema. Posso especular, apenas, e comentar um pouco dos jogos desta copa.

Tite é um excelente técnico. Irritante, até. Os times jogam com uma volúpia que se satisfaz com um gol. Pode parecer chato, quando o assunto é seleção e todo mundo acha que a seleção não é um time e sim uma constelação que tem obrigação de jogar um tal jogo "bonito". Mas é assim, pragmático assim, que Tite fez fama e deitou na cama. Mas isso não o impede de ser um chato imperial, com um papo de motivador pastor que enche os pacovás desde sempre. Mas, acho, pelo que via no Corinthians, que ele devia ser mesmo o treinador.

O time é bom. Fez jogos titênicos: a rigor, na primeira fase passou algum sufoco contra Suíça, depois do gol de empate, e contra a Sérvia, já ganhando de um a zero quando o empate favorecia o time brasileiro. Um time excessivamente compartimentado, entretanto, com jogadores excessivamente fixos exceto Coutinho, que gastou a bola. Com Casemiro, Miranda e Tiago jogando muito bem. 

Contra o México, fizemos, acho, a melhor partida de uma seleção brasileira desde a final de 2002. Ainda que o adversário não fosse um supertime e praticasse um jogo que favorecia o estilo de jogo titênico, o fato é que o time jogou serenamente, bem, firme. Tiago Silva, que eu nunca achei essa maravilha toda, fez uma partida de Scirea, de Canavaro, de Aldair e Márcio Santos. Casemiro é dono de uma faixa do campo e exerce o mandato com uma segurança invejável. Tomou um amarelo meio bocoió e fará falta na próxima fase. Willian foi o jogador que é importante no Chelsea, saindo da ponta direita onde estava sumindo. Trocando de posição com Neymar e Gabriel, Willian se soltou. Foi muito bem.

E Neymar. Minha antipatia por ele certamente afeta qualquer julgamento. Esta antipatia tem muito a ver com o fato dele ser excelente jogador, de fazer o São Paulo perder a hegemonia nos jogos com o Santos, a ponto de termos perdidos todos os jogos eliminatórios nesses anos de Neymar por lá. Uma antipatia que também é despeito. A gente é assim. Acho o Neymar um bolha, o bolha transcendental. E como não vi muitos jogos da seleção com ele, só os da copa passada, acho que ele fez a melhor partida dele na seleção. Jogou para o time, foi abusado onde devia ser. Talvez, individualmente, uma exibição pela seleção que permite colocá-lo no mesmo palco de Romário, Ronaldo e Rivaldo. Vou continuar torcendo contra ele nos confrontos do Paris St. German, no Real Madri, ou para onde ele for. Vou seguir achando que Cristiano e Messi, e Nenê, são melhores que ele. 

Mas que faça os meninos aqui de casa sorrirem e, quem sabe, escalarem ele nos times de botão. Mas, com sorte, Aguirre ponha o menino Toró no time titular que vai ganhar o sétimo caneco e pronto: a dez vai ser dele.


02 de junho, 2018. Brasil e México. Bélgica e Japão.







segunda-feira, 2 de julho de 2018

"Prá foooooora!!!!"


No fundo, no fundo, há nos vexames incomensuráveis uma poesia que nos humaniza, nos transforma e pode até nos reinventar. 

Teve um baile uma vez, não sei se festa de debutante ou alguma formatura. Adolescência, esta fase entre as primeiras rodadas e as quartas de final. Mas me lembro do vestido rosa da menina mais linda daquele momento histórico. Nós trocamos olhares, palavras, esperanças e era bem possível que rolasse algo depois da dança principal, um selinho ou um telefone no guardanapo. Ela topou ser meu par, de modo que poucas vezes uma chance absolutamente cristalina de gol tinha aparecido tão lindamente. Minutos antes da dança, fui ao banheiro dar um checada no espelho, namorar narciso, leonino de juba. Ouvi os primeiros acordes do que era uma valsa. "É a hora, pensei." E sai correndo do banheiro, ansioso. O fato é que instantes antes de nos darmos a mãos, eu e a menina de vestido rosa, eu estabaco no chão, desacostumado que estava a usar sapatos sociais, meia, calça. Estabaco tanto que dou uma semipirueta patética no ar, ridícula, batendo a cabeça do chão, não sei nem como explicar... O pior, podia ser muito pior penso eu agora se já existissem celulares e os "vocêtubos", é que tinha uma filmagem com aquelas câmeras de vhs, sendo reproduzidas num telão. Na imagem não se via meu rosto, ainda bem, mas, sim, meus sapatos e pernas voando. 

Evidentemente perdi o gol, não lembro sequer o nome da menina e até acho que o vestido podia ser azul, verde, ocre. A imagem que me vêm são os sapatos no telão. Só eles. Tomei outros tombos sensacionais na vida, mas aquele sempre me fez ter medo de correr de sapatos. Ao menos isso, enfim.

Em 2014, na copa no Brasil, na Arena Pantanal, em Cuiabá, provavelmente no maior calor do mundo, olhos suando, jogaram Rússia e Coréia do Sul. O jogo, pelo pouco que me lembro, foi terrível. Mas marcante. O arqueiro russo Akinfeev engoliu um dos maiores perus de todos os tempos. Um chute nem tão forte e nem tão colocado e o goleirão russo foi de mão mole: um frango cinematográfico. A imagem no telão, repetida milhares de vezes pelo planeta afora, era o goleiro dentro do gol, com as luvas cobrindo o rosto, numa cena de causar piedade até em eleitor republicano. Akinfeev era aclamado por muitos como o sucessor de Yachin, a aranha negra soviética e alguns heréticos já o achavam melhor que Dasaev, o espetacular goleiro soviético na década de oitenta.  

Na classificação russa nesta copa, em casa, contrariando prognósticos mas dando o merecido descanso para o tiquetaca espanhol, tão chato quanto infinito, teve em Akinfeev um de seus heróis. Defendeu penal e foi aclamado por todo o estádio. No telão, as luvas e o rosto feliz do guarda-metas.

Numa copa onde bailou contra os argentinos, os croatas quase foram embora. Modric, até então o craque da copa, bateu um penal durante a prorrogação e parecia que usava sapatos quando chutou a pelota nas mãos do arqueiro dinamarquês. 

