É... o fato é qualquer bobagem que escrevamos - e já dissemos, pensamos e brotamos porque o jogo findou desde muito - será exagerada. Agora, agorinha ainda, que nada esfriou, haverá muita mágoa e ressentimento. Muita. Nestas horas, sei lá, o silêncio nos faz cafunés e é possível apaziguar, acalmar, serenar. Refletir.
Muito se falará da trombada. Haverá um apocalipse e não há racionalidade possível nesta hora. Simplesmente, não há. Há fragmentos. Pequenas construções que podem virar algo mais bonito. Mas hoje, hoje são só pecinhas daqueles brinquedos de montar, que quando a gente pisa neles soltos dói até fio de cabelo mais remoto.
Há certas obviedades: da escalação, da falta de treino, da obtusidade do treinador, da preparação inadequada. Há os erros no campo. Há o fracasso. Sabemos. Provavelmente escolhemos já nossos culpados, o treinador, o centro avante, o beque. É provável. E este canto, infelizmente, já conhecemos. Não termina nunca. E não é bonito.
Quando o São Paulo tomou de sete da Portuguesa, numa partida memorável de Leandro Amaral, morri. Os sete goles, um a um, como adagas feriam. O fim do domingo, daqueles martírios agonizantes, ganhava proporções de histeria. Não durmi. Não comi. E se comi, passei mal. A segunda feira, cruz em credo e tudo, ao aguentar as gozações, as pilhérias, os infortúnios. Era como a pior das ressacas: nunca mais quero futebol. Nunca mais. Este drama. No domingo seguinte estava lá, como se nada tivesse acontecido, xingando de novo o maldito zagueiro. Perdemos depois para o Corínthians, anos depois, de cinco, num Pacaembú em festa. Perder para a Portuguesa é uma cousa, perder para o Timão é outra. Bem pior. Mais dor. Mais morte. Mais drama. E naquele dia, para piorar o impossível, teve falha do Rogério, nosso capitão. Para o sãopaulino uma falha do Rogério, ainda mais porque ele tem dificuldades como todos nós mortais em admitir cagadas, tem o mesmo efeito que uma dor de dente na alma, na raiz do dente. É tanto sofrimento, tanta humilhação, que sentimos inveja dos avestruzes. É assim.
Sim, usei "morte". Uma morte figurada evidentemente. Porque no domingo seguinte, estávamos lá, ou no estádio, ou no rádio, ou na tv. Seleção, felizmente, é diferente. Nossa ligação com o clube é mais ao fígado e quem acha o contrário, desculpe, não sabe a dimensão que tem uma derrota de cinco, de seis, de sete. Vai ficar no tanto faz.
O problema da seleção é que ela ataca ou age num sentimento coletivo, um ser anômalo, uma estima. Num país tão novinho como o nosso a seleção é a que fez glórias, conquistou mundos, nos deu voz, altivez, história. A derrota de ontem - e já é ontem, notem - é um golpe duríssimo nesta história. Perdemos um pedaço de nós que nos orgulhamos, que nos molda, nos define. Nos? Nós, brasileiros. É necessário entender um pouco estas dimensões do futebol e reconhecer como temos sido negligentes com isso. Como temos deixado, impunemente, que canalhas administrem a seleção. Como pudemos, em tão pouco tempo, desmontar elos, pontes, carinhos. E não falo desta seleção, por favor. Vamos olhar no tempo. Vamos reconhecer este distanciamento cada vez mais enorme - uma relação circunstancial que aparece de quatro em quatro anos. Circunstancial e perversa, porque a seleção não é clube. A seleção é história, com agá de povo, povo com pê de cultura. E não há, miseravelmente, gloriosamente, o próximo domingo, aquele que nos ensina que no jogo de futebol se perde e se ganha, se ganha lindamente algumas vezes, se ganha mais ou menos em muitas, se ganha por acaso e se perde, se perde até de forma vexatória, horrível, se morre.
Morremos um pouco, um muito hoje. Seria talvez um próximo domingo que, ao invés de cuspir marimbondos em nossos jogadores, nosso treinador - e não que alguns não os mereçam, por favor, de novo - escolhêssemos esta gente inútil que administra o nosso futebol para dar nossas catarradas.
Acabo de ler que Marin, o seboso, não deixou que Cafu ficasse no vestiário dos jogadores brasileiros depois da tunda. A alegação é a de que não queria estranhos no vestiário. Marin já elegeu seu sucessor na CBF, a dona desta seleção, e ele se chama Marco Polo Del Nero. O domingo está aí, senhoures e senhouras, bem ali...
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