Gosto muito de copa. Já disse, repeti, firmei, assumi. Pero...
Penso que pouco, ou nada, posso opinar sobre o time brasileiro em si. Não vou reinventar a roda, seleção é algo distante para mim. Bastante. Minhas impressões são sempre as mesmas: Teria levado o Rodrigo Caio, que é um bom dublê de volante e zagueiro. Teria levado Paulo Henrique, nem que fosse para jogar só os quinze minutos efetivos da ave rara em campo. Teria levado Luís Fabiano, para garantir o sururu. E, obviedade solar, o goleiro seria ele - e também, capitão. Minhas leituras do time são sempre equivocadas, porque não gosto do técnico, tenho por Neimar um profundo desgosto - embora reconheça como craque, um grande craque, capaz de quebrar recordes e paradigmas dentro do campo, tenho por Oscar aquela mágoa misturada com ceticismo do "não vai vingar". Reconheço tudo isso.
Mas como é véspera de jogo decisivo, vamos lá. Aos pitacos, que sempre aparecem nesses tempos de mesas redondas diárias, uatizápis, feiçobucos e tuítos. O problema do selecionado é sua imensa solidão. Nesses tempos modernosos, repletos de engenhocas e coisas que se desgastam facilmente, se tornam obsoletas num piscar dolhos, o time nacional esqueceu de cuidar das noções de pertencimento, de enraizamento, de sustância. Das arquibancadas não há um grito coletivo, há apenas uma somatória de manifestações individuais, para consumo instantâneo. O treinador, com fama de salvador da nação em perigo, como em 2002, acabou por assumir a tarefa incrível de dar liga para um amontoado sem identificação com o povo.
Sim, ok, admito, o conceito de povo é cacete, sabemos. Não há como definir isso sem digressões maiores, mas simplifico, que sou bocó mesmo: povo como identidade, como cultura, como lágrima, choro, novela, especial de natal do Roberto Carlos e palavrão, muito palavrão. Excetuando-se Neimar, o único do selecionado a ter um vínculo com o povo é Felipão. E Neimar tem este vínculo porque até outro dia desfilava por aqui seu imenso talento, quebrando esquemas e defesas, rompendo áreas e fazendo goles em profusão. Mesmo Fred não tem esta identidade - tem com os do Flu, como tem Tiago e Marcelo, como Paulinho tem com o Timão, como Hernanes conosco, sãopaulinos. O vínculo que quero afirmar aqui é aquele outro troço, difícil de quantificar, explicar, desenhar, mas Sócrates, Zico, Romário.
Felipão acabou por ser este elo, esta ponte, este ser. E vestiu a carapuça, como poucos, com a coragem que parece ter quase sempre. Assumiu um protagonismo militante. Não é a toa que o treinador passou a ser figurinha carimbada em vários e vários comerciais, na busca desesperada por um ídolo que ajudasse na venda nossa de cada dia.
O time não construiu esta identidade e não é porque tem muitos jogadores que lá nas Zoropa trabalham. Não construiu porque houve um erro brutal em sua preparação, que preferiu amistosos em outras paragens, sempre e sempre, em detrimento dos jogos aqui, locais. O milagre da tal copa das confederações não foi capaz de trazer a equipa ao coração. Na verdade fez acentuar um "problema na relação". Mantivemos distância: eles ganharam e são o Brasil. Diferente do nós ganhamos e somos o Brasil. Porque os jogadores se portam como extraterrestres, não opinam sobre nada, não falam nada, resumem as suas participações naquelas insossas entrevistas pós jogo ou em comerciais ou naquelas malditas entrevistas arrumadas: ai que lindo, olha a minha casa depois que venci e eletrodoméstico, carro e tal, olhai as dificuldades da minha vida e alguma benemerência. Os argentinos, jogam fora também, mas opinam sobre as mães da Praça de Maio,sobre eleições, sobre a Monsanto e o escambau. Pode se opinar groselhas, mas mesmo as groselhas criam, humanizam, trazem para perto. Os uruguaios, sofrem, antecipadamente, mas estão ali voltando sempre para Montevidéu em suas declarações. Nossos jogadores ficam no esteriótipo do venci na vida e pronto.
Felipão exagerou na dose. Ao perceber que ele tinha todo este poder, esta força, este símbolo, vestiu um manto que não lhe cabia. E que não cabe a ninguém neste tipo de relação, que no fundo no fundo é de mero consumo. A torcida da esquadra e que vai ao estádio, a imprensona e a sua cobertura diária, são também "consumidores". Este tipo de relação não é boa para ninguém, só para quem lucra. Porque o erro passa a ser um vício redibitório - um termo juridiquês para se dizer defeito de fábrica. Porque eu pago para ser feliz ou para ter uma relação que me satisfaça, do contrário você é uma peça para ser reposta.
A chave para sexta feira é reconhecer a natureza cruel desta relação - que não é desamor, não tem suor, nem sangue. E se transformar. Não é o hino, somente. Não é o empenho, somente. Não é o medo de errar e que irá nos paralisar. É aquela centelha outra, aquele Jardim Irene, aquele sorriso no rosto, aquela firula que antecede o cafuné, é o Anhangabaú, a festa junina, o Olodum, o pagode, a mãe dágua, o Enen, o SUS, a fila no posto, a polícia descendo o arreio, e não só a Arena.
Há algo de errado quando nosso escrete não consegue cantar nada que não seja a musiquinha imposta pelo patrocinador ou pela emissora oficial da pataquada toda.
Mais Zeca Pagodinho, gurizada. E bola pro mato, que o jogo é de campeonato.
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