Apesar do tombo, a menina de vestido rosa valsou comigo e o vexame rendeu uma ótima estória de adolescência para contar para os amigos. Modric foi lá bater o penâlti na decisão final. E fez, ajudando a Croácia a passar de fase e sorrir. 

01 de julho, 2018. Espanha e Rússia. Croácia e Dinamarca.




domingo, 1 de julho de 2018

Amores em tempos de cólera



Talvez uma das maiores injustiças de todo universo, este em que escrevemos e lemos este texto e em muitos dos zilhares de mundos paralelos existentes desde a primeira história para dormir contada pela primeira vó, é o fato de Messi e Cristiano nunca terem jogado no mesmo time. Faz tempo que imagino esta possibilidade e fico estarrecido como nenhum dos dois resolveu bancar esta aventura. Os dois estão com a vida ganha e merecem, definitivamente, se divertirem, juntos. Imaginem, só por exercício, um arco e uma flecha, Lionel e Ronaldo. 

Os dois foram eliminados no mesmíssimo dia na copa do mundo. Rivais, passaram a ser tema dos mais diversos colóquios sobre fracassos, sobre não terem ido mais longe, sobre terem refugado nos mundiais que disputaram. Deviam os dois sair para tomar umas, num boteco nas proximidades do aeroporto de Moscou, encher a cara e combinarem de darem bananas para todos e a granel, para todo o sempre. E acertarem de jogarem juntos no São Paulo, o Clube da Fé, da moeda em pé, do bonde de Leônidas, para disputarem o fim desse Brasileirão de 18. 

Messi e Ronaldo são dois dos jogadores mais refinados que a bola já amou. Um é um artista sublime e o outro o cara mais objetivo de todos os tempos, uma objetividade tão intensa que vira o fio e o transforma na própria subjetividade da bola. Deve ser estranho explicar como um time absolutamente rocambolesco como este da Argentina conseguiu marcar três gols na França e imaginar um empate, tamanha a diferença técnica e tática entre as duas equipes. Mas nesta estranheza, a única explicação possível passa pelos pés do número dez, do chute a gol no tento da virada portenha e no lançamento para o último gol contra os franceses e, essencialmente, na matada de bola, no domínio, na passada e no arremate para o gol contra a Nigéria. E, é impossível imaginar Portugal sem Euzébio e sem Cristiano, é como matar a Camões.

Todos sabem da existência de mundos paralelos, espero. Há uma sofisticada teoria da física que explica o universo por feixes paralelos, contínuos, infinitos. Me parece cada vez mais óbvio que eventos como a chicotada que deu o zagueiro Pavard na redonda no gol de empate francês é um desses fenômenos que abre uma fenda definitiva no universo. Olhar o lance e escutar o barulho do chute e do emaranhar nas redes, a trajetória da bola é nítida: há um outro universo ali, começando, um big bang. 

A bola, ela, sempre, escolhe seus afetos. O gol de cara que Cavani fez, depois das parábolas vividas e vivenciadas por ela nos passes - lançamentos - entre ele e Suarez, e o segundo gol, do mesmo Cavani, num arremate de cinema três dê, levaram este nosso velho universo em guerra a uma nova dimensão. Ficou evidente ali uma bela relação de amor. 

Assim como ela tem com a nossa Marta e a infinita Formiga, que também não ganharam mundial...


30 de junho, 2018. França e Argentina. Uruguai e Portugal.





sábado, 30 de junho de 2018

Silêncio sorridente



Outro dia vi um vídeo filmado em Beirute, no Líbano. Era uma espécie de cortejo, onde as pessoas levavam um caixão com a bandeira da Alemanha, como num cortejo fúnebre. Mas repleto de buzinas e um tambor. E quem acompanhava o cortejo eram pessoas vestidas com a camisa da seleção brasileira, portando bandeiras do Brasil. O vídeo foi filmado no dia dos jogos de Brasil e Alemanha, na data de desclassificação dos alemães desta copa da Rússia.

Por aqui a gente não tem a menor noção do que representa a seleção brasileira de futebol. Não tem a ver com a CBF, com o governo de ocasião, com a patrocinadora da camisa. Em países como Bangladesh, Índia e Haiti foram relatadas histórias comoventes, emocionantes, bárbaras, de torcidas pelo Brasil, com gente pintando rua, fazendo oferenda, arrumando confusão com vizinho. Há uma identificação com a seleção, que é política, cultural, esportiva, lúdica. As matérias foram publicadas nos grandes portais e nos excelentes portais de futebol, como o Trivela. Ouso aqui uma digressão de boteco: a química entre a seleção brasileira é comparável às torcidas dos grandes e ricos times europeus, mas com uma dimensão fantástica, por ser uma aproximação por afinidades culturais, esportivas, política. Sim, politica no sentido de um reconhecimento da mágica que é um país pobre, miserável, com uma história repleta de assaltos, ganhando por cinco vezes o torneio mundial de futebol. 

Argentina, Uruguai e Brasil desafiam a lógica no assunto futebol. No esporte que todos os povos praticam e gostam, três países periféricos conseguiram feitos impressionantes e rotineiros. Enfrentam ombro a ombro e com vantagens, muitas vezes, os colonizadores, desafiam as potências, fazem os Estados Unidos parecem uma republiqueta de merda, como o cinema americano adora e reiteradamente retrata os países mais pobres de todo o mundo. E, o Brasil, o Brasil, meus caros, é a seleção que está sempre lá, que todos sabem que pode ganhar o caneco. Não faço aqui uma patriotada qualquer, que patriotismo é uma ideia idiota, feita para alimentar ódios que afastam o pensar daquilo que realmente importa. Falo de uma importante questão de estima, de levantar cabeça, de sonhar. A capacidade de sonhar.

Estamos sendo negligentes, muito, com o futebol como este elemento simbólico do Brasil como civilização. Entregamos o futebol ao negócio, deixamos um falso discurso de que são negócios privados os agentes que regulamentam o esporte. Perdemos a imensa oportunidade na copa passada, realizada aqui, de transformar o nosso mundo. Deixamos que um cafajeste como o Marin, algoz de Vlado, colaborador ativo da ditadura militar, fosse o "organizador" da Copa, presidindo a CBF. Deixamos a federação internacional de futebol associação criar leis, regras, conveniências. Fomos covardes. Continuamos sendo. Nunca que a fifa seria mais forte do que nós numa quebra de braço sobre os rumos do mundial, porque o mundial não pertence à fifa, embora queiram narrar assim. O mundial é aquele vídeo de Beirute. O mundial é o gol do Panamá e a festa do primeiro gol em copas num jogo onde tomavam de seis. Os donos do mundo cagam as regras nas nossas cabeças porque a gente não reconhece o nosso lugar, nossa força, nossa vitalidade. A gente prefere alimentar uma "rivalidade" com a Argentina ao invés de organizar um campeonato com o hermanos em Bangladesh, na Palestina, no meio do Kosovo ou participar da Copa da África como país convidado.

