quinta-feira, 3 de novembro de 2022

"Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo"

 

Quando a redonda girou no ar, saindo dos pés do Gérson, ela voou pelo céu até se aninhar no peito de Pelé. Talvez esta cena seja a descrição mais linda do que pode ser o futebol. Algo inexato, mas absolutamente matemático - parábola, equação, geometria euclidiana. Algo absolutamente complexo, mas simples, tão simples quanto um beijo, tão complexo quanto. Eu não me canso de ver este gol de Pelé contra a Tchecoslováquia, acho que é o gol de desempate. Porque Gérson estava ali e Gérson era o camisa dez do meu São Paulo. E porque o lançamento de Gérson é a prova mais translúcida de que há divindades no futebol, porque há algo místico, mistério, fantasia naquele passe que a ciência somente não conseguiria explicar. Ouça o tapa na bola e ouça o estufar da pelota branca no peito do Rei. E a bola na rede. O barulho da bola na rede, que som delicioso. Quase tudo nesta sinestesia e seria capaz de descrever tudo o que fiz naquele dia, como se fosse ontem - o que comi e bebi, o que vesti, o que conversei, o que amei. Memória. 


Acontece que nasci em 72, dois anos depois da parábola de Gérson. Gérson já tinha voltado para o Rio de Janeiro, depois dos campeonatos paulistas de 70 e 71. Pedro Rocha já era o meu Pelé particular. E na copa de 74 nem Pelé, nem Gérson e, lamentavelmente, nem Pedro Rocha, jogaram. Jogou Rivelino, outra divindade. E tinha a Holanda de Cruiyff. Sou capaz de narrar os jogos, de descrever o baile que tomamos da Laranja, de Luís Pereira tentando salvar a nossa honra, de dizer que tivéssemos sorte no primeiro tempo poderia a história ser outra. Descrevo com rituais a derrota do Zaire por nove gols contra a Iugoslávia. E que suamos sangue para fazer três contra o mesmo Zaire para poder se classificar no saldo de gols contra a Escócia! 


As memórias no futebol são assim. A gente descreve coisas que não viu, mas sente. Sempre. Porque é outro lugar que me aquece. As memórias são construções de sentimentos, sensações, experiências, saberes, dores, gostos, bebedeiras, loucuras, amargos, prazeres, amizades, saudades. O fato em si, aquele que para uns é tão tão importante, o factual, fica num outro lugar, talvez frio, talvez quente, mas outro. O exemplo mais exemplar do que quero tratar neste texto inaugural das memórias da copa de 22 é o último jogo do Brasil na única copa que realmente existiu, a de 1982: Quase nos acréscimos o genial Oscar, o melhor zagueiro de todos os tempos, subiu no último andar e testou firme... aquela bola entrou, ouço o gol na voz de José Silvério. Mas Zoff, o terrível goleiro italiano, fez a defesa, inacreditável, inapelável, transcendental. O fato é este, a defesa de Zoff. A memória... aquela bola tivesse entrado, a vaga era nossa e até as "Diretas Já" tinham passado em 1984, tamanha a força daquele testaço bestial.


São tempos estranhos. Eu, sinceramente, não consigo mais ter memórias sobre a seleção brasileira. Aliás, mesmo no futebol, as memórias vão se esvaindo. Pode ser a crise que o meu time se meteu por chafurdar na arrogância depois de ter sido o único tricampeão brasileiro com três triunfos consecutivos e insuperáveis de todos os tempos e se meter numa refrega as divindades do futebol por causa de uma infausta "taça das bolinhas" - ao reivindicar algo que não lhe pertencia, o tricolor da moeda em pé atraiu demônios que até hoje são sapos enterrados na relva - tenha a ver com isso. Mas não é só, sabemos. Escutando meu desejo, é menos recuperar a capacidade de devaneios com a seleção brasileira mas de revivenciar o chamego com a construção de memórias. Quem sabe os ares mais respiráveis que sopram em razão das eleições - com a derrota do sombrio e da infâmia - possam redesenhar possibilidades? Oxalá! E Richarlisson possa ser um novo Falcão!


