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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

"Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo"

 

Quando a redonda girou no ar, saindo dos pés do Gérson, ela voou pelo céu até se aninhar no peito de Pelé. Talvez esta cena seja a descrição mais linda do que pode ser o futebol. Algo inexato, mas absolutamente matemático - parábola, equação, geometria euclidiana. Algo absolutamente complexo, mas simples, tão simples quanto um beijo, tão complexo quanto. Eu não me canso de ver este gol de Pelé contra a Tchecoslováquia, acho que é o gol de desempate. Porque Gérson estava ali e Gérson era o camisa dez do meu São Paulo. E porque o lançamento de Gérson é a prova mais translúcida de que há divindades no futebol, porque há algo místico, mistério, fantasia naquele passe que a ciência somente não conseguiria explicar. Ouça o tapa na bola e ouça o estufar da pelota branca no peito do Rei. E a bola na rede. O barulho da bola na rede, que som delicioso. Quase tudo nesta sinestesia e seria capaz de descrever tudo o que fiz naquele dia, como se fosse ontem - o que comi e bebi, o que vesti, o que conversei, o que amei. Memória. 


Acontece que nasci em 72, dois anos depois da parábola de Gérson. Gérson já tinha voltado para o Rio de Janeiro, depois dos campeonatos paulistas de 70 e 71. Pedro Rocha já era o meu Pelé particular. E na copa de 74 nem Pelé, nem Gérson e, lamentavelmente, nem Pedro Rocha, jogaram. Jogou Rivelino, outra divindade. E tinha a Holanda de Cruiyff. Sou capaz de narrar os jogos, de descrever o baile que tomamos da Laranja, de Luís Pereira tentando salvar a nossa honra, de dizer que tivéssemos sorte no primeiro tempo poderia a história ser outra. Descrevo com rituais a derrota do Zaire por nove gols contra a Iugoslávia. E que suamos sangue para fazer três contra o mesmo Zaire para poder se classificar no saldo de gols contra a Escócia! 


As memórias no futebol são assim. A gente descreve coisas que não viu, mas sente. Sempre. Porque é outro lugar que me aquece. As memórias são construções de sentimentos, sensações, experiências, saberes, dores, gostos, bebedeiras, loucuras, amargos, prazeres, amizades, saudades. O fato em si, aquele que para uns é tão tão importante, o factual, fica num outro lugar, talvez frio, talvez quente, mas outro. O exemplo mais exemplar do que quero tratar neste texto inaugural das memórias da copa de 22 é o último jogo do Brasil na única copa que realmente existiu, a de 1982: Quase nos acréscimos o genial Oscar, o melhor zagueiro de todos os tempos, subiu no último andar e testou firme... aquela bola entrou, ouço o gol na voz de José Silvério. Mas Zoff, o terrível goleiro italiano, fez a defesa, inacreditável, inapelável, transcendental. O fato é este, a defesa de Zoff. A memória... aquela bola tivesse entrado, a vaga era nossa e até as "Diretas Já" tinham passado em 1984, tamanha a força daquele testaço bestial.


São tempos estranhos. Eu, sinceramente, não consigo mais ter memórias sobre a seleção brasileira. Aliás, mesmo no futebol, as memórias vão se esvaindo. Pode ser a crise que o meu time se meteu por chafurdar na arrogância depois de ter sido o único tricampeão brasileiro com três triunfos consecutivos e insuperáveis de todos os tempos e se meter numa refrega as divindades do futebol por causa de uma infausta "taça das bolinhas" - ao reivindicar algo que não lhe pertencia, o tricolor da moeda em pé atraiu demônios que até hoje são sapos enterrados na relva - tenha a ver com isso. Mas não é só, sabemos. Escutando meu desejo, é menos recuperar a capacidade de devaneios com a seleção brasileira mas de revivenciar o chamego com a construção de memórias. Quem sabe os ares mais respiráveis que sopram em razão das eleições - com a derrota do sombrio e da infâmia - possam redesenhar possibilidades? Oxalá! E Richarlisson possa ser um novo Falcão!


Falcão, volante mais que estupendo, que deve fazer parte das memórias do meu querido amigo Guilherme Goulart, colorado e candango por adoção. Foi Goulart o muso deste texto: numa brincadeira num desses grupos de zap ele me questionou se este ano escreveria sobre a copa, como fiz nas últimas. Eu fiz muxoxo. Mas ele foi generoso nos adjetivos, me conquistou - leonino que sou. Mas o argumento definitivo foi outro: ele estava em dúvida entre Simone e Lula antes do primeiro turno das eleições e eu escrevi: "Vota no Lula desde já, que eu escrevo sobre a copa". Batata. Batata assada na churrasqueira, fica bom.


Vamos lá! A copa está chegando! Que venham boas memórias e encontros. 


2022. novembro, 03.


Gérson e Pelé:

https://www.youtube.com/watch?v=PdvvJVlpRfU





Ps: A frase do título do texto era um bordão do narrador Fiori Gigliotti. Fiori narrava na Bandeirantes e José Silvério na extinta Rádio Panamericana, que chamavam de Jovem Pan.


quarta-feira, 11 de julho de 2018

Yuri Gagarin


Acho que foi na TV Cultura de São Paulo - que saudades da TV Cultura... - que acompanhei aos jogos das copas de 70, 74 e 78. Sim, eu nasci em 72, mas o videoteipe é um pouco mais antigo. Eram os jogos transmitidos na íntegra, um pouco antes da hora do macarrão de domingo. Aquele time de 70 era fabuloso, mesmo. Não é lenda, história da carochinha. O homem pisou na lua e a terra, de fato, é redonda.

Clodoaldo, Gérson, Pelé, Tostão, Rivelino e Jairzinho formam uma espécie de absurdo. Os lançamentos, a precisão, a recomposição de jogo e os chutes de Gérson, e se tivesse um prêmio de bola de ouro ou qualquer coisa do gênero na época tenho convicção leonina de que Gérson seria o super trunfo daquela copa, são espécimes de elementais, para quem gosta de estudar o divino no futebol. E Pelé, bom, é Pelé. 

Mas mesmo este timaço, que ganhou todos os seus jogos, não pode ter uma narração absolutamente retilínea, do campo ao caneco. No jogo contra os ingleses, talvez contra o melhor time inglês de todos os tempos, suamos sangue, numa batalha feroz. Banks, o arqueiro inglês, defendeu um testaço de Pelé que faz parte da galeria de imagens para mostrar para extraterrestres para provar as capacidades do engenho humano. Tostão faz um balé na defesa dos saxões antes de achar Pelé no meio da área que merecia feriado, no lance do gol de Jairzinho. E tem a história, pouco contada por aqui, do intervalo, que entre um tempo e outro, num calor de rachar mamona, o time brasileiro esticou sua presença no vestiário até o limite antes de punições, deixando Bobby Moore e companhia debaixo dum sol de escalda pés. Os ingleses choram pelo fair play que não tivemos em todos os documentários até hoje.

