sábado, 14 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Três


Tenho saudades, o tempo todo. Por isso, talvez, e sempre, seja um anacrônico daqueles. Gosto de café com bolacha de água e sal, porque me lembra minha mãe. Gosto de bolinho de chuva, porque me lembro da vó Teresa. Tenho saudades...

Gosto de copa do mundo. Muito. A imagem que surge, imediatamente, é a antiga sala da Herculano de Freitas, na Bela Vista, carpete marrom. TV ligada. União Soviética 1 x 0 Brasil, gol de Bal, num dos frangos mais frangos da história dos planetas. E o pior, o autor da ave era um herói de infância, o sobrenatural Valdir Peres, o arqueiro do onze dos sonhos. Estava triste, angustiado. A bola não entrava, não vinha o empate. No gol soviético, Dasaev.

E por aquelas mágicas, Sócrates, em um jogo que parecia destinado aos desatinos, empata. Um baita gol. Um gol miraculoso, saboroso, laço aço aço. No radinho, Silvério - outro herói da infância, o narrador da Pan, se esguelava. Eu saí do sofá correndo e pulei no meu pai, pernas na cintura dele, envolvendo, abraçado. Meu pai me deu um beijo. Eu não sabia se sorria, se chorava: "Goooooool". Disse um palavrão, acho.

Tenho saudades.

Outro dia me recordei que desde tempos imemoriais não vestia a camisa amarela da seleção do Brasil. Por alguma razão perdida em algum canto dos quintais da infância ou adolescência, perdi o encanto pelo amarelo. E tenho cá comigo certa náusea da "canarinho", da cor. Talvez, e aqui tento explicar sem muito saber científico, seja a excessiva patriotada simbolizada por Zagallo - e tudo o que o zagalismo significa, a pachecada, o pátria amada mãe gentil, o "eu sei que vou vou do jeito que eu sei" - que me fez ter estes sentimentos pouco nobres por uma cor de camisa... Sim, porque a azul não me incomoda tanto. Nem a branca, de 50. De fato esta relação de desamor tem pouca explicação objetiva, mas muito de perder ingenuidade, de saber que aquele tempo de antes, de criança, acabou há tempos.

Mas o fato concreto é que o Grande e o Pequeno resolveram tratar com meus fantasmas, minha ranhetice, meu mau humor com relação à seleção canário. Eles completaram o álbum e saíram para comprar uma camisa da seleção, amarela, de fato. Para eles não há muitas digressões: "Pai, queria muito que o Brasil ganhasse esta copa!".

Gosto de copa... gosto de lembrar de um dia que nem sei se foi verdade, em que levei meu radinho de pilha escondido na mochila e, sorrateiramente, liguei bem baixinho durante uma partida entre a Espanha, dona da casa e do Arconada e do Quini, e Honduras, do arqueiro Arzur, durante uma aula da Tia Meire. E ela gostava tanto de mim... que deve ter percebido a burlesca mas não reclamou, nem chamou atenção. Era 1982, tinha dez anos. Nas minhas pelejas imaginárias, a copa no Brasil teria URSS e Brasil na Rua Javari ou no Canindé, e Renato Pé Murcho faria o gol da vitória. "Goooooool". E meu pai vinha me abraçar durante a minha locução imaginária do tento impossível do camisa oito do SPFC e da minha esquadra de botão.

A copa, finalmente, é no Brasil. Com tudo o que ela foi. E não vou ficar a lamuriar, lamentar, fustigar e fígado, o que eu acho de equivocado, ruim e péssimo sobre o tema. A única cousa que anoto é que ela está distante demais daquele torneio no meu Estrelão e esta saudade, por vezes, me deixa triste. Mas vou contar que os meus dois meninos me levaram para passear na Paulista.E lá eu encontrei gente que não via desde 1982, inclusive uns belgas com os quais animadamente discutimos as chances dos diabos vermelhos no certame.

Um a zero. Um gol contra. E o Brasil estava perdendo. Certa tensão em casa. Sogro, sogra, meu afilhado, a Rerrê e os dois guris. Atentos. No radinho de pilha, José Silvério. O rádio estava um pouquinho adiantado, o lance da TV era passado. Mas só eu ouvia o rádio na sala. Soube antes que a bola de Neimar tinha o destino do gol. Estava em pé, gritei gol. E aí o Grande veio do sofá, correndo, pernas na minha cintura, me abraçando. Gritava gol. Eu lhe dei um beijo.

Tenho saudades.

Mas tenho um sorriso bobo também.
 
 
 
 

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