Falcão, volante mais que estupendo, que deve fazer parte das memórias do meu querido amigo Guilherme Goulart, colorado e candango por adoção. Foi Goulart o muso deste texto: numa brincadeira num desses grupos de zap ele me questionou se este ano escreveria sobre a copa, como fiz nas últimas. Eu fiz muxoxo. Mas ele foi generoso nos adjetivos, me conquistou - leonino que sou. Mas o argumento definitivo foi outro: ele estava em dúvida entre Simone e Lula antes do primeiro turno das eleições e eu escrevi: "Vota no Lula desde já, que eu escrevo sobre a copa". Batata. Batata assada na churrasqueira, fica bom.


Vamos lá! A copa está chegando! Que venham boas memórias e encontros. 


2022. novembro, 03.


Gérson e Pelé:

https://www.youtube.com/watch?v=PdvvJVlpRfU





Ps: A frase do título do texto era um bordão do narrador Fiori Gigliotti. Fiori narrava na Bandeirantes e José Silvério na extinta Rádio Panamericana, que chamavam de Jovem Pan.


quarta-feira, 11 de julho de 2018

Yuri Gagarin


Acho que foi na TV Cultura de São Paulo - que saudades da TV Cultura... - que acompanhei aos jogos das copas de 70, 74 e 78. Sim, eu nasci em 72, mas o videoteipe é um pouco mais antigo. Eram os jogos transmitidos na íntegra, um pouco antes da hora do macarrão de domingo. Aquele time de 70 era fabuloso, mesmo. Não é lenda, história da carochinha. O homem pisou na lua e a terra, de fato, é redonda.

Clodoaldo, Gérson, Pelé, Tostão, Rivelino e Jairzinho formam uma espécie de absurdo. Os lançamentos, a precisão, a recomposição de jogo e os chutes de Gérson, e se tivesse um prêmio de bola de ouro ou qualquer coisa do gênero na época tenho convicção leonina de que Gérson seria o super trunfo daquela copa, são espécimes de elementais, para quem gosta de estudar o divino no futebol. E Pelé, bom, é Pelé. 

Mas mesmo este timaço, que ganhou todos os seus jogos, não pode ter uma narração absolutamente retilínea, do campo ao caneco. No jogo contra os ingleses, talvez contra o melhor time inglês de todos os tempos, suamos sangue, numa batalha feroz. Banks, o arqueiro inglês, defendeu um testaço de Pelé que faz parte da galeria de imagens para mostrar para extraterrestres para provar as capacidades do engenho humano. Tostão faz um balé na defesa dos saxões antes de achar Pelé no meio da área que merecia feriado, no lance do gol de Jairzinho. E tem a história, pouco contada por aqui, do intervalo, que entre um tempo e outro, num calor de rachar mamona, o time brasileiro esticou sua presença no vestiário até o limite antes de punições, deixando Bobby Moore e companhia debaixo dum sol de escalda pés. Os ingleses choram pelo fair play que não tivemos em todos os documentários até hoje.

Nas semifinais, viramos um jogo contra os uruguaios, o primeiro e último jogo em copa entre as duas seleções depois do Maracanazzo, com direito a uma cotovelada de Pelé, um revide, mas uma cotovelada, que fosse o mundo de hoje com VAR teríamos problemas. Ou não, porque se tivesse VAR não teria a cotovelada, num dilema tostines para discutir em boteco.


E, no jogo final, contra a Itália, pegamos um adversário totalmente destruído por uma semifinal de cinema, que italianos e alemães fizeram dias antes da finalíssima. Quem gosta de futebol tem que assistir aos jogos da copa de 70, mas se tiver que escolher algum jogo que não os do Brasil teria que ser aquela semifinal, num jogo que teve uma prorrogação absolutamente doida, magistral, colossal: jogo normal, 1x1. Prorrogação, Alemanha 2x1. Empate. Virada italiana. Empate. E quando caminhava-se para o fim do mundo, Itália 4x3. Com Beckenbauer jogando toda a prorrogação com uma tala no braço, depois de ter machucado a clavícula! A semifinal exauriu a Itália. Que, provavelmente, não ganharia o jogo final mesmo descansada. Mas não tomaria de quatro, desconfio.