Nas semifinais, viramos um jogo contra os uruguaios, o primeiro e último jogo em copa entre as duas seleções depois do Maracanazzo, com direito a uma cotovelada de Pelé, um revide, mas uma cotovelada, que fosse o mundo de hoje com VAR teríamos problemas. Ou não, porque se tivesse VAR não teria a cotovelada, num dilema tostines para discutir em boteco.


E, no jogo final, contra a Itália, pegamos um adversário totalmente destruído por uma semifinal de cinema, que italianos e alemães fizeram dias antes da finalíssima. Quem gosta de futebol tem que assistir aos jogos da copa de 70, mas se tiver que escolher algum jogo que não os do Brasil teria que ser aquela semifinal, num jogo que teve uma prorrogação absolutamente doida, magistral, colossal: jogo normal, 1x1. Prorrogação, Alemanha 2x1. Empate. Virada italiana. Empate. E quando caminhava-se para o fim do mundo, Itália 4x3. Com Beckenbauer jogando toda a prorrogação com uma tala no braço, depois de ter machucado a clavícula! A semifinal exauriu a Itália. Que, provavelmente, não ganharia o jogo final mesmo descansada. Mas não tomaria de quatro, desconfio.

Escrevo estas linhas para desenvolver a tese da semifinal renhida. O time que faz a partida mais dura nas semifinais acaba se desgastando fisicamente, embolando nervos, desgastando-se e, invariavelmente, perde a finalíssima. Lembremos de 82, do jogo entre alemães e franceses em Sevilla, na seminal. Um confronto épico, um 3x3, em partidas lendárias de Rumenigue, pelo lado alemão, e Tresor, pelo lado francês. A Alemanha ganhou nos penais e depois seria derrotada pelos italianos. Lembremos de 98, na semifinal entre Brasil e Holanda, uma partidaça que também foi aos penais fatais, com Taffarel sendo nome de santo. 98, Zidanaço. Na final, França 3x0.

As semifinais são espeto. Os jogos costumam ser feios, burocráticos, cheios de medo, como o Brasil e Suécia de 94 ou o Brasil e Turquia de 2002. Jogos estudados. Quando se tem grandes jogos, não necessariamente pela técnica, a semifinal costuma machucar o vencedor além da conta, tirando o enganche para a partida final...

Nesta copa, ao que tudo indica, é melhor a França colocar as barbas e os moustaches de molho.... Apesar da prorrogação, a Croácia fez a partida onde a diferença técnica entre um time e o outro foi mais evidente desta fase final. Sobrou, num jogo de semifinal. Sim, enfrentou prorrogações, contra dinamarqueses e russos, times que não propunham nada mais do que o empate, mas sobrou nos jogos onde o outro time supostamente se propôs a jogar para vencer. Foi assim com argentinos e foi assim hoje. O jogo croata encaixa nesses jogos. O desgaste físico, evidente. 

Mas, do outro lado, um time que teve que enfrentar argentinos e uruguaios, equipes que tem grau de dedicação ao jogo sanguínea, e os belgas, talvez os de melhor repertório técnico do mundial, não pode se considerar plenamente descansada. E há um certo elixir que sempre surge nesses momentos, que entorpece a razão e infla o salto.


11 de julho, 2018. Croácia e Inglaterra.



  

quinta-feira, 5 de julho de 2018

"Coluna do Meio"


Os especialistas estão todos absolutamente convencidos de que o campeão da copa da Rússia sairá do lado dos confrontos que tem França, Uruguai, Brasil e Bélgica. Os outros quatro, Suécia, Inglaterra, Rússia e Croácia são tratados como zebras, zebraças, zebrões. Há até algum desprezo, de canto de boca, quando falam de suecos e russos. Não deviam, acho eu, sonso que sou.

Há o imponderável no futebol e, só por esta frase quase lugar comum, devemos sempre e sempre amar e respeitar as zebras. Há poucas possibilidades em outros esportes, na vida, em tudo, de uma equipa mais fraca, menos cotada, ganhar uma peleja. A metáfora do Davi contra Golias funcionou bem mais no futebol do que em outras artes do inconsciente, incluindo as religiões. Todo mundo sabe, reconhece, recita ao menos uma zebraça. Incluindo canecos.

Mas se não fosse por admiração e carinho pelos resultados arruinadores de bolão, Suécia e Croácia deveriam ser tratadas com um pouquinho menos de desconfiança por razões históricas. Os suecos já foram vice campeões mundiais uma vez, em 1958, jogando em casa. Mas a primeira vez que os suecos disputaram uma copa, em 38, foram para as semifinais. E perderam para o Brasil de Leônidas da Silva a decisão do terceiro e quarto lugares. Em 50, no Brasil, ficaram na terceira colocação, atrás de Brasil e Uruguai. Em 70, foi desclassificada por ter pior saldo que o Uruguai, no grupo que ainda tinha a Itália. Itália que seria a vice campeã e Uruguai que disputaria a semifinal com o Brasil. E em 94, os suecos foram novamente para as semifinais, perderam outra vez para o Brasil, um gol de Romário quando todos já se preparavam para a prorrogação. Assim, os suecos não são novidade em fases final de copa. Há um filme maravilhoso, "Minha vida de cachorro", que, além de muitas cousas, retrata a paixão sueca pelo futebol. A Suécia tem um histórico em copas muito mais importante que a Inglaterra, que, sim, já foi uma vez campeã do mundo, ganha em casa e no apito, e só disputou mais uma semifinal. Duvido todos os meus botões que a Suécia perca da Inglaterra nestas quartas de final...

E a Croácia fez parte da Iugoslávia. Os iugoslavos estiveram duas vezes nas fases de semifinal nas copas, em 30 e 62, e a Croácia já chegou numa semifinal, em 98, sendo eliminada pela França que seria a campeã, de triste recordação para os brasileiros. E, não é insensato supor que as divisões que dilaceram a Iugoslávia, numa das guerras mais insensatas e violentas, eram fatores que desestabilizavam os iugoslavos, impedindo bons times de irem adiante em competições pelo mundo.

