quinta-feira, 26 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XIII


A primeira vez, sempre existem estas labaredas, foi num desses restaurantes de deixar todo o ordenado do mês. Acompanhava os quitutes que acompanhavam o café. Exótica. Uma fruta amarela, envolta numa casca seca. Um gosto gostoso como deve ser, daqueles que lembram pecados, pequenos amores. Ácida. Sabor.

"O que é esta fruta?". O garçom, solícito, mandou: "É uchuva. E é da Colômbia." Uchuva. Um nome bem diferentão e da Colômbia. Meu paladar afeto a histórias, cantigas, poemas e estranhezas adorou.

Depois de um tempo a frutinha tornou-se figurinha carimbada nos sacolões de classe média - essas feiras em locais fechados, no meio do caminho entre o mercado e a feira de rua, pequenos paraísos que nos fazem sorrir a alma e chorar bolsos. Mas aqui nesta nossa luta de classes, a espremida classe média, sofrida, aperreada, não gosta de sacolões e nem de uchuvas, são nomes que não condizem com nossas aspirações primeiromundistas, nosso complexozão de vira-lata de "europeu" nascido nos trópicos -todos temos sangue colonizador, ora pá - então inventamos os sensacionais "hortifrutis" e "physalis" para denominar sacolão e a pequena fruta. Assim, com ipsilone mesmo, que nós gostamos da letrinha com som de "i". Tá bem certo que o tal sacolão é basicamente um vendedor de hortaliças e frutas e que o nomezinho científico da uchuva é "physalis" mesmo. Mas isso tudo misturado e junto confessa muito de nossa amada raíz, dos patrícios e patriarcas - e matriarcas também, que gênero aqui ainda é um problemão sério que ninguém quer discutir - que habitam e nasceram e nascem na terra piratininga.

São Paulo é o máximo. A cidade pulsa, tem vida, coração, alma, noite, calor, frio. Uma mistureba dantesca. Tudo tem aqui. E há sim uma classe média espraiada pelos cantos e pelo centro da cidade. Sou um desses, desde sempre. Mas acho inevitável olhar para meu umbigo e dar risada, tentar aprender um pouco e sair da caixinha cômoda que o berço me deu, feliz. Vou no hortifruti e a caipirinha de physalis do Veloso, boteco que fica ali nas divagações da entre a estação Ana Rosa e a da Vila Mariana do metrô, pertim da caixa dágua da Sabesp, é de tomar de joelhos, rezando. Mas gosto muito de tratar a uchuva por uchuva, o sacolão por sacolão. Sou assim.

E escrevo todo este tratado para dizer que a Colômbia de Valderrama está prestes a um feito muito mais histórico nesta copa. Com o futebol mais alegre dos sudamericanos até aqui na copa, jogando com a leveza de James Rodrigues, está a um passo de nos empurrar uchuvas, para que não neguemos nunca mais que nossa cor também é preta, que fomos explorados pelo café, pelo ouro, pelo sangue, que mataram e escravizaram nossos índios, que matam e escravizam, que mataram e escravizaram nossos negros, que matam e escravizam, que se alimentam como abutres de nossa fé e tudo mais. Que o que nos une é o lamento e o sofrimento, mas a esperança e o caldo saborosíssimo da mistura. Que nossos complexos de vira-latas são parecidos - só um complexo do tamanho dos Andes explica Uribe. 

A Colômbia seguir no mundial, firme assim, bela assim, cantando assim, é a vitória dos nossos avessos. É a curimba que falta.

"Uchuva, por favor."


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