Escrevo estas linhas para desenvolver a tese da semifinal renhida. O time que faz a partida mais dura nas semifinais acaba se desgastando fisicamente, embolando nervos, desgastando-se e, invariavelmente, perde a finalíssima. Lembremos de 82, do jogo entre alemães e franceses em Sevilla, na seminal. Um confronto épico, um 3x3, em partidas lendárias de Rumenigue, pelo lado alemão, e Tresor, pelo lado francês. A Alemanha ganhou nos penais e depois seria derrotada pelos italianos. Lembremos de 98, na semifinal entre Brasil e Holanda, uma partidaça que também foi aos penais fatais, com Taffarel sendo nome de santo. 98, Zidanaço. Na final, França 3x0.

As semifinais são espeto. Os jogos costumam ser feios, burocráticos, cheios de medo, como o Brasil e Suécia de 94 ou o Brasil e Turquia de 2002. Jogos estudados. Quando se tem grandes jogos, não necessariamente pela técnica, a semifinal costuma machucar o vencedor além da conta, tirando o enganche para a partida final...

Nesta copa, ao que tudo indica, é melhor a França colocar as barbas e os moustaches de molho.... Apesar da prorrogação, a Croácia fez a partida onde a diferença técnica entre um time e o outro foi mais evidente desta fase final. Sobrou, num jogo de semifinal. Sim, enfrentou prorrogações, contra dinamarqueses e russos, times que não propunham nada mais do que o empate, mas sobrou nos jogos onde o outro time supostamente se propôs a jogar para vencer. Foi assim com argentinos e foi assim hoje. O jogo croata encaixa nesses jogos. O desgaste físico, evidente. 

Mas, do outro lado, um time que teve que enfrentar argentinos e uruguaios, equipes que tem grau de dedicação ao jogo sanguínea, e os belgas, talvez os de melhor repertório técnico do mundial, não pode se considerar plenamente descansada. E há um certo elixir que sempre surge nesses momentos, que entorpece a razão e infla o salto.


11 de julho, 2018. Croácia e Inglaterra.



  

terça-feira, 10 de julho de 2018

Cruzamento na área


Talvez uma das grandes belezas da vida é rever situações, momentos, vivências e colocá-las em perspectiva, a partir dum ponto depois. Milton Nascimento e Beto Guedes diriam que "nada será como antes, amanhã". E, Cláudio Coutinho, treinador brasileiro em 1978 e muito responsável pelo trio Andrade, Adílio e Zico, no Flamengo dos anos oitenta - o único Flamengo que realmente existiu - criou num linguajar próprio a ideia de "ponto futuro", onde o jogador desenhava a jogada e o passe pensando na posição futura do companheiro de time, jogava a pelota para um lugar no espaço, mas num ponto mais adiantado da história, mudando as possibilidades do jogo e mudando o passado, porque o êxito desta jogada dependia essencialmente da leitura feita a posteriori. A vida, a vida tem o ponto futuro e, o mais bonito, é que este futuro reconstrói, "renarra" e, até, revida.

Olhando para a copa daqui deste fim de terça feira, primeiro jogo das semifinais encerrado, as partidas de Brasil, Bélgica, França, Uruguai, Argentina e México ganham outras cores, outras análises. A partida de hoje, que muitos vão dizer, escrever, beber, repetir, que se tratou de um jogão, uma batalha técnica e tática, foi, na verdade, um jogo infernalmente chato entre duas equipes que ficaram se estudando durante noventa anos, com obviedades de lado a lado, a estagnação das surpresas belgas e a confirmação do amadurecimento do time francês, quase o mesmo que perdeu da Alemanha aqui no Brasil em 2014 e conseguiu a proeza de perder em casa para Portugal, sem Cristiano, uma Eurocopa. Resta, portanto, um gosto amargo. Tivesse o Brasil tido um pouco mais de rebolado contra a Bélgica teríamos chances de bom jogo contra franceses.