Gostamos de traçar medidas, índices, probabilidades e gastarmos nosso latim com observações sobre os mais fortes, os mais aptos, os mais preparados. Desconfio que esquecemos de fatores outros, destas pequenas esperanças que nascem de vidas imateriais pretéritas, de pequenas conquistas, de périplos anteriores. Muitos acreditam firmemente que um jogo de futebol se resolve naquele retângulo, com os vinte e dois em campo, mais os que entrarem substituindo titulares. Que uma partida de futebol começa e termina com o trinar de um apito... 


A ilusão da objetividade é uma bola quadrada. E caceta, a Colômbia tinha que ter matado o jogo no primeiro tempo da prorrogação contra os ingleses. James Rodrigues seria o melhor em campo no jogo contra os suecos, não tenho a menor sombra de dúvida. 


03 de julho, 2018. Inglaterra e Colômbia. Suécia e Suíça.



     


terça-feira, 3 de julho de 2018

Chatonildo da Silva Quadros


Já escrevi várias vezes, inúmeras, que a única copa do mundo que realmente existiu foi a de 82. Na copa da Espanha nossas sedes foram Sevilla e Barcelona, tínhamos material esportivo da Topper e um dístico de "Café do Brasil" na camisa. 

Os goleiros foram Waldir Peres, do São Paulo, Paulo Sérgio do Botafogo e Carlos, da Ponte Preta. Waldir ganhou a posição numa série de amistosos na Europa, onde o time de Telê assombrou a Europa numa excursão pelo continente ganhando de Inglaterra, França e da Alemanha, pegando dois penais contra o time germânico. Os laterais eram Leandro, do Flamengo, Edivaldo, do Fluminense, Júnior, do Flamengo, Pedrinho, do Palmeiras. Na zaga, Oscar do São Paulo, Luisinho do Galo, Edinho do Fluminense e Juninho da Ponte Preta. Os volantes eram Cerezzo, do Galo, Batista, do Internacional, Falcão, da Roma, Paulo Izidoro do Grêmio. Os meias, os geniais Sócrates do Corinthians e Zico, do Flamengo, mais Renato do São Paulo e Dirceuzinho da Udinese. No ataque, Serginho do São Paulo, Éder do Galo e Dinamite, do Vasco. Careca, do Guarani, foi cortado por contusão. Telê era o técnico e Gilberto Tim o preparador físico. As narrações de rádio eram de José Silvério na Pan, Osmar Santos na Globo, Fiori na Bandeirantes. E Silvio Luís narrou na rádio Record, porque a Globo teve exclusividade nas transmissões. 

Escrevi as linhas deste texto maltratando o teclado com rapidez, avidez, saudade, até curso de datilografia fiz naqueles tempos. Posso ter errado algum jogador, algum time, não "guglei" nada. Mas o fato é que este selecionado ocupou as minhas fantasias por muitos anos, era o meu time de botão do Brasil, um daqueles bonitos, redondões, azul. Além desses o time também tinha Andrade e Adílio do Flamengo, Mário Sérgio do Internacional - e depois do São Paulo, o Reinaldo do Galo, Paulo César Capeta do São Paulo e o Chicão, que acho que já estava no Galo ou no Santos, mas o Chicão que jogava no meu time era sempre o Chicão de 77, do São Paulo. E, evidentemente, tinha o Zé Sérgio do São Paulo, sempre e sempre, em qualquer jogo. 

Sofro de nostalgias. A defesa de Zoff, no ultimo minuto do Sarriá, defendendo a cabeçada de Oscar mudou o mundo. Tenho absoluta certeza que se aquela bola entra ganhávamos o caneco, a emenda Dante de Oliveira, a das Diretas Já, tinha passado e o Brizola não perdia a eleição de jeito nenhum, o São Paulo teria sido tricampeão paulista, teria filme do 007 com o Roger Moore pelo resto dos anos e, de quebra, Gorbatchov nunca teria ascendido carreira no PC soviético. 

Sou incapaz de dizer quem são os 23 do Tite. Aliás, confesso, seria incapaz de fazer uma convocação alternativa, chamando outros jogadores que não os do São Paulo. Para mim, a seleção era Sidão, Nenê, Liziero, Shaylon, Bruno Alves, Diego Souza e Jucilei. Não assisti a nenhum jogo da eliminatória, só vi os últimos minutos do jogo contra o Peru na Copa América, que perdemos e nos desclassificamos, acho que na primeira fase. Não vi as Olimpíadas, mas sei que Rodrigo Caio foi fundamental para o caneco. O fato, concreto e óbvio, pouco posso opinar sobre escalações, tática, música tema. Posso especular, apenas, e comentar um pouco dos jogos desta copa.

Tite é um excelente técnico. Irritante, até. Os times jogam com uma volúpia que se satisfaz com um gol. Pode parecer chato, quando o assunto é seleção e todo mundo acha que a seleção não é um time e sim uma constelação que tem obrigação de jogar um tal jogo "bonito". Mas é assim, pragmático assim, que Tite fez fama e deitou na cama. Mas isso não o impede de ser um chato imperial, com um papo de motivador pastor que enche os pacovás desde sempre. Mas, acho, pelo que via no Corinthians, que ele devia ser mesmo o treinador.

O time é bom. Fez jogos titênicos: a rigor, na primeira fase passou algum sufoco contra Suíça, depois do gol de empate, e contra a Sérvia, já ganhando de um a zero quando o empate favorecia o time brasileiro. Um time excessivamente compartimentado, entretanto, com jogadores excessivamente fixos exceto Coutinho, que gastou a bola. Com Casemiro, Miranda e Tiago jogando muito bem. 

Contra o México, fizemos, acho, a melhor partida de uma seleção brasileira desde a final de 2002. Ainda que o adversário não fosse um supertime e praticasse um jogo que favorecia o estilo de jogo titênico, o fato é que o time jogou serenamente, bem, firme. Tiago Silva, que eu nunca achei essa maravilha toda, fez uma partida de Scirea, de Canavaro, de Aldair e Márcio Santos. Casemiro é dono de uma faixa do campo e exerce o mandato com uma segurança invejável. Tomou um amarelo meio bocoió e fará falta na próxima fase. Willian foi o jogador que é importante no Chelsea, saindo da ponta direita onde estava sumindo. Trocando de posição com Neymar e Gabriel, Willian se soltou. Foi muito bem.