Não foi por acaso que instrumentalizaram o uso da camisa da seleção para os eventos patéticos que jogaram o país nesta selva de desesperança. Porque reconhecem a força simbólica e querem domá-la, para longe de nossas "Bangladeshes".

Tem um filme lindo chamado "Shooting for Sócrates", que conta a história da Irlanda do Norte na perspectiva de um menino que adora futebol e do jogo entre irlandeses e brasileiros na copa de 1986, no México - aquele jogo do gol do Josimar. A seleção brasileira é um instrumento que produz sonhos. E é esta a capacidade, a de sonhar, que nos transforma, a todos. Mais do que torcer pela seleção a gente precisa recuperar o que é nosso. 

Esta sexta que passou, primeiro dia sem jogos na copa da Rússia, fez aniversário de 60 anos do caneco na Suécia. Devia ser feriado nacional. E não estou brincando.

29 de junho, 2018. dia sem jogo, véspera das oitavas. Sobre o filme: http://www.cafecomfilme.com.br/filmes/driblando-a-guerra




sexta-feira, 29 de junho de 2018

Trave de chinelas


Lá pelos idos de não sei quanto, o critério de desempate para os jogos do Torneio Início - um campeonato festivo que marcava o início do campeonato paulista, com jogos de meia hora, num único dia, uma verdadeira macarronada de domingo, em partidas eliminatórias do tipo perdeu tá fora - eram os números de escanteio. O argumento era que o escanteio comprovava que o time estava jogando no ataque, procurando gol, então, no desempate, escanteio era gol.

Não sei se a regra do torneio Início era boa. Mas era oitocentas e quinze mais mais lógica e prudente que esta regra safada que a federação internacional de futebol associado tem adotado: a do "Jogo Limpo". Nas competições organizadas pela federação, premia-se quem tem menos cartões como critério de desempate. Obviamente, a regra macabra foi utilizada para definir um dos classificados o mais jururu para as oitavas de final nesta copa, na vaga disputada entre Japão e Senegal. Os japoneses ficaram com a vaga por ter tomado dois cartões amarelos a menos que os senegaleses.E o que aconteceu? Os asiáticos, sabendo do resultado da partida entre Senegal e Colômbia, mesmo perdendo o confronto com a Polônia, passaram os últimos cinco minutos num verdadeiro toco de lado recebo de volta. Uma ode ao oportunismo de quintal, aquele da grama do vizinho.

No fim, a seleção que praticou um joguinho mequetrefe de ocasião acabou se classificando na regrinha do "fair play", num contrassenso típico de fazer propaganda de refrigerante antes da matéria que alerta dos riscos da obesidade infantil. Ou, propaganda de banco e logo depois aquele analista cu de ferro vem explicar do problema da inadimplência contribuindo para os índices débeis da economia.

E é óbvio que a imprensona do mundo resolveu tacar o tacape nos japoneses, tratando a manobra do time como laranja podre, que aquele joguinho de engana nos últimos minutos foi uma manobra aviltante, mais terrível que xingar a mãe. Mas, carambolas cósmicas, porque diachos existe uma regra dessas? O amarelo, o cartão, é um sanção e se insere dentro das possibilidades da partida. O amarelo recebido numa partida duríssima, por causa de uma falta que impediu o prosseguimento da jogada, não pode se equipar com um amarelo por comemoração de gol. Aliás, amarelo em comemoração de gol é outra dessas cretinices de emoldurar. O amarelo é um sinal de alerta, uma admoestação preliminar, mas que leva em conta única e exclusivamente as condições objetivas e subjetivas, o drama e a miséria, daquela partida singular, que nunca mais se repetirá. 

Melhor o critério do escanteio. Pelo menos se premiaria quem chegou na última linha de defesa da cidadela adversária, tentando ganhar o pote de ouro do castelo. Melhor ainda era chamar japoneses e senegaleses para um encontro no ginásio coberto da escola pública mais próxima, para fazer um "vai a um", gol caixote, meio campo, seis de cada lado, sem goleiro mas com a regra de no mínimo três toques. Uma regra simplesinha, que toda criança que jogou futebol sabe identificar.

Ou, sei lá, classificar o Irã. 


28 de junho, 2018. Japão e Polônia. Colômbia e Senegal. Inglaterra e Bélgica. Panamá e Tunísia.



quinta-feira, 28 de junho de 2018

"Lateral é meio gol!!!"


Na TV Gazeta, antes do maravilhoso programa do Ronnie Von, muito antes, num tempo onde as tardes eram ocupadas pelo "Mulheres em Desfile", apresentação de Ione Borges e Claudete Troiano, um verdadeiro percursor de tudo o que é programa vespertino de televisão, o grande barato eram os programas de mesa redonda de futebol. 

O formato era descaradamente clubista, com todos os apresentadores representando ao menos um dos grandes times paulistas. Peirão de Castro, santista. Alfredo Borba, corintiano. Milton Peruzzi, palestra. Luis Noriega, São Paulo. Desconfio que o Fernando Solera também era São Paulo. E tinha o Orlando Duarte, Portuguesa. Não lembro se Orlando estava nas mesas redondas ou só ocupava as transmissões da Pan, como comentarista dos jogos narrados pelo estupendo José Silvério, quando a Pan era uma rádio de verdade e não esta sucursal da estupidez galopante e hidrófoba que é hoje. 

Eram duas versões, que me lembre, e as memórias são sempre isso, um afeto e nunca um teipe completo que repete os exatos: uma noturna, aos domingos, depois do Gigantes do Ringue - um desses vale tudo fantasia, avô bastardo dos MMAs que hoje ganham o mundo com regras e muitos dólares, e antes do videoteipe do jogo da rodada - a Gazeta não transmitia os jogos ao vivo, transmitia um videoteipe, com narração do Peirão ou do Solera - e uma versão diária, matinal, na hora do almoço. Cabulei aula, no meu primeiro ano de colegial, ou ensino médio para os mais atualizados, ou clássico e científico para os mais de antanho, várias vezes para ver o programa da Gazeta, que era no prédio onde eu estudava. Gazeta na gazeta, devia ser o nome do programa dos estudantes. 