Tite falhou no jogo com os belgas. Apesar das escolhas corretas do técnico espanhol do selecionado dos diabos vermelhos, das boas partidas de Kompany, Lukaku, Hazard e De Bruine, Tite errou na manutenção de um esquema de jogo excessivamente compartimentado. A insistência com Gabriel Jesus, como que para provar que era coerente, justo, monogâmico, levou o time a perder uma das três substituições no segundo tempo do jogo. Ao tirar Willian e botar Firmino, o treinador brasileiro teve que trocar Gabriel por Douglas Costa antes dos quinze minutos porque o time não reagia. A manutenção de Willian, a troca de Gabriel, seria a troca mais óbvia. Willian tinha sido peça chave na vitória contra o México, trocando de posições com Neymar, fazendo ações pendulares que tanto faltaram ao time em outros jogos. Gabriel destoava, porque não treinou para ser este jogador pelos lados. E, como centroavante, fez uma copa aquém de suas possibilidades. E, a partida de Neymar e de Coutinho contra os belgas era ruim. Douglas Costa poderia ter entrado no lugar de Neymar, por exemplo, para confundir o time adversário que certamente apostava na manutenção custe o que custar do astro brasileiro. Ou, tirando Coutinho e recuando Neymar para aquela função. Ou, num bumba meu boi final, colocar Douglas, Neymar, Firmino, Coutinho, Lula, Willian, todo mundo para tentar o empate.  Sem contar Paulinho e Fernandinho, que desde o primeiro tempo davam sinais de um desentrosamento perigoso e que o setor precisava de ajustes, ou de Renato Augusto ou de alguma outra opção ali pela volância, essa área nobre do campo que as vezes a gente esquece ou acha desimportante.

Olhando em perspectiva, também, a partida contra o México não foi a beldade que muitos, quase todos, eu incluso, vimos. O México tinha os méritos de ter ganho da Alemanha na estréia, mas tinha o colapso de ter tomado três gols dos suecos... Ou seja, em perspectiva nossos pontos futuros não deram certo.

Isso não quer dizer que foi tudo ruim. A Bélgica escolheu bons caminhos, mereceu a vitória. A partida brasileira poderia ter sido mais inspirada, mas foi uma partida disputada e sem dúvida muito melhor que outras eliminações mais recentes. Neymar fez uma boa copa, não excelente como prometia aquele jogo contra o México. Assim como Coutinho que se apagou na fase eliminatória. Já Miranda e Tiago, mais Tiago, fizeram um copa exemplar. E Casemiro, que tomou um amarelo bocó, é um jogador que se mostrou essencial. O trabalho de Tite foi ruim? Óbvio que não. Mas é evidente que equívocos na convocação, equívocos de leitura de jogo, erro no trato com suas "coerências" não podem ser colocados no escaninho do arquivo morto. Sem contar a chatice napoleônica.

A defesa que Lloris, o arqueiro francês, fez numa bola de um dos belgas no primeiro tempo da partida de hoje ganhou a vaga. Assim como a defesa no jogo do Uruguai. Pode parecer que o imenso goleiro belga contra o Brasil tenha sido decisivo para a eliminação. Talvez. Mas as duas defesas de Lloris, em momentos absolutamente chave dos jogos franceses, mantiveram a cidadela francesa em pé quando o gol definiria outra realidade menos morta para uruguaios e belgas...   

Sem contar que o mesmo Coutinho tinha a jogada imortalizada do "overlapping", quando lateral descia trocando de posição com o ponta, jogada que fez uma falta cascuda para os brasileiros e belgas nesta copa: Jorge Wagner, pela esquerda em profundidade, recebe o passe do Hernanes, vai no bico da grande área e cruza para o gol de Borges.

10 de julho, 2018. França e Bélgica.





  

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Maldito cartão que afastou o Casemiro...


Não adianta querer escapar. Quando se é eliminado de uma copa, o assunto, evidentemente, deve ser a eliminação. Vamos escolher nossos culpados, vamos descer a ripa aqui e ali. Uns serão racionais, extrairão do contexto as boas planilhas e levantarão os problemas, pontuais. Outros, descerão o porrete no treinador e no craque do time, que, a rigor, refugaram num jogo importante. Outros insistirão, ainda, na caça à bruxa, com Fernandinho e Gabriel Jesus com postos bem firmes na fogueira da inquisição. O melhor é, sem dúvida, tentar esfriar a cabeça, abrir uma gelada e fazer a mesa redonda futebol debate, necessária para espiar culpas, desopilar fígados e lembrar que só daqui a quatro anos teremos chance de ganhar de algum europeu em fase eliminatória.