E Neymar. Minha antipatia por ele certamente afeta qualquer julgamento. Esta antipatia tem muito a ver com o fato dele ser excelente jogador, de fazer o São Paulo perder a hegemonia nos jogos com o Santos, a ponto de termos perdidos todos os jogos eliminatórios nesses anos de Neymar por lá. Uma antipatia que também é despeito. A gente é assim. Acho o Neymar um bolha, o bolha transcendental. E como não vi muitos jogos da seleção com ele, só os da copa passada, acho que ele fez a melhor partida dele na seleção. Jogou para o time, foi abusado onde devia ser. Talvez, individualmente, uma exibição pela seleção que permite colocá-lo no mesmo palco de Romário, Ronaldo e Rivaldo. Vou continuar torcendo contra ele nos confrontos do Paris St. German, no Real Madri, ou para onde ele for. Vou seguir achando que Cristiano e Messi, e Nenê, são melhores que ele. 

Mas que faça os meninos aqui de casa sorrirem e, quem sabe, escalarem ele nos times de botão. Mas, com sorte, Aguirre ponha o menino Toró no time titular que vai ganhar o sétimo caneco e pronto: a dez vai ser dele.


02 de junho, 2018. Brasil e México. Bélgica e Japão.







domingo, 24 de junho de 2018

Amarrações para o amor


Muito e muito se fala do drama argentino nesta copa. Do drama brasileiro, menos dramático, mais novela das oito, mas drama. O drama alemão, atenuado no milésimo final de uma partida em que a toalha já teria sido jogada fossem outros dramas. O drama italiano, que nem para copa veio. E todo jogo da Celeste é um drama. Queria falar de outro drama, porém, que parece não existir nos cérebros mais retilíneos. Mas existe, com a força repleta de ancestralidades...

No fim do jogo entre alemães e suecos, o juizão dando cinco minutos de acréscimos, pensei duas cousas: a primeira, era muito tempo para a Suécia se segurar. A segunda, caçarola, o México, vai sobrar para o México. Osório é nesta copa o São Paulo Futebol Clube de "sombrero", sabemos.

O gol alemão no fim, do cara que nunca erra passe e quando erra passe faz gol no último milésimo e se redime zerando a estatística, colocou água na tequila do grupo. O México fez uma partida muito linda contra a Alemanha e ganhou dos coreanos do sul numa partida relativamente tranquila. Mas tomou um gol no fim, diminuindo saldo. Vai para a rodada final com saldo de dois gols, seis pontos. E pega a Suécia, um time burocrático, mas saidinho - foram os suecos que eliminaram os italianos da copa e quem elimina a Itália merece o benefício da dúvida, sempre. A Suécia tem saldo zero, três pontos. Na outra ponta, Alemanha, três pontos e zero de saldo, contra a Coréia do Sul, zero ponto e dois negativos de saldo. Em tese, todos com chances. Mas com um olhar otimista para os mexicanos. E aí reside o drama, no otimismo. O otimismo é para os latino americanos o equivalente ao "só que não" das redes sociais.

Dos povos que tem o futebol como segunda pele, é o México que carrega o fardo mais pesado de falhar em momentos agudos. Os de memória mais pródiga vão lembrar de eliminações impossíveis, como a da copa passada, quando o México perdeu o jogo das oitavas para a Holanda numa reviravolta inacreditável, num jogo onde parecia impossível que perdessem. E notem, passando pelos holandeses, enfrentariam pelas quartas a Costa Rica, um adversário que o México enfrenta todo ano, conhece esquema, capital, aeroporto, pina colada. Era caixa a vaga na semifinal. 

O fato é que México e Suécia tem tudo para ser o jogo mais dramático de todos os tempos. A Alemanha ganhando da Coréia e fazendo saldo, e no jogo de cá aquele empate com bola na trave, juiz errando penalti, o VAR mais complicando que ajudando, torcida gritando. E Osório lá, pensando no que fazer. Osório, o profe, é o único capaz de levar o México ao delírio supremo: não descarto sequer o caneco. Mas, sei lá, num rompante tira o lateral mete um centro avante, recua o ponta para marcar e transforma em autopista libre de percalços uma das alas do campo...

Osório, um empatezinho e estamos lá. Só um empate. De qualquer forma já vou amarrar umas revistas suecas antigas e fechar as amarras num cadeado velho.


23 de junho, 2018. Alemanha e Suécia. México e Coréia. Bélgica e Tunísia.





sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XXIII


Há um problema em exorcizar fantasmas de forma transversa. Porque fica pairando no ar, como espírito sem cabeça, o malogro da sorte.

Desclassificamos a Itália de Paolo Rossi logo na primeira fase. Tá certo que fizemos um descarrego na copa de noventa e quatro. Mas foi nos penais. Sem querer ser chato,sendo, sempre, precisamos despachar a azzura num desses jogos de mata-mata, para poder colocar toda a nossa frustração num grito só, com xingo e tudo.

O Uruguay deixamos chegar nas oitavas, para colocarmos no avião de volta depois de uma tunda, na exibição mais plástica de uma seleção até aqui. A Celeste lembrará de James por anos. Sim, nós ganhamos do Uruguay em setenta, viramos o jogo, Clodoaldo bailou. Mas sempre e sempre tem aquele engasgo tamanho Maracanã na jaca. Podíamos ter ganho deles aqui, faria bem. 

Agora a França está em campo. Joga com a Alemanha e perde, findo o primeiro tempo: um a zero. O trasgo francês é mais recente e o fígado ainda se ressente daquela piaba de noventa e oito. E oitenta e seis. E dois mil e seis. Enfrentá-los seria divã puro e colocá-los num saguão de aeroporto com uma derrota traria paz, muita paz, nesses nossos corações em transe.

E a final contra a Argentina seria a coroação da despossessão. Não que os hermanos sejam alguma espécime de fantasma. Somos almas gêmeas. Mas seria lindo, naqueles exageros típicos da alma portenha, ganhar aqui, em casa, seis vezes e várias e várias canções de maldizer. Cantaríamos até o juízo final.

O problema do exorcismo transverso, me parece evidente, é que não tratamos os ectoplasmas - apud "Ghostbusters" - com esmero, deixando os vasilhames um tanto abertos. Qualquer falha, qualquer faísca e BUM!!!! Temos um país inteiro invadido por almas penadas de todos os tipos. 

Oxalá que não. 

De qualquer forma, já escrevi uns bilhetes para São Mané. Nenhum "joão" voltou do além até hoje, o que comprova a milagresa toda e toda desse santo protetor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XXII


Calma com o andor que o santo é de barro. E, para variar, vamos aos fatos. A crônica de amanhã está pronta. Dupla face. Ganhando o Brasil, foi a vitória da superação, os meninos que se agigantaram, o choro maestro dos sentimentos, galhardia e opulência. Perdendo, bom, não valhem nada, time de frouxos e um rosário de infortúnios, evocando cinquenta, a tragédia, o complexo.

