quarta-feira, 2 de julho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - XX
Quando as cartas diziam, fizemos de conta. Quando os búzios denunciaram, demos de ombros. Quando o mapa astral denunciou, simplesmente ignoramos. Mas o fato, mais óbvio que orégano na porção de queijo, e um cadinho de azeite, é que há muito tempo sabíamos que a realização de uma copa no Brasil teria um capítulo especial, uma página de esplendor, de vida e tragédia: Moacir Barbosa.
Barbosa era o nosso arqueiro na primeira copa realizada cá. E o destino do goleiro após o gol de Gigghia todos sabemos. O guarda metas foi responsabilizado pelo infortúnio, pelo colossal silêncio que incendiou nosso estado de espírito e carregou, anos a fio, nas costas, uma culpa infinda. Ainda que depois da copa tenha sido convocado e titular do time nacional por mais alguns anos, ainda que tenha sido titularíssimo do Vasco até bem depois do Maracanazzo. Moacir...
Todo ano tem uma matéria em algum periódico, alguma rede de tv ou rádio sobre o goleiro. Sobre a culpa. A culpa nossa, talvez uma das poucas que admitamos, do exagero em mil e novecentos e cinquenta. Já é fato que além de Barbosa, nós, os mortais, também carregamos a culpa de ter culpado. Talvez dos piores sentimentos que há. Moacir...
E nesta copa que segue seu curso, protegida por entidades que não tem relação com governos nem com autoridades, há uma revelação final. Barbosa virou um desses deuses que nos acalenta, quando desespero. Na redenção e na tragédia, na defesa impossível e na mão de alface, na segurança de uma reposição bem feita ao lamentável erro. Barbosa está nos campos. Porque mora em nossa alma.
Foram espetaculares os homens que defendem as balizas das cidadelas na copa. Eneyama, da Nigéria, das defesas impossíveis, improváveis, seguras, à saída ruim do gol, mão mole, gol e eliminação. Eliminação? No lance seguinte ao erro, o nigeriano vai buscar mais uma bola impossível, defende, faz um gol reverso - e se redime. Moacir...
Navas, da Costa Rica, quando eram dez contra onze, quando as pernas tinham acabado, o calor, a eliminação quase certa depois de um gol no último minuto. Se agiganta e pega uma penalidade de forma magistral, ímpar, divinal. Rais, da Argélia, talvez todo o Magreb, quase defendeu até os últimos pensamentos alemães, soberbo.
Neuer, o alemão que é beque. A muralha de Benaglio, o suíço que quase destroçou os nervos argentinos com seus milagres. Barbosa, lá. Em tudo, em todos, protegendo, acalmando, consertando a injustiça. Nenhum desses goleiros jamais serão os mesmos. Ninguém terá coragem de apupar, de apontar o dedo da culpa. Howard, o americano, foi mais um dos Vingadores na épica batalha da Fonte Nova, defendendo mais de quinze, repito, quinze chutes a gol numa única partida.
E Júlio César. As lágrimas e tudo aquilo. E Moacir cochichou, secretamente, segredos e sabemos o que aconteceu...
Nas próximas matérias sobre Barbosa poderíamos Moacir. E lembrar que que se a pior culpa é a de culpar, a melhor resposta é evocação de nossas histórias sagradas. Todas elas.
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