A questão central, porém, será quase sempre deixada de lado. Temos um futebol local de lagarta e queremos uma seleção borboleta. É uma equação difícil de ter alguma boa resolução que não seja a desilusão. É preciso mexer no vespeiro. É absolutamente necessário intervir na organização, estrutura, comando da seleção e, sobretudo, do futebol brasileiro. Que se dane a fifa: Por decreto, por ato de governo, fusionar a CBF no ministério da Cultura e reinventar o barco. Notem, o futebol como elemento cultural, nada de ministério de esporte para fingirmos alguma lógica. Não há lógica, há Zizinho, Didi, Mané, Garrincha e Pelé. Há Canhoteiro e Dener. Há Leônidas da Silva.

Vamos insistir, porque temos a convicção histórica dos acordos de acomodação, em manter treinador, jogadores, planilhas, planos. Tenho certeza que o mote agora será um "projeto para 2022". Vão destilar um zilhão de planilhas, conceitos, teorias. Vão querer criar um padrão em todas as seleções, vão ter o discurso do planejamento. Tudo fundamental, é verdade, mas haja rococó. O problema é de estrutura. 

Não interessa, mesmo, mesmíssimo, que o treinador seja fulano, ciclano ou beltrano. Se não revirarmos de ponta cabeça a CBF, se não mandarmos ao ostracismo necessário todos - todos, repito - os atuais dirigentes, não temos como sair deste imbróglio. A seleção devia ser dirigida por um Joel Santana, por um Givanildo, ou por um desses meninos novos que ainda usam fraldas. E devia jogar todo mês numa cidade do Brasil. Sim, um time padrão podia ser trabalhado. Mas alternando nas convocações, sempre, este time padrão com jogadores locais, dos times daqui, que disputam o rame rame daqui. Devíamos tirar o monopólio de transmissões dos campeonatos de uma única emissora, permitindo uma saudável disputa de mercado contra a concentração, alternando emissoras, dando possibilidades para outras linguagens e abordagens. 

Jogadores que estão no exterior deveriam participar de aulas em escolas públicas. Deveriam ser instados a comentar os assuntos do dia, por mais alucinante que fosse a opinião. Este rebanho de ovelhas não nos serve. O proselitismo religioso deveria ser punido com cartão amarelo ou pontos negativos na caderneta, afinal se uma entidade divina é a que guia determinado jogador, time ou resultado esta entidade certamente fará a punição ser desimportante e irrelevante. Ou, melhor ainda, devia ser amplamente liberado sem que se enchesse o saco de quem prefere o curupira à virgem ou ao filho dela. 

Não preciso mencionar que tais medidas não impedirão novas derrotas da seleção em outras copas vindouras. O futebol pressupõe que só um time vença e avance para a fase seguinte. Tais medidas só nos darão é o resto que importa. E, inapelável, a propaganda do Itaú da seleção deve ser retirada do ar, para todo sempre, a não ser que nos transformemos todos em acionistas preferenciais do banco, com a distribuição dos lucros devida a todos e em partes iguais.

E Casemiro? Prometi aqui não falar das obviedades solares, mas tivessem levado o Araruna, tinham alguém para jogar de volante ou de lateral...


06 de junho, 2018. Brasil e Bélgica. Uruguai e França.





quinta-feira, 5 de julho de 2018

"Coluna do Meio"


Os especialistas estão todos absolutamente convencidos de que o campeão da copa da Rússia sairá do lado dos confrontos que tem França, Uruguai, Brasil e Bélgica. Os outros quatro, Suécia, Inglaterra, Rússia e Croácia são tratados como zebras, zebraças, zebrões. Há até algum desprezo, de canto de boca, quando falam de suecos e russos. Não deviam, acho eu, sonso que sou.

Há o imponderável no futebol e, só por esta frase quase lugar comum, devemos sempre e sempre amar e respeitar as zebras. Há poucas possibilidades em outros esportes, na vida, em tudo, de uma equipa mais fraca, menos cotada, ganhar uma peleja. A metáfora do Davi contra Golias funcionou bem mais no futebol do que em outras artes do inconsciente, incluindo as religiões. Todo mundo sabe, reconhece, recita ao menos uma zebraça. Incluindo canecos.