No fundo, camaradas, somos todos torcedores, na dor, no amor, na economia, na cerveja, na política, no futebol e na porrinha. O formato descaradamente clubista do programa garantia bons debates, quebra paus homéricos. Mas evitava esse tipo de "isenção" ou "neutralidade" que tanto cagam e mancham de cocô as análises do suposto jornalismo brasileiro. Aparentemente aquilo podia ser simples ou simplista, não tinham os gráficos, as análises de desempenho, os números de passes certos, os números de gols onde o chute foi no meio do gol, não tinha "mapa" de calor para mostrar a movimentação dos jogadores em campo. Mas a gente sabia que o Dicá era mais preciso nos lançamentos, que Andrade nunca errava passe, que Paulo César Capeta dava um calor dos infernos nos laterais esquerdos, que os times do Telê gostavam de ter mais a posse de bola e que os times do Minelli eram fechados, bem armados, prontos para um golpe letal. Ninguém enchia o saco com as estatísticas de quantas vezes a chuteira do pé direito de fulano tocava na bola e nem das oitenta vezes que o time que jogava de azul conseguia a virada quando chovia em Estrasburgo. O dois a zero era um resultado perigoso e onde passava um boi passava uma boiada, eram as filosofias certeiras do Juarez Soares, que só não participava como mais um corintiano na mesa redonda porque era de outra emissora.

O grande problema das análises do time de Tite é que poucos dizem os óbvios, aqueles óbvios que são ditos por torcedores comendo pernil. Tentam dar planilhas onde deviam dar mortadela. O time de Tite é bom, ganhou três jogos e a rigor passou apuro um pouquinho contra a Suíça, depois do gol, e um pouquinho no segundo tempo contra a Sérvia. No resto foi o Tite de sempre. O técnico é o Tite, os times dele jogam assim, na segurança, a volúpia do um a zero. Se Coutinho e Casemiro estão a gastar a pelota, sendo Coutinho o super trunfo do pacote, o time tem presepadas. Falta ao time do Tite rebolado, gente que se mexe, alterna de posições no ataque. Que se libere Marcelo para flutuar e viver a vida loca de Real e que Tiago e Miranda se virem para dar cobertura. Que Neymar deve as vezes trocar com Willian de posição e que Willian, pelo amor de todos os deuses e deusas do universo, não pode ficar só no lado direito do campo, porque qualquer hora ele sai pela linha lateral e ninguém vai perceber. Aliás, pelo talento que tem, Neymar pode inclusive jogar de centro avante, trocando com Gabriel, e pelo meio, trocando com Coutinho. É um desperdício confinar o onze santista num lado só do campo, mesmo quando ele ziguezagueia pro meio parte de um lado só. E tem Firmino, entra Firmino. Enfim, mais remelexo menos missa. E que Tite convocou errado...

Não levar o Reinaldo do São Paulo fez o Brasil perder aquele lance de gol gerado pelo lateral batido lá no meio da área, para um bumba meu boi deus nos acuda na área adversária. O leitor pode rir, mas com um a zero, precisando empatar, quarenta e dois do segundo tempo, tem mais chance quem se desespera sem pudor, um beijo de batom vermelho e com mais bola na área saravá meus orixás.

27 de junho, 2018. Brasil e Sérvia. Costa Rica e Suíça. Suécia e México. Coréia do Sul e Alemanha.








quarta-feira, 27 de junho de 2018

Contos de Leiteria


Devo ter organizado uns mil campeonatos de botão quando era moleque. A maioria desses campeonatos joguei sozinho. O Estrelão no meio da sala, times espalhados pelo tapete. Até a mesa de jantar era estádio, abrigava finais de Maracanã. Obviamente, por razões absolutamente evidentes, o São Paulo costumava faturar muitos torneios. Eram raras as derrotas do tricolor. Mas houve uma Portuguesa de Desportos, de Enéas e Wilson Carrasco, que numa tarde, entre o Speed Racer e o Savamu Demolidor, produziu um milagre para erguer catedral.

A finalíssima do torneio tinha que caber no tempo entre os desenhos. A história de Savamu estava empolgante, ele devia enfrentar algum gigante tailandês depois de ter sido derrotado numa primeira luta e treinado sozinho numa floresta para a revanche. O famoso chute no vácuo foi treinado contra árvores e o lutador saltava e caia numa fogueira que ficava no relvado. Ou seja, não dava para perder. O fato é que Portuguesa e São Paulo entraram no campo logo após o Corredor X salvar pela enésima vez o pescoço do irmão. A campanha da Lusa tinha sido excelente. Enéas estava literalmente possuído. Acho que na semifinal destroçou o Corinthians de Palhinha e Geraldão. Se não foi o timão, a vítima deve ter sido o Palmeiras, de Beto Fuscão e Polozzi. Já o São Paulo teve uma vida mais tranquila, vencendo a Ponte Preta de Dicá, o Guarani de Zenon e triturado o Fluminense de Edinho e Pintinho. Lembro de tudo. Arrepia contar o que aconteceu depois...

Na partida, numa saída de bola, eu literalmente escorreguei a palheta que comandava as ações do volante Almir. A bolinha chata de jogo de War resvalou no Wilson Carrasco e foi parar no fundo do gol do Valdir Peres. Inacreditável. Eu quase invalidei o gol, não tínhamos árbitro de vídeo, meu irmão devia estar no quarto, meus pais trabalhando. Ninguém ia saber de nada. Mas a consciência, sei lá porque, pesou. Gol. E pronto. Tinha tempo para virar. O que se sucedeu foi um massacre. O São Paulo bombardeava a defesa da Lusa. Eu jogava usando uma regrinha de cinco toques para cada time em cada jogada. Nas saídas de bola da Lusa, misteriosamente, as bolas batiam nos botões do tricolor. Mudava a posse da bola, então. O relógio correndo. Os comerciais da groselha Milani e do DD Drim, "nesta festa preciso por um fim", indicavam que em poucos minutos começaria a luta do século. Dei uma porrada num jogador do São Paulo, dentro da área. Expulsei o zagueiro da Lusa. Marca da cal, penal, bateu, o goleiro Moacir pegou. Palavrão. Na tela da TV, a música do Savamu: "Ele se julgava o demolidor, ele se julgava o demolidor". 

