quarta-feira, 25 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - "Onzimo"

Acordo. Peguei no sono e a rádio continuava a falar de futebol. Das hipóteses, das hipérboles, de hiatos. Não sei mais se sonhava e o som do radinho contaminava as ideias e varandas ou se era mesmo sonho dos bons. Por lá o Irã ganhava dos argentinos. Sim, vitória. Maiúscula, história, histórica, genial. E a festa em Teerã era daquelas cousas inenarráveis, esperança de um mundo melhor, tolerância.

Acordo assustado. Estava no meio do nada, um silêncio absurdo, a Renata desligara o rádio, provavelmente. Noite. Breu. Será? O jogo é daqui a pouco. Uma da tarde. E eu estarei no topo da Serra da Canastra, pensei. E se o rádio não pegar? E se o Irã ganhar, ave Maria e ave Maria Madalena, perderei este milagre? Sofro, antecipado. Durmo de novo. O gol de Messi equilibra as dúvidas. No fundo vai ser goleada e vamos ter que aguentar os argentinos dizendo loas e loas e loas. Eu adoro os argentinos, a Argentina, Diego é um santo e até concordo com as musiquinhas, porque se um foi muito melhor como jogador de futebol, incomparavelmente, Diego como personagem é "mas grande", sin duda alguna. Mas suportar aquele lererê todo dos hermanos é para testar qualquer amor, um saco estratosférico. Sai pra lá!

O fato é que no caminho do topo da serra o rádio pegava tudo. Fiquei tranquilo. Quem sabe a Argentina não ganhe de pouco? Mas se o Irã ganhar, eu não vou me perdoar... mesmo. Vai Irã!!!!!!!!!!!!!!

Acompanhar os jogos de uma copa pelo rádio é voltar no tempo. Mas é mais que isso. É acompanhar os sotaques todos do AM, perceber as variações sutis de narração e de percepção, perceber os nossos bairrismos, as nossas piadas caducas, o carioca, o mineiro e o paulista. Ouvir um jogo pela Rádio Nacional emociona qualquer um que conheça um cadinho do riscado, de Ari e Lamartine. E as vinhetas da Bandeirantes, da Globo e da Pan disparam emoções profundas. "Teeeeeempo e placar no Mineirão!".

Zero a zero. A bravura indômita desses iranianos é qualquer nota. De lá, um mundo tão distante e tão ofendido pela seletividade de indignações e pela exaustiva propaganda da metrópole e seu "way of life", conhecemos pouco mas reconhecemos sempre a bravura... desde a Pérsia! "O tempo passa!!!".

Pelo rádio, Messi jogava pedrinhas. E pedras colossais eu via pela paisagem da serra. Um curral feito com pedras, para passagens de gado. Pedras e pedras testemunhas de muitas coisas, entre elas uma das nascentes do Rio São Francisco, o mais brasuca dos rios, aquele que serpenteia nossa alma, vence o árido e se socorre nos mares de montanhas e oceano. E Messi? Cadê?

Quarenta e tralalá minutos. Ao caminho do fim. Últimas voltas nos ponteiros. Até que o arqueiro argentino teve que trabalhar, surpreendentemente. Era mais um zero a zero, definitivamente. Um eterno.

Lá na frente, uma "Garagem de Pedras". Um mirante absolutamente fabuloso da Serra da Canastra, da Babilônia, do Vão dos Cândidos. Um colosso. Deixei o carro com a porta aberta, rádio jogando, quebrando o silêncio. Faltava pouco.

"Bola com Messi.... atenção.... tocou.....". Ouvi os sussurros do silêncio e dos pássaros, ouvi todo o Mineirão gritando.... "E que golaaaaaaaaaaaaaço"!

Messi, senhoures e senhouras. Uma pedra, fundamental.


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