Mas se não fosse por admiração e carinho pelos resultados arruinadores de bolão, Suécia e Croácia deveriam ser tratadas com um pouquinho menos de desconfiança por razões históricas. Os suecos já foram vice campeões mundiais uma vez, em 1958, jogando em casa. Mas a primeira vez que os suecos disputaram uma copa, em 38, foram para as semifinais. E perderam para o Brasil de Leônidas da Silva a decisão do terceiro e quarto lugares. Em 50, no Brasil, ficaram na terceira colocação, atrás de Brasil e Uruguai. Em 70, foi desclassificada por ter pior saldo que o Uruguai, no grupo que ainda tinha a Itália. Itália que seria a vice campeã e Uruguai que disputaria a semifinal com o Brasil. E em 94, os suecos foram novamente para as semifinais, perderam outra vez para o Brasil, um gol de Romário quando todos já se preparavam para a prorrogação. Assim, os suecos não são novidade em fases final de copa. Há um filme maravilhoso, "Minha vida de cachorro", que, além de muitas cousas, retrata a paixão sueca pelo futebol. A Suécia tem um histórico em copas muito mais importante que a Inglaterra, que, sim, já foi uma vez campeã do mundo, ganha em casa e no apito, e só disputou mais uma semifinal. Duvido todos os meus botões que a Suécia perca da Inglaterra nestas quartas de final...

E a Croácia fez parte da Iugoslávia. Os iugoslavos estiveram duas vezes nas fases de semifinal nas copas, em 30 e 62, e a Croácia já chegou numa semifinal, em 98, sendo eliminada pela França que seria a campeã, de triste recordação para os brasileiros. E, não é insensato supor que as divisões que dilaceram a Iugoslávia, numa das guerras mais insensatas e violentas, eram fatores que desestabilizavam os iugoslavos, impedindo bons times de irem adiante em competições pelo mundo.

Gostamos de traçar medidas, índices, probabilidades e gastarmos nosso latim com observações sobre os mais fortes, os mais aptos, os mais preparados. Desconfio que esquecemos de fatores outros, destas pequenas esperanças que nascem de vidas imateriais pretéritas, de pequenas conquistas, de périplos anteriores. Muitos acreditam firmemente que um jogo de futebol se resolve naquele retângulo, com os vinte e dois em campo, mais os que entrarem substituindo titulares. Que uma partida de futebol começa e termina com o trinar de um apito... 


A ilusão da objetividade é uma bola quadrada. E caceta, a Colômbia tinha que ter matado o jogo no primeiro tempo da prorrogação contra os ingleses. James Rodrigues seria o melhor em campo no jogo contra os suecos, não tenho a menor sombra de dúvida. 


03 de julho, 2018. Inglaterra e Colômbia. Suécia e Suíça.



     


terça-feira, 3 de julho de 2018

Chatonildo da Silva Quadros


Já escrevi várias vezes, inúmeras, que a única copa do mundo que realmente existiu foi a de 82. Na copa da Espanha nossas sedes foram Sevilla e Barcelona, tínhamos material esportivo da Topper e um dístico de "Café do Brasil" na camisa. 

Os goleiros foram Waldir Peres, do São Paulo, Paulo Sérgio do Botafogo e Carlos, da Ponte Preta. Waldir ganhou a posição numa série de amistosos na Europa, onde o time de Telê assombrou a Europa numa excursão pelo continente ganhando de Inglaterra, França e da Alemanha, pegando dois penais contra o time germânico. Os laterais eram Leandro, do Flamengo, Edivaldo, do Fluminense, Júnior, do Flamengo, Pedrinho, do Palmeiras. Na zaga, Oscar do São Paulo, Luisinho do Galo, Edinho do Fluminense e Juninho da Ponte Preta. Os volantes eram Cerezzo, do Galo, Batista, do Internacional, Falcão, da Roma, Paulo Izidoro do Grêmio. Os meias, os geniais Sócrates do Corinthians e Zico, do Flamengo, mais Renato do São Paulo e Dirceuzinho da Udinese. No ataque, Serginho do São Paulo, Éder do Galo e Dinamite, do Vasco. Careca, do Guarani, foi cortado por contusão. Telê era o técnico e Gilberto Tim o preparador físico. As narrações de rádio eram de José Silvério na Pan, Osmar Santos na Globo, Fiori na Bandeirantes. E Silvio Luís narrou na rádio Record, porque a Globo teve exclusividade nas transmissões. 