Mas o assombroso, o sobrenatural, ainda estava para acontecer. Da defesa do goleiro a pelota foi parar nos pés de Eneás. Ou seja, bola com a Lusa. Displicentemente eu toco com a palheta no botão. A bola ganha uma força sobrenatural e cai na gaveta do Valdir, encobrindo Oscar e Dario antes de morrer no fundo da meta. Dois a zero. Depois daquele dia nunca mais duvidei de fantasmas e que espíritos comandam por vezes as partidas de futebol. Confesso que remoí todos os lances e quase que me estraga o desenho, inconformado que estava. Anos depois, lendo Nélson Rodrigues, reconheci na leiteria o Castilho que morava no Enéas do meu jogo de botão da Portuguesa. Entendi tudo.

Dias depois, Eneás foi transferido para a Itália, acho que para o Bologna. Mas no campo de botão lá de casa virou uma entidade e resolvia sempre jogos impossíveis. Cheguei a escalá-lo no lugar do Éverton numa quinta feira a tarde chuvosa e sem tv em casa. A única partida que fez pelo São Paulo. 

Vendo a partida da Argentina contra a Nigéria, revi e reforcei minhas crenças. Não foi o Eneás, evidentemente. Mas aquele gol do lateral esquerdo, de perna direita, que segundo a própria mãe do jogador em entrevista aos periódicos portenhos só servia para subir nos degraus do ônibus, aos quarenta e larai do segundo tempo, foi de Batistuta, que encarnou no pé do lateral, ali, bem ali, e aos olhos de toda a multidão do mundo. 


26 de junho, 2018. Argentina e Nigéria. Islândia e Croácia. França e Dinamarca. Peru e Austrália.






   

terça-feira, 26 de junho de 2018

Para ler ao som de Pinduca, Dona Onete y Ruben Rada, porque no???



Daquelas cousas indesculpáveis, não ter dado a chance ao Mangueirão de sediar partidas de uma copa do mundo talvez sido uma das mais retumbantes bobagens de nossa história contemporânea. O estádio principal da cidade de Belém, no Pará, sedia uma das rivalidades mais estrondosas do futebol: Remo e Paysandu. E, de quebra, abrigou jogos da simpática Tuna Luso durante os anos dourados do cruzmaltino. A rivalidade entre o Remo e o Paysandu, Leão e Papão, é capaz de lotar estádios em jogos das séries A, B, C, D, do alfabeto inteiro.

Ignorar, por razões de sei lá qual ordem, esta rivalidade durante o preparo para a copa do mundo e escolher outras sedes, sedes em que o futebol era mero pretexto, demonstra muito da nossa incapacidade de entender o futebol como elemento central de nossa cultura, de nosso país, de nossa civilização. Não foram os portugueses que deram unidade ao Brasil. Foi a Rádio Nacional, foi Leônidas da Silva, foram Pelé, Didi e Garrincha. Internacional, Grêmio, Cruzeiro, Atlético, Sport, Náutico, Santa Cruz, Bahia, Vitória, Remo, Paysandu, Flamengo e River. Com um pouco de paciência, num boteco, poderíamos escrever um grande tratado de sociologia, antropologia, economia e política somente conversando sobre futebol.

O Brasil tem uma elite que odeia o Brasil. E para exercitar este ódio mascara, avilta, machuca, esquece nossa história. Nunca deu tratos à nossa maior ignomínia, ao nosso maior vexame, a escravidão. Na escola temos uma aula que diz que foi assinada uma lei por uma princesa bondosa e pronto, borracha. Não tratamos de nossa recente ditadura civil militar, não responsabilizamos o estado pela barbárie, pela tortura. Aprendemos que teve um golpe, que teve colégio eleitoral, que teve Tancredo, que Tancredo morreu, Sarney assumiu e acabou a ditadura, borracha. Nunca tratamos das borrachas, borrachadas, esculachos das forças de segurança contra a população mais pobre, negra. Aprendemos índices de violência e naturalizamos o confronto polícia e ladrão. Não nos furtamos em afastar uma mulher da presidência do país, eleita, só porque não íamos com a veneta dela, porque ela era mulher, usando argumentos os mais hipócritas possíveis. Nas escolas não se fala mais de Kuarup.

Não é diferente no futebol. Não temos interesses em ensinar nossa história nas copas, nos campeonatos. Basta afirmar que somos os melhores do mundo, no ufanismo idiota, como que brotando magicamente. Estamos esquecendo de Pelé e sem Pelé não há Zico, sem Zico não há Romário, sem Romário não há Ronaldo, sem Ronaldos não há Neymar. Pelé já é algo distante, alguns tratam como anedota ou como figura mítica, daquelas que perdem importância porque não precisamos mais de "Vitasay".  

Sem Maracanazzo não há 58. E sem 58, senhouras, senhoures, não há Brasil. Quanto mais distante for 58, mais nos distanciamos daquilo que poderia nos caracterizar como civilização, a civilização brasileira. Didi da Guiomar, Garrincha, Djalma e Nilton Santos. Éramos mais felizes e não porque a nostalgia alimenta. Porque tínhamos um sonho que ia muito além de fazer compras em Miami ou morar em Lisboa. 

A magistral partida da Colômbia contra a Polônia não se resume no passe saboroso de James para o tento de Mina, nas alturas. Nem do toque sutil de Quintero para o arremate lindo de Falcão Garcia. Muito menos na pintura de capela que foi o lançamento de James para o terceiro gol de Cuadrado. O magistral esteve no abraço de Higuita e Valderrama nas arquibancadas, um abraço de mais de mil palavras.

Nas coletivas de imprensa após a vitória indiscutível contra os russos, os jornalistas uruguaios perguntaram para o "maestro" Oscar Tabarez - o mais velho dos treinadores nesta copa e o que mais vezes a disputou como treinador, 1990, 10, 14 e 18 - sobre a partida e o que ele achava da Celeste ganhar dos anfitriões, assim como ganhou da África do Sul em 2010, da Argentina na Copa América de 2011 e do Maracanazzo, 1950. Celeste Olímpica, vencedora das Olimpíadas de 1924 e 1928, as outras duas estrelas que compõe o conjunto de quatro na camisa azul que entorta varal, mesmo sendo de um país pequenino de território. 

