segunda-feira, 23 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - VIII


Era um boteco, de esquina. Calçadas na mesa. Já era noite, depois das dez. Uma gritaria dentro do bar dava a senha: era futebol. Não era... estranhamente era um jogo de basquetebol, final de turno do campeonato local, entre duas equipas da região metropolitana de Montevidéu, na República Oriental do Uruguay.


Evidentemente, paramos no boteco. E esperamos o final da partida. Os orientales estavam vidrados. Torciam. O que mais encantava era aquilo: uma partida renhida de basquetebol, num dia de semana a noite. A descoberta como de uma senha para entender um pouco a alma daqueles vizinhos: há emoção e dor, eles estão ali. Parecem gostar daquele sofrimento infindo, dos sentimentos impossíveis, das grandes vitórias. Por lá é comum contarem com grande admiração a história da independência, com poucos e bons "33 orientales" que foram decisivos para a luta da independência contra o império brasileiro. Trinta e três contra um império. Assim é o Uruguay, assim é a alma, uma partida renhida, difícil, improvável.



Por isso, imagino cá com meus botões, que a façanha uruguaia contra os ingleses na semana passada e a derrota na estreia para Costa Rica tem explicação muito mais espiritual, um estudo d´alma clássico, do que na fria lógica dos números e das condições objetivas. A derrota para Costa Rica era evidente, estava escrita há milhares de anos, desde que índios habitavam a região do Rio da Prata. Os índios morreram todos, todos, sem exceções, tragicamente, na única luta em que perderam para os colonizadores. Mas Costa Rica é uma igual, na fé, na história de exploração pelo colonialismo. Já os ingleses... favoritos, time que tinha feito até um bom jogo embora tivesse perdido dos italianos, são exatamente o que estimulam as contendas da Celeste Olímpica. A tradição, aqui, não é ganhar ou perder. É lutar. E por isso Luisito e Cavani estão lá na lista dos melhores do certame, finda a segunda rodada da fase de classificação.



Montevidéu é uma cidade diferente no tempo. Por lá, apesar das modernidades de algumas áreas da cidade, ainda há tempo para se andar na beira do mar - que é um rio. Para se tomar chimarrão contemplando o oceano, que é de água doce ou quase isso. Onde andam carros que datam do século passado em número muito mais expressivo do que carrões novos. Onde na hora do almoço operários jogam futebol. Em que ainda se pára para ver uma partida de basquetebol, pelo simples prazer da peleia.



Há uma feira na rua Tristan Navarra, em Montevidéu. Uma feira literalmente livre: livros, roupas, verduras, queijos, antiguidades, frutas, discos, quinquilharias, miudezas, gente cantando, panfletos políticos e literários, esquinas. Dos lugares mais encantadores da capital oriental. Nas várias banquinhas de roupa há quase sempre uma camisa do Nacional ou do Peñarol. Mas há sempre e sempre uma camisa azul, celeste, olímpica.




Pode ser que voltem para casa já na primeira fase. Mas a vitória contra o Inglaterra, a seleção do país que hospeda a tal premier league, e a derrota contra os costa-riquenhos, já contam muito sobre a alma desses nossos vizinhos. E o fato da tetra campeã Itália jogar pelo empate diz muito sobre o que será o próximo jogo...


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