Escrevi as linhas deste texto maltratando o teclado com rapidez, avidez, saudade, até curso de datilografia fiz naqueles tempos. Posso ter errado algum jogador, algum time, não "guglei" nada. Mas o fato é que este selecionado ocupou as minhas fantasias por muitos anos, era o meu time de botão do Brasil, um daqueles bonitos, redondões, azul. Além desses o time também tinha Andrade e Adílio do Flamengo, Mário Sérgio do Internacional - e depois do São Paulo, o Reinaldo do Galo, Paulo César Capeta do São Paulo e o Chicão, que acho que já estava no Galo ou no Santos, mas o Chicão que jogava no meu time era sempre o Chicão de 77, do São Paulo. E, evidentemente, tinha o Zé Sérgio do São Paulo, sempre e sempre, em qualquer jogo. 

Sofro de nostalgias. A defesa de Zoff, no ultimo minuto do Sarriá, defendendo a cabeçada de Oscar mudou o mundo. Tenho absoluta certeza que se aquela bola entra ganhávamos o caneco, a emenda Dante de Oliveira, a das Diretas Já, tinha passado e o Brizola não perdia a eleição de jeito nenhum, o São Paulo teria sido tricampeão paulista, teria filme do 007 com o Roger Moore pelo resto dos anos e, de quebra, Gorbatchov nunca teria ascendido carreira no PC soviético. 

Sou incapaz de dizer quem são os 23 do Tite. Aliás, confesso, seria incapaz de fazer uma convocação alternativa, chamando outros jogadores que não os do São Paulo. Para mim, a seleção era Sidão, Nenê, Liziero, Shaylon, Bruno Alves, Diego Souza e Jucilei. Não assisti a nenhum jogo da eliminatória, só vi os últimos minutos do jogo contra o Peru na Copa América, que perdemos e nos desclassificamos, acho que na primeira fase. Não vi as Olimpíadas, mas sei que Rodrigo Caio foi fundamental para o caneco. O fato, concreto e óbvio, pouco posso opinar sobre escalações, tática, música tema. Posso especular, apenas, e comentar um pouco dos jogos desta copa.

Tite é um excelente técnico. Irritante, até. Os times jogam com uma volúpia que se satisfaz com um gol. Pode parecer chato, quando o assunto é seleção e todo mundo acha que a seleção não é um time e sim uma constelação que tem obrigação de jogar um tal jogo "bonito". Mas é assim, pragmático assim, que Tite fez fama e deitou na cama. Mas isso não o impede de ser um chato imperial, com um papo de motivador pastor que enche os pacovás desde sempre. Mas, acho, pelo que via no Corinthians, que ele devia ser mesmo o treinador.

O time é bom. Fez jogos titênicos: a rigor, na primeira fase passou algum sufoco contra Suíça, depois do gol de empate, e contra a Sérvia, já ganhando de um a zero quando o empate favorecia o time brasileiro. Um time excessivamente compartimentado, entretanto, com jogadores excessivamente fixos exceto Coutinho, que gastou a bola. Com Casemiro, Miranda e Tiago jogando muito bem. 

Contra o México, fizemos, acho, a melhor partida de uma seleção brasileira desde a final de 2002. Ainda que o adversário não fosse um supertime e praticasse um jogo que favorecia o estilo de jogo titênico, o fato é que o time jogou serenamente, bem, firme. Tiago Silva, que eu nunca achei essa maravilha toda, fez uma partida de Scirea, de Canavaro, de Aldair e Márcio Santos. Casemiro é dono de uma faixa do campo e exerce o mandato com uma segurança invejável. Tomou um amarelo meio bocoió e fará falta na próxima fase. Willian foi o jogador que é importante no Chelsea, saindo da ponta direita onde estava sumindo. Trocando de posição com Neymar e Gabriel, Willian se soltou. Foi muito bem.

E Neymar. Minha antipatia por ele certamente afeta qualquer julgamento. Esta antipatia tem muito a ver com o fato dele ser excelente jogador, de fazer o São Paulo perder a hegemonia nos jogos com o Santos, a ponto de termos perdidos todos os jogos eliminatórios nesses anos de Neymar por lá. Uma antipatia que também é despeito. A gente é assim. Acho o Neymar um bolha, o bolha transcendental. E como não vi muitos jogos da seleção com ele, só os da copa passada, acho que ele fez a melhor partida dele na seleção. Jogou para o time, foi abusado onde devia ser. Talvez, individualmente, uma exibição pela seleção que permite colocá-lo no mesmo palco de Romário, Ronaldo e Rivaldo. Vou continuar torcendo contra ele nos confrontos do Paris St. German, no Real Madri, ou para onde ele for. Vou seguir achando que Cristiano e Messi, e Nenê, são melhores que ele. 

