quinta-feira, 12 de junho de 2014

A Arena Deserta





Preâmbulo

A situação do grupo é dramática, como as leitoras deste prestigioso blog futurologista estão cansadas de saber.
O Brasil está de luto, tenso, com a morte de Oscar e a fuga do assassino Paulo Henrique.
Para quem não leu, ou não se lembra, eis os fatos e os resultados até o momento:
Brasil 2 x 2 Croácia (leia aqui)
México 2 x 1 Camarões (aqui)
Brasil 5 x 5 México (e aqui)
Croácia 1 x 1 Camarões (Mãe DiNáder)
Para facilitar as contas, a classificação:


PT
SG 
GP
México
4
4
7
Brasil
2
0
7
Croácia
2
0
3
Camarões
1
0
2


O Jogo

Tanto já se falou, se escreveu, sobre as belezas de um estádio lotado e, de fato, até aqui, as arenas bonitinhas até que andaram apinhadas de gente.
Mas o jogo era de Copa e o estádio estava às moscas.
Na verdade, me faziam companhia, além das moscas, uns duzentos mexicanos, atrás de um gol, e cinqüenta croatas, atrás do outro. O único brasileiro desavisado era eu.
Repito: único.
Desavisado porque, ao comprar o ingresso para este jogo, em Recife, não percebi que, enquanto aqui jogariam Croácia e México, no mesmo bat-horário, em Brasília, Brasil e Camarões se enfrentariam para decidir a classificação.
Fato é que muita gente, com ingressos na mão, lotava bares e praças de Recife para assistir ao jogo da seleção brasileira.
Eu, na arena vazia, estava só. E como é belo o estádio vazio.
O som do apito ecoou, longo, pelas arquibancadas. Vários segundos se passaram até que se recobrasse o silêncio.
O jogo era mero coadjuvante da arena deserta e seus sussurros. Os gritos dos boleiros, as broncas do treinador, os xingamentos em croata, as parábolas descritas pela bola e o encantador barulho de seu choque com a chuteira mexicana tiravam deste expectador solitário a atenção sobre o jogo em si.
Sem ninguém do lado para fiscalizar minha concentração, assisti à partida distraída, descompromissadamente. A grande vantagem do estádio vazio é a cerveja gelada, sem fila.
A arena é moderna, padrão FIFA. O jogo, de Copa. Mas, na verdade, me sentia na Rua Javari (quanta falta me faz um cannoli). Pensei: houvesse alambrado, lá estaria a xingar o bandeirinha coreano.
Começou o segundo tempo, a quarta cerveja descia gelada, mas o jogo seguia morno.
De perto, o uniforme da Croácia era hipnótico. Uma toalha de pic-nic. Aumentava a vontade de tomar cerveja.
Estava no bar, pegando a sexta, quando o galego, já amigo, lápis numa orelha, radinho na outra, resmunga que o Brasil não estava jogando nada e o placar teimava em não sair do zero.
Pois no que a frase do galego ecoou pelos corredores da arena fria, ouvimos uns grunhidos vindos do campo.
Corri.
Gol da Croácia. Persistindo o resultado, o Brasil estaria fora. México e Croácia, classificados.
A desclassificação prematura seria um golpe grande demais para a torcida brasileira.
Bêbado, me comovi.
Cambaleante, voltei correndo ao alambrado invisível e, já sem as papas que a sobriedade me impusesse à língua, desferi, solitário, os mais variados impropérios contra o bandeira coreano, que acabara de anular um ataque mexicano. Ele olhava assustado, como se entendesse tudo o que eu dizia.
Então, o xingava mais ainda.
Xingava-o porque, ainda que só, tinha companhia, pois, naquele momento, o Brasil inteiro queria estar naquele alambrado invisível, para dizer para aquele bandeira que ele era um grandissíssimo filho de uma puta. Que sua mãe,...
Enfim, xingava-o porque não estava mais só, porque a ausência da torcida, me obrigava a lotar, sozinho, um estádio.
Pulei, gritei, xinguei, torci feito um louco, sozinho na multidão de cadeiras amarelas, como se o estádio estivesse repleto.
Até que o apito final ecoou doído e reverberou por todo o estádio. O jogo acabou.
Festa dos presentes.

Epílogo
A mim, restava o xixi derradeiro.
E, na solidão acústica do banheiro perfeito, sem temer o ridículo, pensando na arena vazia, nos bares cheios, cantarolei Pablo Milanéz: “Un homenaje / Para tu ausência / Lo llenas todo / Con tu presencia”.
Antes de deixar o estádio, vou tomar a saideira e ver com o galego quanto acabou o jogo do Brasil. A esperança é a última que morre. E alguém já disse: enquanto houver gelo, há esperança!

Luís Pini Nader
23/06/2014.
Croácia 1 x 0 México
Arena Pernambuco.
Público pagante: 151 pessoas

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