O Remo está na série C do Brasileirão. O Paysandu na B. A Tuna Luso disputa a segundinha do paraense. No sítio da internete da Tuna, garbosamente, se anunciam dois títulos nacionais. Eu, correria lá para ler.

25 de junho, 2018. Uruguai e Rússia. Arábia Saudita e Egito. Irã e Portugal. Espanha e Marrocos.








segunda-feira, 25 de junho de 2018

Quando o marreco sorridente também gritou gol!


Era domingo. Último dia da segunda rodada da copa. Nas duas primeiras rondas, neste formato de grupos de quatro, são muito maiores as chances do lúdico, do brincar. Depois, tudo ganha ares de seriedades excessivas, classificações, epopeias, desastres, glória, fracasso, vexame, sete a um, dinastias e bebedeiras. Mas no comecinho, não. Ali naqueles primeiros momentos temos os sonhos de um Panamá campeão do mundo, de um gol antológico, de passes com azeite, bolas com açúcares, planos, brinquedos. Com jogos todos os dias, muitos jogos, muitas bolas, muito assunto. O deleite. 

Sim, há na segunda rodada as desclassificações prematuras - ninguém deveria ser sumariamente eliminado na segunda rodada e as regras perfeitas um dia levarão isso em conta nalguma fórmula mágica. Mas, a rigor, todos tem chances. Até o time mais estrombólico, caricato ou sovina. É um grande barato, basta gostar de picolé. Eu gosto muito de acompanhar estas rodadas ouvindo jogos pelo rádio. Há uma fantasia nas narrações pelo rádio que nos transportam para mundos paralelos. Ouça o centésimo gol de Rogério num desses videozins de vocêtubo e percebam que para cada narrador, um desenho, uma mágica, um conto. Até parecidos, mas diversos. O rádio, o futebol pelo rádio, vai muito além da imagem televisionada: é a imagem imaginada.

De uns tempos para cá, com o advento dos aparelhos de telefone móveis, pequenas máquinas de computadores muito mais possantes que os PCs dos tempos remotos de colégio, há aplicativos e possibilidades de conhecer e escutar rádios de todos os lugares do mundo. Este sempre foi um sonho que acalentei, toda vez que tentava colocar as antenas dos radiotransmissores que passavam pelas minhas mãos e tinham a frequência das "ondas curtas". Com o celular, as ondas curtas funcionam mesmo. Basta um sinalzim das internetes.

Voltando ao domingão, fui ao parque com minha filha pequenina no horário do jogo do Senegal. Fui de carrinho e pude num plano infalível ouvir trechos do jogo. Um fone num ouvido e outro pronto para ela. Só quando ela quis dar milho e piruá para os patos é que deixei os fones. A menina adentrou corajosamente ao setor de patos e galinhas, galos e pintinhos do parque e eu resolvi que era melhor marcar de perto a atacante do meu próprio time, já que ornitologia é uma ciência que demanda total atenção e bicada de pássaro dói mais que chuteira de trava na canela. Bom, a menina andou para cima e para baixo, correu, correu de novo, subiu com a boneca para lá, para cá, conversou com o baile todo e, obviamente, se cansou. E pediu colo.

Lá pelas tantas ela estica as mãozinhas para os fones de ouvido. Estica, resmunga e só para quando eu entrego para ela. Automaticamente, ela coloca os fones nos ouvidos dela. Sem som, porque estavam desconectados. Reclama, aponta para o telefone, resmunga, chora. "Tá filha, vou ligar."

Antes de procurar alguma música, o celular estava conectado a uma rádio de Dakar, Senegal. Senegal e Japão faziam seu jogo na copa. Não entendia nada. Era um "Senegale hã Japonaise hã" que imaginei ser um a um o placar. O fato é que o narrador desembestou a gritar exatamente na hora que a menina recolocava os fones, desconfio que foi o segundo gol senegalês: "Futebó! Futebó, papai". E sorri gostoso.

O pai? O pai quase evapora naquele sorriso. E colocou o outro fone tentando descobrir se tinha sido mesmo gol...


24 de junho, 2018. Senegal e Japão. Inglaterra e Panamá. Colômbia e Polônia.




domingo, 24 de junho de 2018

Amarrações para o amor


Muito e muito se fala do drama argentino nesta copa. Do drama brasileiro, menos dramático, mais novela das oito, mas drama. O drama alemão, atenuado no milésimo final de uma partida em que a toalha já teria sido jogada fossem outros dramas. O drama italiano, que nem para copa veio. E todo jogo da Celeste é um drama. Queria falar de outro drama, porém, que parece não existir nos cérebros mais retilíneos. Mas existe, com a força repleta de ancestralidades...

No fim do jogo entre alemães e suecos, o juizão dando cinco minutos de acréscimos, pensei duas cousas: a primeira, era muito tempo para a Suécia se segurar. A segunda, caçarola, o México, vai sobrar para o México. Osório é nesta copa o São Paulo Futebol Clube de "sombrero", sabemos.

O gol alemão no fim, do cara que nunca erra passe e quando erra passe faz gol no último milésimo e se redime zerando a estatística, colocou água na tequila do grupo. O México fez uma partida muito linda contra a Alemanha e ganhou dos coreanos do sul numa partida relativamente tranquila. Mas tomou um gol no fim, diminuindo saldo. Vai para a rodada final com saldo de dois gols, seis pontos. E pega a Suécia, um time burocrático, mas saidinho - foram os suecos que eliminaram os italianos da copa e quem elimina a Itália merece o benefício da dúvida, sempre. A Suécia tem saldo zero, três pontos. Na outra ponta, Alemanha, três pontos e zero de saldo, contra a Coréia do Sul, zero ponto e dois negativos de saldo. Em tese, todos com chances. Mas com um olhar otimista para os mexicanos. E aí reside o drama, no otimismo. O otimismo é para os latino americanos o equivalente ao "só que não" das redes sociais.