Mas haverá alguém a lembrar e escrever que o time "cafetero" é bom, muito bom. Joga sem muito compromisso com os fatos, só com a bola. Cuadrado é uma espécime de leveza, bailarino, ofegante inspiração. O toque de cabeça que ele deu para James Rodrigues no segundo gol contra os uruguaios foi de uma beleza monalisa, singular, mas de areia da praia, da sujeira da quadra da escola, com o gosto seco do asfalto da rua, com a imensidão dos treinos e treinos e treinos desde do infantil pé de moleque fraldinha e que tais. Notem, repetequem e considerem aquele toque sutil de cabeça como a prova definitiva da inteligência humana, da racionalidade, daquilo que nos distingue dos demais viventes: a possibilidade da poesia. A rima.

Haverá quem lembre de Yepes, com a idade dos anciões neste mundo que os homens ficam velhos antes dos quarenta, segurança, brigando, lutando, acompanhando atacantes que nasceram depois que ele já sabia ler, escrever, rimar e treinava em alguma rua de Cali. Haverá quem se recorde da simplicidade, da calma, da elegância de José Pekerman, o argentino treinador colombiano, duas nações que também amam esse trenzinho brincado com os pés.

Se a Colômbia perder amanhã - e acho provável, porque camisas jogam sozinhas, porque temos Paulinhos da VIola e alguma fonte de água pura que nos tira amarguras, bem nessas horas de exaspero - haverá um Amaral nascido em Bogotá que chorará, que lembrará de Paolo Rossi, de Zoff, de Scirea e do puto do Gentile que fez aquele penal no Zico que o maldito do juiz não marcou e da cabeçada de Oscar, no último minuto, o gigante Oscar, o melhor zagueiro da copa, para todo sempre. E escreverá nostalgias, sem saber que a poesia daquilo tudo é o que realmente importa quando vestir terno e conta pra pagar.

Espero que a crônica de amanhã não seja tão óbvia quanto às descritas no primeiro parágrafo. Ganhando, que busquemos algo além das obviedades da superação e reconheçamos que minimamente aqueles ali merecem estar ali, jogam por nós e por eles, com nossos erros monumentais mas não só. Mas, perdendo, que reconheçamos, de uma vez por todas, que há Cuadrados em outros lugares, mágicos como nosotros. Nada é mais parecido com o Brasil do que a Colômbia, nada.

Dá uma olhada no espelho e confere. Um café, por favor.



segunda-feira, 30 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Dez Mais Oito


"Tia....". Tia, não. Professora.

Nessas minhas manias de reduzir as cousas numa linguagem que eu possa entender, gosto de imaginar as Copas como um imenso interclasses, aqueles nossos campeonatos da escola, na época do ginásio.

Quem nunca entrou numa quadra, porque os campeonatos interclasses costumam ser de salão, num torneio que reunia da quinta à oitava, quando os pequeninos, recém saídos do primário, nem beijo selinho ainda, eram obrigados a enfrentar por essas tabelas desalmadas, aquele time da oitava séria, todo mundo no fatorial, barba, gazeta, fura olho?

O time da quinta era até muito bom. Pelota de pé em pé, saída de bola bem feita, cada um marca um, pivô e eteceteras e tals. Goleava impiedosamente naqueles recreios com futebol qualquer time e até faziam chacotas quando colocavam na roda os demais. Era impossível não pensar que seria sempre assim e ter esperanças. O time é bom.

Aí chega o campeonato. O interclasses. Onde moram perigos. Onde há torcida. Há beijos de recompensa. Há craques, prêmios, olhares de inveja e cobiça. Bola rolando e...

O fato é que o timaço da quinta série ganha uma, dá show e todos comentam que os meninos são colossais. Vão vencer qualquer obstáculo. Até que naquela partida decisiva, intervalo entre aulas, todo o colégio assistindo a peleja, um a zero, o time da oitava empata. No finzinho. Depois do grandalhão ter dado uma cusparada feia no chão, depois de uma dividida mais ranheta, depois de uma discussãozinha com o professor que é o juiz, porque não marcou falta naquela jogada ali. E antes do sineta, óbvio, o gol evidente do time mais experiente. Feito com calma, quando tudo já era coração. E foi daquele menino lá, justo aquele que eu queria ser, justo aquele lá que já ia receber o melhor dos beijos...

México, Chile e Colômbia devem saber na alma o que é este sentimento. Brasil, Alemanha, Argentina, Itália também sabem que podem resolver situações improváveis antes da sineta. As vezes não funciona, é verdade, mas é muito raro não funcionar para todos os times da oitava série concomitantemente. Eles parecem, inclusive, combinar entre eles quem vai ser o responsável por extirpar o coração do romântico do momento, furará os olhos como já furaram uma Dinamarca, uma Hungria, uma Suécia, um Chile, um México... uma Colômbia. 

Mas e a Espanha? Bom, a Espanha é aquele time de sexta ou sétima série, que vez por outra belisca o caneco porque os times da oitava se mataram entre si. Mas depois, no outro campeonato, ficam lá na ansiedade entre o pega-pega, esconde-esconde e o gato mia...

E... acabou de sair um gol da França. Numa pipocada do goleirão.
"Tia........".


Nota do Feiceditor: Sabemos que por força da LDB o ensino fundamental vai hoje até o nono ano. Que antiga quinta é sexta, a antiga oitava é nona. Mas a memória é minha então mantenho no ferro velho.



sexta-feira, 27 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Quatorze


Eu sou advogado. Escolhi ser. Não gosto mais, é verdade. Mas me encanta a defesa do impossível, a boa tese, a justificativa plausível, o tentar explicar. Talvez seja um desvio de caráter: não sei punir.

Todo esse trololó acerca da punicção de Luisito me deixa acabrunhado e mais uma vez mergulho fundo nas minhas contradições, cada vez mais infinitas e "irresolvíveis".Por um lado a imagem está lá, para a via láctea toda acompanhar: Suarez desfere uma mordida no defensor italiano, daquelas fundas. A imagem fria e repetida, zilhares de vezes, espalha o pânico de todo pai e mãe com criança no jardim da infância - o pesadelo das mordidas. Fase oral, definitivamente.

