segunda-feira, 23 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Nove, uai


Quando pensamos a viagem, confesso: estava enxabido com copa. Não com o trem da bola, rede, jogador correndo, gol, frango e aquela samambaia toda. O que me entristece e continua incomodando, como aquele gosto de cabo de guarda-chuva é o que deixamos pra lá, em nome de uns milhõezinhos para uma campanha eleitoral aqui e acolá, em nome de sei lá qual santo mercado rede globo fifa rabo empreiteira. Porque perdemos, e creio indesculpável, a grande oportunidade de fazer Brasil. Um Brasil que se define, e muito, como povo, em razão do futebol.

 

Das mazelas deste sacrilégio, o que me dói é que podíamos ter feito brasis em razão dos preparos, dos festejos, dos folguedos todos. A missa toda era simples: seleção jogando aqui, sendo nossa, nos quatro anos todos. Com Neimares, Gansos, Magnos Alves, Alexs, Daniels Alves, Júlios Césares, Jeférsons, Léos Mouras. Com a construção de pontes entre o time nacional e o país, com David Luís sendo a cabeleira cósmica que fazia do moleque e da moleca de uma dessas pracinhas espalhadas por aí um pouco mais brasileiro. Não quero aqui dizer patriotadas, essa coisa imbecil e imberbe, do torcer pela pátria mãe gentil, cantarolares de muito orgulho e amor, pose para fotos, ame ou deixe, chuteiras coloridas e vender celular, banco, petróleo. Digo outra cousa: Daquilo que nos define. Uma arrancada de Neimar varando defesas, atônitos, diz muito mais sobre nós do que as novelas do Manoel Carlos. 

Mas o fato é que planejamos a viagem bem na segunda rodada da Copa, uma viagem para a Serra da Canastra, em Minas Gerais, comer queijo e ver montanha. Muito queijo e muita montanha, um mar das Geraes. No começo todo, pouco pensei se o local de estada ia ter televisão para acompanhar os jogos ou internete via três ou quatro gês ou o escambau. Afinal, isso tudo é tão moderno que a gente nem pensa mais quando não tinha isso ou aquilo. Mas o fato é que na véspera da viagem, coração já tomado pelos jogos - e pela qualidade plástica das partidas, uma surpresa doce e farta - vi no saite da pousada: "sem tv e sem internete". Outra confissão: pensei em desistir de tudo, marcar outra data, chacoalhar o esqueleto e arrumar briga conjugal por um bom motivo, o único possível. Mas, depois, pensei e pensei: pode ter radinho de pilha, posso voltar no tempo, posso. Vesti minha bermuda mais surrada e fui andar por aí.



Costa Rica e Itália se enfrentavam nalgum canto do país. E, de fato, estava sem televisão nem rede de computador. Mas tinha um bom radinho AM portátil e um surpreendente AM no carro, que pela primeira vez no mundo resolveu pegar estações com nitidez. Montanhas e montanhas, numa paisagem de deixar boca aberta o tempo todo. A nascente do Rio São Francisco, o mais brasileiro dos rios, o mais santo dos fluídos d´água. Queijo canastra. E torresmo. E Costa Rica, jogando bem. Cachoeira. Cachoeiras. E tudo isso. É verdade, sem aquele clima de copa que a cidadona grande lá embaixo vivenciava....



Pausa. Parada. Torresmo e cerveja. "Olha, seu Edimar, a Dona Lúcia lá da pousada recomendou o torresmo, disse que era imperdível." O cabra abriu um sorrisão e mandou fazer o trem. Ofereceu um queijim enquanto esperava. Perguntei se podia levar o prato e a cerveja lá para fora, para ver o mar - das montanhas todas do mundo. "Claro que sim, qual o seu nome?". "Amaral."



Lá pelas tantas, vendo tanta beleza, ouço um gol. "Gooooooooool", gritava o rádio. Tentei ouvir melhor, era um desejo imenso de mandar o bolão as favas, com gol da Centro América. E era. Sorri, matreiro.



Seu Edimar, ao abrir a segunda cerveja, também revelou que ouvia o jogo: "Valente, este time da Costa Rica. Muito Valente.".



Lá no alto, também, tinha uma capelinha simples, quadrinhos da via sacra, uns santos, São Francisco. Bem em frente aos santos, um campinho de futebol.



Um comentário:

  1. Que bossa se chamar Amaral... Desses nomes de pessoa que, logo que a gente conhece, puxa a cadeira e passa o café...
    (Adorei o destino!)

    ResponderExcluir