Dos povos que tem o futebol como segunda pele, é o México que carrega o fardo mais pesado de falhar em momentos agudos. Os de memória mais pródiga vão lembrar de eliminações impossíveis, como a da copa passada, quando o México perdeu o jogo das oitavas para a Holanda numa reviravolta inacreditável, num jogo onde parecia impossível que perdessem. E notem, passando pelos holandeses, enfrentariam pelas quartas a Costa Rica, um adversário que o México enfrenta todo ano, conhece esquema, capital, aeroporto, pina colada. Era caixa a vaga na semifinal. 

O fato é que México e Suécia tem tudo para ser o jogo mais dramático de todos os tempos. A Alemanha ganhando da Coréia e fazendo saldo, e no jogo de cá aquele empate com bola na trave, juiz errando penalti, o VAR mais complicando que ajudando, torcida gritando. E Osório lá, pensando no que fazer. Osório, o profe, é o único capaz de levar o México ao delírio supremo: não descarto sequer o caneco. Mas, sei lá, num rompante tira o lateral mete um centro avante, recua o ponta para marcar e transforma em autopista libre de percalços uma das alas do campo...

Osório, um empatezinho e estamos lá. Só um empate. De qualquer forma já vou amarrar umas revistas suecas antigas e fechar as amarras num cadeado velho.


23 de junho, 2018. Alemanha e Suécia. México e Coréia. Bélgica e Tunísia.





sexta-feira, 22 de junho de 2018

Os orixás da bola



O primeiro gol da Nigéria, na partida de hoje contra a Islândia, é a explicação mais evidente das razões que fazem o futebol ser imortal. Até o milésimo de segundo anterior ao início da correria do lateral - ou ponta, meia, atacante, zagueiro, tanto faz - que lançou a bola para o domínio de Musa, na área islandesa, noventa por cento do mundo imaginava que a Islândia acabaria achando seu golzinho, se fecharia em copas, quase carimbando a vaga para a segunda fase.

Ocorre que a bola tinha outros planos. Gosto de pensar na redonda como um ente mágico. Mas inerte, quase sempre. Mas um carinho, um afago, um sopro, uma canelada, uma matada no peito ou uma desengonçada cabeçada podem despertá-la. Desconfio que foi o que ocorreu quando o jaqueta onze na Nigéria se lançou ao universo em direção a linha de fundo. O lançamento. A parte de fora do pé de Musa. E ela se recolhendo ao campo do chute, matreiramente, dando um quique que a deixou exatamente da ponta da chuteira do sete africano. E vai descansar gostosa no fundo da meta, para um mundo atônito. A beleza, plástica, mas do efêmero: A Nigéria voltava para a copa, trazia a Argentina de volta ao baile e, trazendo a Argentina, acolhe novamente a Messi. A Nigéria, que ao lado dos Camarões de Roger Milla, embala a mais tempo o sonho de um caneco inédito africano. Se a dança senegalesa emociona e nos redime, a Nigéria de volta ao sonho é um parque de diversões onírico. Com um gol desses... um gol que explica tudo.

A grande copa de Neymar seria a de 2010. Lá naquele antes, em terras sulafricanas, o menino já ensaiava seus passos de virtuose e ballet no Santos de Pelé. Não foi convocado, porque Dunga, um dos melhores volantes volantes que o mundo já viu, é um eterno ressentido - queria ter sido meia desconfio. O time de 2010 chegou na África do Sul super favorito. Ganhou de todo mundo na véspera. Com contragolpes fatais. Mas no torneio foi mal, muito mal. A contusão de Kaká matou o esquema de Dunga e sem Kaká o time se revelou excessivamente quadrado. Neymar ali seria a chance das geometrias, era um ilustre desconhecido e faria do mundo mais um zagueiro joão. Hoje,oito anos depois, Neymar é mais conhecido e manjado que muito artista de cinema americano, desfila, se exibe, demanda. É brilhante, mas não tem mais aquele frescor que o deixava incólume perante as vicissitudes e as labaredas do mundo, as nossas e, também e também, as dele.

Um ano antes da copa de 2010, na Nigéria, num mundial de quase meninos, chamado oficialmente de Sub/17, houve uma partida entre Suíça e Brasil, no Estádio Nacional de Abuja. O Brasil tinha Alisson no gol, tinha Casemiro, tinha Coutinho e tinha Neymar. Um timaço. A Suíça tinha Seferovich, Rodriguez e Granit Xhaka, que são titulares do time nesta copa do mundo e estiveram em campo no empate inaugural da semana passada. A partida acabou 1x0 para a Suíça, o Brasil foi desclassificado na fase de grupos. 

Aliás, o gol de Xhaka, hoje contra a Sérvia, foi um golaço de marca, um pelotaço com raiva de fora da área. Daqueles gols que ecoam. A Suíça pode não ir longe nesta copa, mas em 2009, foi quem levantou a taça. Vencendo a Nigéria na finalíssima.

22 de junho, 2018. Brasil e Costa Rica. Suíça e Sérvia. Islândia e Nigéria.






  

quinta-feira, 21 de junho de 2018

O tango do sexo das corujas mortas



Ser desclassificado de qualquer torneio é morrer um pouco, sempre. Desde a desclassificação evidente, que só machuca o peito, até aquela que é cruel, com requintes de filmes B e temperos de fim de mundo, que chegam a dilacerar tecidos. 

Lembro de um pelotaço de Ademílson, atacante vindo de Cotia, no São Paulo numa fase eliminatória de Libertadores, contra o Galo, em pleno Morumbi. A bola absolutamente lasciva, pingando na área, goleiro batido e o nosso atacante dá um chute galaxial, a redonda virando satélite. Já estávamos com dez em campo, desconfio, mas um gol ali era batata e classificação. Passei a semana fechando os olhos e a imagem que aparecia era o satélite quicando na lua. 

Se o jogo é de quarta a noite, virá o combo insônia, refluxo e saudade, rememorando o que poderia ter sido. É uma das sensações mais intensas que alguém pode viver. E sobreviver. Porque o campeonato seguinte começa em breve.

O cacete de uma eliminação na Copa é que existe uma maldição a mais: somente dali a quatro anos é que o gato que desvencilha do telhado. Sim, tem a questão das eliminatórias, que podem piorar o gosto de café frio. Ou seja, o dia que se sai da copa é um dia moribundo. Ainda mais se as conexões com o seu time estão presentes, em afeto e carinho. 