Luisito é reincidente. Parece que pratica a mordida como se praticam as cusparadas na zona do agrião, os dedões nos fundilhos, as patoladas no saco alheio nas disputas dentro e fora da pequena área. A sujeira é imensa nessas horas de desespero. Um convento ficaria todo em claustro e penitência soubessem do que se faz ali no campo de jogo em nome do gol. O problema é que a mordida sempre será percebida. Não se escondem os dentes. E as marcas. De fato, a imagem fria estabelece a imposição da sanção. Não se pode fingir que aquilo ali não aconteceu, muito embora o juizão na hora do agá não tivesse visto nada ou reclamado de nada. Mas a imagem fria é fria, calculada e calculista. Qual palavrão saiu da boca do zagueiro, minutos antes? O que o cotovelo, esse ser de vontade própria, disse ao atacante naqueles átimos todos?

A utilização da imagem fria, depois do jogo, só para punir jogadores me parece um cadinho ofensiva no balacobaco todo. Porque se escolhem quais agressões merecem punições depois do jogo. Porque os escandalosos erros de arbitragem que resultam em gols ou em não-gols são coisas do jogo e não podem ser revistas. Porque o videoteipe é um remédio maravilhoso mas usado em demasia é cobardia inigualável. Um juiz mequetrefe que vê o lance oito vezes no teipe, com a ajuda do computador, do congela imagem, do recurso infinito fica a cagar regrinhas sobre o que está certo ou errado.... Ora, se vale para punir me parece que deveria valer, também, para reconstruir equívocos monumentais como aquele impedimentozinho maroto, aquele penalzinho cavado, aquela laranja toda limão cravo e tangerina. 

Sabemos que reconstruir lances seria matar o futebol. Porque essas pinimbas fazem parte do carnaval. Seria de bom alvitre estudarmos formas de correções destes eventos durante a partida. Mas, depois, finda a jornada, esfera inerte: acabou. 

Por outro lado, a mordida está lá. Fingir que ela não ocorreu e, no caso, que não é um caso de consultório, pois repetida, é passar a mão nas madeixas do craque e deixar pra lá, pobrecito ele não sabe o que faz. Sabe. E merece algum tipo de punição. Talvez devesse ser obrigado a se consultar, a ir a um terapeuta, uma mesa branca ou uma missa. Talvez um gancho de alguns jogos para se tratar. Mas, definitivamente, somente para punir é que vamos usar videoteipe é algo que não me desce. Nem com gelo e vermute. O exagero dos nove jogos, o banimento da copa e dos estádios, a retirada de credencial, tudo isso, de tão nojento, me abstenho de comentar. A FIFA é aquele figura ausente, que aparece para dar pito para justificar alguma síndrome de autoridade.

Agora.... atiçaram a onça. O Uruguay, na bola, no campo, no onze a onze, no banco - apesar do charme incomparável de Tabares, não assustaria muito, porque limitado. Godin e Cavani são pérolas, raras, mas talvez não fizessem verão. Mas atiçados, acuados, injustiçados - ok, ok, ok, sabemos que alguma punição viria, mas o excesso mata bem mais a planta - dão aquela adrenalina, aquele dopping psicológico, aquela serotonina mágica que faz o mortal sair pulando de viaduto, bancando o Buzz Lightyear...



segunda-feira, 23 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Nove, uai


Quando pensamos a viagem, confesso: estava enxabido com copa. Não com o trem da bola, rede, jogador correndo, gol, frango e aquela samambaia toda. O que me entristece e continua incomodando, como aquele gosto de cabo de guarda-chuva é o que deixamos pra lá, em nome de uns milhõezinhos para uma campanha eleitoral aqui e acolá, em nome de sei lá qual santo mercado rede globo fifa rabo empreiteira. Porque perdemos, e creio indesculpável, a grande oportunidade de fazer Brasil. Um Brasil que se define, e muito, como povo, em razão do futebol.

 

Das mazelas deste sacrilégio, o que me dói é que podíamos ter feito brasis em razão dos preparos, dos festejos, dos folguedos todos. A missa toda era simples: seleção jogando aqui, sendo nossa, nos quatro anos todos. Com Neimares, Gansos, Magnos Alves, Alexs, Daniels Alves, Júlios Césares, Jeférsons, Léos Mouras. Com a construção de pontes entre o time nacional e o país, com David Luís sendo a cabeleira cósmica que fazia do moleque e da moleca de uma dessas pracinhas espalhadas por aí um pouco mais brasileiro. Não quero aqui dizer patriotadas, essa coisa imbecil e imberbe, do torcer pela pátria mãe gentil, cantarolares de muito orgulho e amor, pose para fotos, ame ou deixe, chuteiras coloridas e vender celular, banco, petróleo. Digo outra cousa: Daquilo que nos define. Uma arrancada de Neimar varando defesas, atônitos, diz muito mais sobre nós do que as novelas do Manoel Carlos. 

Mas o fato é que planejamos a viagem bem na segunda rodada da Copa, uma viagem para a Serra da Canastra, em Minas Gerais, comer queijo e ver montanha. Muito queijo e muita montanha, um mar das Geraes. No começo todo, pouco pensei se o local de estada ia ter televisão para acompanhar os jogos ou internete via três ou quatro gês ou o escambau. Afinal, isso tudo é tão moderno que a gente nem pensa mais quando não tinha isso ou aquilo. Mas o fato é que na véspera da viagem, coração já tomado pelos jogos - e pela qualidade plástica das partidas, uma surpresa doce e farta - vi no saite da pousada: "sem tv e sem internete". Outra confissão: pensei em desistir de tudo, marcar outra data, chacoalhar o esqueleto e arrumar briga conjugal por um bom motivo, o único possível. Mas, depois, pensei e pensei: pode ter radinho de pilha, posso voltar no tempo, posso. Vesti minha bermuda mais surrada e fui andar por aí.



Costa Rica e Itália se enfrentavam nalgum canto do país. E, de fato, estava sem televisão nem rede de computador. Mas tinha um bom radinho AM portátil e um surpreendente AM no carro, que pela primeira vez no mundo resolveu pegar estações com nitidez. Montanhas e montanhas, numa paisagem de deixar boca aberta o tempo todo. A nascente do Rio São Francisco, o mais brasileiro dos rios, o mais santo dos fluídos d´água. Queijo canastra. E torresmo. E Costa Rica, jogando bem. Cachoeira. Cachoeiras. E tudo isso. É verdade, sem aquele clima de copa que a cidadona grande lá embaixo vivenciava....



Pausa. Parada. Torresmo e cerveja. "Olha, seu Edimar, a Dona Lúcia lá da pousada recomendou o torresmo, disse que era imperdível." O cabra abriu um sorrisão e mandou fazer o trem. Ofereceu um queijim enquanto esperava. Perguntei se podia levar o prato e a cerveja lá para fora, para ver o mar - das montanhas todas do mundo. "Claro que sim, qual o seu nome?". "Amaral."



