Acordo. Peguei no sono e a rádio continuava a
falar de futebol. Das hipóteses, das hipérboles, de hiatos. Não sei mais
se sonhava e o som do radinho contaminava as ideias e varandas ou se
era mesmo sonho dos bons. Por lá o Irã ganhava dos argentinos.
Sim, vitória. Maiúscula, história, histórica, genial. E a festa em
Teerã era daquelas cousas inenarráveis, esperança de um mundo melhor,
tolerância.
Acordo assustado. Estava no meio do nada, um silêncio absurdo, a Renata
desligara o rádio, provavelmente. Noite. Breu. Será? O jogo é daqui a
pouco. Uma da tarde. E eu estarei no topo da Serra da Canastra, pensei. E
se o rádio não pegar? E se o Irã ganhar, ave Maria e ave Maria
Madalena, perderei este milagre? Sofro, antecipado. Durmo de novo. O gol
de Messi equilibra as dúvidas. No fundo vai ser goleada e vamos ter que
aguentar os argentinos dizendo loas e loas e loas. Eu adoro os
argentinos, a Argentina, Diego é um santo e até concordo com as
musiquinhas, porque se um foi muito melhor como jogador de futebol,
incomparavelmente, Diego como personagem é "mas grande", sin duda
alguna. Mas suportar aquele lererê todo dos hermanos é para testar
qualquer amor, um saco estratosférico. Sai pra lá!
O fato é que
no caminho do topo da serra o rádio pegava tudo. Fiquei tranquilo. Quem
sabe a Argentina não ganhe de pouco? Mas se o Irã ganhar, eu não vou me
perdoar... mesmo. Vai Irã!!!!!!!!!!!!!!
Acompanhar os jogos
de uma copa pelo rádio é voltar no tempo. Mas é mais que isso. É
acompanhar os sotaques todos do AM, perceber as variações sutis de
narração e de percepção, perceber os nossos bairrismos, as nossas piadas
caducas, o carioca, o mineiro e o paulista. Ouvir um jogo pela Rádio
Nacional emociona qualquer um que conheça um cadinho do riscado, de Ari e
Lamartine. E as vinhetas da Bandeirantes, da Globo e da Pan disparam
emoções profundas. "Teeeeeempo e placar no Mineirão!".
Zero a
zero. A bravura indômita desses iranianos é qualquer nota. De lá, um
mundo tão distante e tão ofendido pela seletividade de indignações e
pela exaustiva propaganda da metrópole e seu "way of life", conhecemos
pouco mas reconhecemos sempre a bravura... desde a Pérsia! "O tempo
passa!!!".
Pelo rádio, Messi jogava pedrinhas. E pedras
colossais eu via pela paisagem da serra. Um curral feito com pedras,
para passagens de gado. Pedras e pedras testemunhas de muitas coisas,
entre elas uma das nascentes do Rio São Francisco, o mais brasuca dos
rios, aquele que serpenteia nossa alma, vence o árido e se socorre nos
mares de montanhas e oceano. E Messi? Cadê?
Quarenta e tralalá
minutos. Ao caminho do fim. Últimas voltas nos ponteiros. Até que o
arqueiro argentino teve que trabalhar, surpreendentemente. Era mais um
zero a zero, definitivamente. Um eterno.
Lá na frente, uma
"Garagem de Pedras". Um mirante absolutamente fabuloso da Serra da
Canastra, da Babilônia, do Vão dos Cândidos. Um colosso. Deixei o carro
com a porta aberta, rádio jogando, quebrando o silêncio. Faltava pouco.
"Bola com Messi.... atenção.... tocou.....". Ouvi os sussurros do
silêncio e dos pássaros, ouvi todo o Mineirão gritando.... "E que
golaaaaaaaaaaaaaço"!
Messi, senhoures e senhouras. Uma pedra, fundamental.
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