É evidente que os peruanos estavam de caso amarrado com o selecionado. Todas as matérias de recheio das coberturas esportivas do certame russo apresentaram rostos pintados de vermelho e branco, exaltando as qualidades do time, fazendo barulho nas ruas e nos estádios. A festa na partida de despedida do Peru de Lima, numa partida contra a Escócia, se a memória não me trai, foi daquelas deliciosas quizombas, de dar um tiquinho de inveja, remorso, espinha de peixe na goela. E o Peru já está fora da Copa, apesar de ter feitos dois jogos bastante razoáveis. Hoje o vermute não foi digestivo.

Vi boa parte do jogo entre franceses e peruanos. De uma lado um time enjoado, com muita qualidade aparente nos toques de bola e com um volante descomunal de bom, Kante. Mas um time confuso... por não encontrar uma palavra mais adequada para descrever o trem. Do outro, um time brioso, mas cheio de incompatibilidades entre a bola e os pés. Mas os sulamericanos jogaram como puderam, emparelharam o jogo. Lá pelas tantas, partida já com o placar de um a zero, a bola vem em direção a um dos peruanos menos famosos e o cara acerta na veia da redonda, dá para ouvir o barulho quando escrevo. Do pé na bola, um movimento levemente curvo, parecendo reto, um canhão. O tempo pára. A transmissão da tv, a narração do rádio, a respiração. Numa velocidade incrível e inapelável, a bola passou pelo goleiro e explodiu no travessão. Ali onde a coruja faz ninhos. Ali onde os sonhos viram passado. Ali onde não há o chuá delicioso do som da pelota se emaranhando as teias da baliza e, sim, um estalo de ferro. Excesso de ferro, revelam os exames de sangue, problemas de fígado. A eliminação se deu ali. Nunca mais. Quando a bola volta ao campo de jogo ela já é outra, deformada, rasurada.

É lindo também, nesse jogo de palavras e sentidos, que nós chamamos em muitas obras de arte, na literatura, nas telas e nas alcovas, o momento do orgasmo de "pequena morte". Como se depois, não houvesse mais nada. Deve ter sido o que Modric sentiu depois de desferir o chute que resultou no segundo gol croata contra a Argentina. Croatas e peruanos morreram um pouco hoje. Os argentinos não: seguem vivendo em seu tango dramático, "por una cabeza". 

21 de junho, 2018. Dinamarca e Austrália. Argentina e Croácia. Peru e França.




quarta-feira, 20 de junho de 2018

"Aperfeiçoando o imperfeito"


Ouvi uns pedaços do jogo de Portugal, numa estação de rádio lusitana, pelos fones de ouvido no celular. O telefone celular é uma invenção do demônio, todos sabemos. Mas o tinhoso é sempre contradição: criou algo para nos amarrar definitivamente ao trabalho, nos dar a sensação de estarmos ligados, conectados, plugados, por toda a existência da bateria, mas, por outra ruela nos deu os aplicativos de música e as rádios. Uma no cravo, outra na ferradura. Como na copa: Um Portugal e Espanha dum lado,um Coréia do Sul e Suécia, benzadeus que partida árida, doutro.

Os narradores portugueses, eles narram os jogos em dupla, assim como os uruguaios, torcem descaradamente e sem pudores para seus selecionados. É estranho quando comparamos com as nossas narrações mais famosas, que exageram num ufanismo que não podemos chamar de torcida... e não sei muito bem explicar o que é. A vitória parece que vem por causa de algo natural, inato e a derrota vem porque alguém cometeu algum crime. Os portugueses falam das naus perdidas. Nós falamos de como se perderam as naus. É uma linhazinha tênue mas é barbante. Nos jogos da seleção talvez fosse melhor escalar sempre o Silvio Luis e os seus bordões: "pelas barbas do profeta". Ou o Osmar.

O único jogo que vi quase inteiro nesta copa foi o Portugal e Espanha. Um belo jogo de futebol. Nos demais, o televisor ou o rádio ligado, mas sempre fazendo algo em paralelo. A copa, como encanto paralelo. Perdi muitos pedaços de jogo e vi alguns gols só em videoteipe. Como os de hoje. Não sei, então, nem tento, estabelecer análises de tática, técnica, desempenho. Aliás, estas análises andam chatas por aqui. Tentar criar sistemas lógicos que expliquem resultados, com índices de posse de bola, de chutes a gol, de onde a bola foi chutada, gráficos e mais gráficos, coloridos, bonitos. Não sei estas análises dão conta do jogo. A beleza de uma retranca, e como são belas as retrancas, quase nunca é observável dentro desses critérios matemáticos. Cannavaro nunca teria sido o melhor do mundo numa copa se os critérios de análise fossem só os de "show do intervalo".

Me disseram do Irã na partida com os espanhóis. Deve ter sido uma retranca lindíssima. Assim como foi a da Islândia. Nosso problema é tratar o futebol como obrigação de espetáculos e malabarismos circenses, quando na verdade são os imprevistos, os impossíveis, os incrédulos que dão perfume a este jogo, um dos poucos onde o melhor nem sempre ganha. Ninguém se apaixona pelo futebol numa partida do Barcelona ganhando com oitenta por cento de posse de bola. A gente pode admirar, achar um feito incrível, uma obra de arte, ter o gozo. Mas o que apaixona, aprisiona a bola no lado certo do coração, foi o dia em que o Mineiro recebeu um passe milimétrico do Aloísio Chulapa, entrou na área e caixa, time campeão contra um outro aparentemente muito superior. É a vitória do Valladolid num único ataque, nos seus dez por cento de posse de bola. É a vitória de Camarões na abertura da copa. E a dança do Senegal. A paixão só pode ser despertada num dia de vitória impossível. É o caneco do Leicester. É o Olaria do Afonsinho. Depois de instalada a paixão, a gente administra, transforma a paixão em amor, resolve querer ganhar sempre, aplaude e exige o bonito. Mas durante uma copa a gente percebe que amar é importante, mas paixão.... aaaaaaah..... paixão é foda, é bola na rede, é o salve-se quem puder na zona do agrião...

Na volta para casa, tentando recuperar os placares que perdi - num perdi muita cousa pelo jeitão de um a zero magrinho de todos eles - percebi que no meu bolão cravei Irã 1 x 1 Espanha. De certa forma, ainda tem paixão neste navio.


20 de junho, 2018. Portugal e Marrocos. Irã e Espanha. Uruguay e Arábia Saudita.