Lá pelas tantas, vendo tanta beleza, ouço um gol. "Gooooooooool", gritava o rádio. Tentei ouvir melhor, era um desejo imenso de mandar o bolão as favas, com gol da Centro América. E era. Sorri, matreiro.



Seu Edimar, ao abrir a segunda cerveja, também revelou que ouvia o jogo: "Valente, este time da Costa Rica. Muito Valente.".



Lá no alto, também, tinha uma capelinha simples, quadrinhos da via sacra, uns santos, São Francisco. Bem em frente aos santos, um campinho de futebol.



Amaraladas na Copa 14 - VIII


Era um boteco, de esquina. Calçadas na mesa. Já era noite, depois das dez. Uma gritaria dentro do bar dava a senha: era futebol. Não era... estranhamente era um jogo de basquetebol, final de turno do campeonato local, entre duas equipas da região metropolitana de Montevidéu, na República Oriental do Uruguay.


Evidentemente, paramos no boteco. E esperamos o final da partida. Os orientales estavam vidrados. Torciam. O que mais encantava era aquilo: uma partida renhida de basquetebol, num dia de semana a noite. A descoberta como de uma senha para entender um pouco a alma daqueles vizinhos: há emoção e dor, eles estão ali. Parecem gostar daquele sofrimento infindo, dos sentimentos impossíveis, das grandes vitórias. Por lá é comum contarem com grande admiração a história da independência, com poucos e bons "33 orientales" que foram decisivos para a luta da independência contra o império brasileiro. Trinta e três contra um império. Assim é o Uruguay, assim é a alma, uma partida renhida, difícil, improvável.



Por isso, imagino cá com meus botões, que a façanha uruguaia contra os ingleses na semana passada e a derrota na estreia para Costa Rica tem explicação muito mais espiritual, um estudo d´alma clássico, do que na fria lógica dos números e das condições objetivas. A derrota para Costa Rica era evidente, estava escrita há milhares de anos, desde que índios habitavam a região do Rio da Prata. Os índios morreram todos, todos, sem exceções, tragicamente, na única luta em que perderam para os colonizadores. Mas Costa Rica é uma igual, na fé, na história de exploração pelo colonialismo. Já os ingleses... favoritos, time que tinha feito até um bom jogo embora tivesse perdido dos italianos, são exatamente o que estimulam as contendas da Celeste Olímpica. A tradição, aqui, não é ganhar ou perder. É lutar. E por isso Luisito e Cavani estão lá na lista dos melhores do certame, finda a segunda rodada da fase de classificação.



Montevidéu é uma cidade diferente no tempo. Por lá, apesar das modernidades de algumas áreas da cidade, ainda há tempo para se andar na beira do mar - que é um rio. Para se tomar chimarrão contemplando o oceano, que é de água doce ou quase isso. Onde andam carros que datam do século passado em número muito mais expressivo do que carrões novos. Onde na hora do almoço operários jogam futebol. Em que ainda se pára para ver uma partida de basquetebol, pelo simples prazer da peleia.



Há uma feira na rua Tristan Navarra, em Montevidéu. Uma feira literalmente livre: livros, roupas, verduras, queijos, antiguidades, frutas, discos, quinquilharias, miudezas, gente cantando, panfletos políticos e literários, esquinas. Dos lugares mais encantadores da capital oriental. Nas várias banquinhas de roupa há quase sempre uma camisa do Nacional ou do Peñarol. Mas há sempre e sempre uma camisa azul, celeste, olímpica.




Pode ser que voltem para casa já na primeira fase. Mas a vitória contra o Inglaterra, a seleção do país que hospeda a tal premier league, e a derrota contra os costa-riquenhos, já contam muito sobre a alma desses nossos vizinhos. E o fato da tetra campeã Itália jogar pelo empate diz muito sobre o que será o próximo jogo...


domingo, 15 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - IV


Há sempre um cagaço monstruoso acerca dos primeiros jogos de uma copa do mundo. Porque o calendário maluco do futebol mundial coloca a copa no final dos campeonatos de quase todo o planeta. Jogadores baleados, contusões a granel, tornozelos no gelo, joelhos na cristaleira. A ausência de jogadores importantes, de raros talentos, ofuscam a competição e tornam alguns jogos verdadeiros festivais de pedrinhas, de muxoxos e de retrancas federais, com o medo do medo: da derrota e do gol.

Os ternos da federação internacional conseguem ver cifras, contas bancárias, sigilos fiscais, mas não conseguem enxergar o óbvio dos óbvios: a copa deveria ser mágica, sempre. Deveriam imaginar que se um extraterrestre escolhesse algum festival, alguma festa, que definisse um povoado como a Terra escolheria a copa, o futebol, a bola na rede, esta febre infantil que faz meninos. E meninas, sim.

Mas não. Esses ternos, do alto de sua capacidade empreendedora, de sua visão privilegiada do mundo dos negócios, com sua altivez de comerciantes modernos, conseguem destruir essas pinturas como rasgando almas, matando índios. E a copa, ora a copa, é só mais um negócio.

A sorte do mundo - e da galáxia - é que a bola é um universo diferente de tudo. Ela tem um próprio, uma vontade alheia ao resto, uma certeza de deusa que cria, gesta, ama, sorri. E é ela que escolhe heróis, histórias, amores, vexames. A bola, por uma dessas estranhezas que só as maravilhas podem explicar, tem com os brasileiros uma relação especial, especialíssima, duradoura. Escolheu uma nação assim, de índios e negros explorados, espoliados, mas que tem quizumbas, quilombos, festa de São João, carnaval, terço, orixás, cristos, sexo e cauim, para amar febrilmente - e, as vezes, sem ter a reciprocidade dos amantes. Uma paixão lasciva como um lançamento de Gérson. Escale a seleção de 38 e note: há ali Leônidas. E há um gol descalço. Um gol descalço, senhoures e senhouras!

Por isso, neste quarto dia de copa, noto uma centelha de esperança. Porque se fizeram o que fizeram e fazem por aí, a dinamitar o Tejo de cada um de nós, a bola vai lá e cochicha ao boleiro: "Camarada, meu caro, a copa é lá na terra de Didi e de Garrincha. Não façam galhofa e tratem a pinimba com esmero.". E Robben, que deve falar a língua da bola, que deve dormir com a menina embaixo do travesseiro, resolve mostrar ao mundo que a retranca, na copa no Brasil, não tem muito sentido, não tem razão alguma. E o medo de perder - notem a grandiosidade desta conclusão absoluta - dá espaço para o prazer do gol. E estamos na melhor média de goles desde a copa de 54, quando os esquemas táticos tinham um monte de numerozinhos, mas cinco atacantes. 