Mas que faça os meninos aqui de casa sorrirem e, quem sabe, escalarem ele nos times de botão. Mas, com sorte, Aguirre ponha o menino Toró no time titular que vai ganhar o sétimo caneco e pronto: a dez vai ser dele.


02 de junho, 2018. Brasil e México. Bélgica e Japão.







segunda-feira, 2 de julho de 2018

"Prá foooooora!!!!"


No fundo, no fundo, há nos vexames incomensuráveis uma poesia que nos humaniza, nos transforma e pode até nos reinventar. 

Teve um baile uma vez, não sei se festa de debutante ou alguma formatura. Adolescência, esta fase entre as primeiras rodadas e as quartas de final. Mas me lembro do vestido rosa da menina mais linda daquele momento histórico. Nós trocamos olhares, palavras, esperanças e era bem possível que rolasse algo depois da dança principal, um selinho ou um telefone no guardanapo. Ela topou ser meu par, de modo que poucas vezes uma chance absolutamente cristalina de gol tinha aparecido tão lindamente. Minutos antes da dança, fui ao banheiro dar um checada no espelho, namorar narciso, leonino de juba. Ouvi os primeiros acordes do que era uma valsa. "É a hora, pensei." E sai correndo do banheiro, ansioso. O fato é que instantes antes de nos darmos a mãos, eu e a menina de vestido rosa, eu estabaco no chão, desacostumado que estava a usar sapatos sociais, meia, calça. Estabaco tanto que dou uma semipirueta patética no ar, ridícula, batendo a cabeça do chão, não sei nem como explicar... O pior, podia ser muito pior penso eu agora se já existissem celulares e os "vocêtubos", é que tinha uma filmagem com aquelas câmeras de vhs, sendo reproduzidas num telão. Na imagem não se via meu rosto, ainda bem, mas, sim, meus sapatos e pernas voando. 

Evidentemente perdi o gol, não lembro sequer o nome da menina e até acho que o vestido podia ser azul, verde, ocre. A imagem que me vêm são os sapatos no telão. Só eles. Tomei outros tombos sensacionais na vida, mas aquele sempre me fez ter medo de correr de sapatos. Ao menos isso, enfim.

Em 2014, na copa no Brasil, na Arena Pantanal, em Cuiabá, provavelmente no maior calor do mundo, olhos suando, jogaram Rússia e Coréia do Sul. O jogo, pelo pouco que me lembro, foi terrível. Mas marcante. O arqueiro russo Akinfeev engoliu um dos maiores perus de todos os tempos. Um chute nem tão forte e nem tão colocado e o goleirão russo foi de mão mole: um frango cinematográfico. A imagem no telão, repetida milhares de vezes pelo planeta afora, era o goleiro dentro do gol, com as luvas cobrindo o rosto, numa cena de causar piedade até em eleitor republicano. Akinfeev era aclamado por muitos como o sucessor de Yachin, a aranha negra soviética e alguns heréticos já o achavam melhor que Dasaev, o espetacular goleiro soviético na década de oitenta.  

Na classificação russa nesta copa, em casa, contrariando prognósticos mas dando o merecido descanso para o tiquetaca espanhol, tão chato quanto infinito, teve em Akinfeev um de seus heróis. Defendeu penal e foi aclamado por todo o estádio. No telão, as luvas e o rosto feliz do guarda-metas.

Numa copa onde bailou contra os argentinos, os croatas quase foram embora. Modric, até então o craque da copa, bateu um penal durante a prorrogação e parecia que usava sapatos quando chutou a pelota nas mãos do arqueiro dinamarquês. 

Apesar do tombo, a menina de vestido rosa valsou comigo e o vexame rendeu uma ótima estória de adolescência para contar para os amigos. Modric foi lá bater o penâlti na decisão final. E fez, ajudando a Croácia a passar de fase e sorrir. 

01 de julho, 2018. Espanha e Rússia. Croácia e Dinamarca.