A partidaça de Campbell, da Costa Rica, no jogo de ontem, a beleza de Pirlo, a graciosidade de Giovani dos Santos, a virada comandada por Drogba, só porque ele estava em campo, sem quase tocar na pelota. A copa está na parábola que acabará na cabeça de Van Persie e dará uma cambota nos ares antes de ultrapassar Cassilas. "Goooooool".

E há um sorriso redondo numa moça redonda num mundo redondo.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Os contrarrevolucionários


Quem ama futebol assiste a centenas de jogos por ano procurando um chapéu no zagueiro, seguido de um chute certeiro no meio do gol, como aquele na final da Copa de 58. Ou uma corrida desenfreada rumo à área adversária em que volantes, beques e laterais vão sucumbindo, um a um até o próprio goleiro cair no chão e ver a bola entrar, como aconteceu na Copa de 86. Ou tentam encontrar o time do século em meio a camisas laranjas na década de 70 e amarelas em 82. Alemães e italianos podem ir para tantas finais e ficar com quantos títulos conseguirem, mas os protagonistas daquela Copa das Copas foram o meio-campo de Cerezzo, Falcão, Zico e Sócrates. Afinal, foram eles que mostraram uma nova visão de mundo a partir do futebol. Um mundo em que a criatividade é a regra e cada jogador é um universo de infinitas possibilidades. Laterais podem ser atacantes e também zagueiros. Zagueiros podem ser pontas e armadores. Armadores também podem ser volantes e centro-avantes. E atacantes podem ser meias e laterais. O meio-campo se dissipa, adquire várias formas. Ora, é quadrado; ora, é triângulo ao lado de uma reta. Pentágono assimétrico. Losango reto. Trapézio isósceles. Um time assim é imprevisível. Tanto que pode até perder.
 
Vim até Manaus para um imprevisível jogo de coadjuvantes. Vão me repreender e dizer que Itália e Inglaterra sempre chegam com alguma pinta de favoritos, de medalhões, de times de ponta. Mas, para mim, são coadjuvantes, pois não revolucionam o futebol, a não ser naquelas ocasiões em que eliminam justamente os que tendem a revolucioná-lo. São times do grupo da contra-reforma. Ao lado do Uruguai, outro pródigo nesse quesito.

Nessa Copa, ambos foram escanteados até Manaus, longe dos grandes centros urbanos. Enquanto os italianos estão hospedados num barco no meio do Rio Negro, os ingleses contam com Mick Jagger, o maior pé frio do último Mundial.

Quando o jogo começa, ambas as equipes tentam trair as minhas ideias. Os italianos abandonaram o catenaccio – aquela irritante formação defensiva feita especialmente para travar os adversários e, em consequência, o próprio jogo. Os ingleses deixaram de lado o tradicional chuveirinho na área. Agora, as jogadas britânicas são minuciosamente trabalhadas pelos meias Gerrard e Lampard em passes rasteiros para Rooney e Walcott. Logo no primeiro lançamento rasteiro de 20 metros, Walcott corre atrás do zagueiro de azul e desvia a bola do goleiro Buffon. Ela bate na trave e toca na rede do outro lado, o que tiraria o primeiro zero do placar se o bandeirinha tunisiano não marcasse impedimento.

Os ingleses reclamam, assim como um insatisfeito Mick Jagger. Você não pode ter sempre aquilo que você quer.

Os italianos respondem com pragmatismo. O zagueiro Chielini dá um chutão da defesa. A bola bate uma vez no chão e outra nos pés de Montolivo que manda um “chapéu” para Balotelli. Sozinho, na pequena área, ele testa de ombro. Bola na trave.

O “Ohhh” no estádio só vira gol aos 42 minutos do 1o tempo. Até lá, o que se vê é um jogo pegado em que as duas potências da bola querem a glória a qualquer custo.  Dois cartões amarelos para cada lado e pedidos de disciplina do árbitro tailandês, após uma sequência de carrinhos no círculo central.

Jogo truncado, alguém tem a luminosa ideia de arriscar de fora da área. Lampard manda um balaço rasteiro, Buffon se estica e defende. A bola fica solta, quicando na perpendicular da pequena área. Rooney se antecipa ao zagueiro Barzagli  para tocá-la de joelho rumo ao fundo do gol. 1 a 0.

Foi preciso o segundo tempo para os coadjuvantes de 82 alcançarem alguma condição de protagonistas.  E o fizeram através de Pirlo, o único jogador sem posição em campo. A ordem de Pirlo é ir onde a bola está, pedí-la aos companheiros e distribuir passes certeiros, armando jogadas para a Azzurra.

Pirlo serviu Giacherinni e ele bateu por cima do gol. Depois, lançou para El Shaarawi e ele mandou no ângulo da ambulância da Samu que fica atrás da meta inglesa.

Então, Pirlo desistiu de passar. Pegou a bola no meio-campo e partiu em diagonal rumo à área adversária. Driblou Milner com certa facilidade, pois esse não resistiu ao Xis-Tucumã que serviram na visita ao Rio Negro. Já Carrick foi humilhado e ficou de bunda no chão, quando Pirlo fingiu que lhe daria a bola para, em seguida, recolhê-la aos seus pés. Na sequência, um desesperado Gerrard se esticou todo no momento em que Pirlo ia chutar. O italiano recolheu a bola novamente, fazendo o adversário deslizar até a linha de fundo. E quando todos pensavam que Pirlo ia mesmo dar um chutão para o gol, ele mandou uma cavadinha. A bola foi alta, fazendo o goleiro inglês Joe Hart se esticar todo. Os dedos rentes ao travessão onde ela quica caprichosamente. O goleiro vai ao chão e vê, desesperado: Balotelli pronto para pegar o rebote. Novamente, Balotelli poderia testar a bola para o gol, mas não o faz. Poderia mandar de ombro, mas deixa essa ideia para lá. Poderia dar um chutão furando a rede, no entanto, evita. Mario estica o umbigo e leva o estádio ao delírio.  Mick rasga o seu ingresso e o jogo termina 1 a 1.
 

Manaus, 14 de junho de 2014.
Inglaterra 1x1 Itália
(Rooney de joelho aos 42 minutos do 1o tempo e Balotelli de umbigo aos 42 minutos do 2o tempo)

Texto do jornalista Juliano Basile. Jogador de botão.