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domingo, 6 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Vinte Mais Cinco



Talvez a grande função mítica do domingo seja a de discutir o futebol. Uma imensa mesa redonda. Sim, é verdade que escolhem os domingos para festas pagãs, como dia disso, dia daquilo, dia daquilo outro. Também é verdade que as forças do atraso escolhem o domingo para infestarem aparelhos de televisão com aleivosias, bundas, peitos, machismos todos. E tem a visita aos parentes, no domingo. E tem também o jogo das quatro da tarde – menos na Copa que esse negócio de fazer tabela e olhar para as escrituras não combina com "fifa standards". Mas, deitado no jardim, olhando as belezuras todas, aposto e guardo: O homem estava pensando se vale a pena jogar com ou sem pontas de ofício.

Dito isso, mais uma verdade máxima, queria fazer pequenas digressões sobre o time nacional. Gosto dos poemas, das histórias outras que envolvem o jogo e tenho cá com meus botões que o jogo no campo, lá embaixo, é só uma grande desculpa para o resto. E por isso costumo ser péssimo em avaliações táticas, em quatro quatro três, quatro três dois um zero. Erro a conta, sempre. Mas gosto de bancar algum entendimento, como todos, aliás. Para mim o futebol mais simples do mundo – e eficiente – é aquele que tem gente certa no lugar certo. Tipo Valdir, Getúlio, Oscar, Dario e Marinho, Almir, Renato e Everton ou Heriberto ou Assis, Paulo César, Serginho e Zé Sérgio. Com o Zé ganhando o motorádio. Simples, bonito e batata.

Mas vamos ao esférico. No campo fizemos jogos regulares, e só. A primeira partida foi bem razoável se pensarmos que era estreia e teve Oscar fazendo uma boa exibição. Pela ponta, no ataque. E no meio, compondo, marcando, sendo. Foi naquele jogo a diferença e o parceiro para Neimar, que fez uma partida tranquila, mas chamando a responsabilidade. Se Paulinho não foi bem e Daniel, idem, se a impressão deixada é a de poderíamos melhorar, o fato é que contra os croatas mostramos credenciais: sorte, talento e alguma esperança. A nota fatídica, e se mostraria fatal durante o torneio, foi a apitada amiga do juizão na penalidade de Fred, cônico no mais. Depois daquele trinar as arbitragens foram nossas piores inimigas, para o bem e para o mal.

Contra o México tivemos uma exibição pífia e medrosa. Mas Neimar destilou aquele veneno da confiança e seu talento ficou ali nuzinho da silva como o acalanto: uma hora ele decide. Contra os Camarões tivemos uma exibição... fugaz. O time camaronês era de uma ruindade cósmica e qualquer resultado que não fosse uma boa vitória seria frouxidão. Passamos por cima, com sustos – porque o empate africano ainda teve bola na trava na sequencia. Mas com Neimar fazendo dois goles e assumindo o tal protagonismo. Mas a verdade é que Paulinho, Daniel e Oscar desapareceram. E Fred, que fez gol inclusive, passou mais uma vez a impressão de espectador.

A partida contra o Chile foi nossa pior surpresa. Um time perdidinho e um treinador completamente atônito. Não foram os choros, não, senhoures e senhouras, o fato denunciador de nossas dificuldades. Foi o restante todo, principalmente depois do primeiro tempo, principalmente depois do gol. Neimar tomou uma entrada dura e manquitolou. Com dores, não foi o mesmo. E aí apareceu a dificuldade atroz do time: a bola não dialogava mais na meia cancha. E o desaparecimento de Oscar foi definitivo. Mas a camisa este lá e Júlio César resolveu. Adiantou-se como Rogério, mas como é copa, amigos, tudo vale... Júlio foi bem e pronto.

Já a Colômbia nos divide. Alguns consideram grande a exibição. Entre eles um estranho PVC na ESPN Brasil (de longe a cobertura mais correta, interessante e bonita da copa), que resolveu ser escudeiro do treinador qualquer que fosse a dança. Outros destacam as dificuldades do fim do jogo. E Neimar, fora. O time fez um bom primeiro tempo. A Colômbia medrou, respeitou a camisa do outro lado e na sombra não foi capaz de reeditar outros feitos na copa. O time brasileiro, então, se firmou. A bola voltou a dialogar no meio. Oscar, sim, Oscar, voltou para a copa. Fernandinho e Paulinho, sim, Paulinho, trocaram passes, tempo e cadência. E Maicon no lugar de Daniel Alves foi a chave para dar segurança para a defesa e ajudar na composição rítmica do time. A exceção, Neimar. A partida do nosso dez era ruim, fraca. Sim, se apresentou, chamou o jogo, não se omitia. Mas não jogava. Algum desconforto. A pancada no jogo anterior talvez tivesse lá, doendo. Mas o time abusou da violência, um fato típico dos times de Felipão, com a complacência do árbitro. Faltinhas aqui, ali, acolá, daquelas que irritam. O juiz, nada, não amarelou ninguém. Os colombianos também subiram o tom e mesmo medrados batiam também. É verdade que nenhuma falta grosseira, mas o fato é que os marmanjos se estranhavam. Não ia acabar bem aquilo...

No segundo tempo, o pavor colombiano arrefeceu. Mas não oferecia perigos. Aí, saiu um gol que seria o de empate. A coisa desandou. Houve um impedimento, desses que só o vetê do vetê pode atestar, marcado pelo bandeirinha. Alívio. E logo depois, David Luís mandou um balaço, numa falta batida com esmero improvável, e caixa. Dois a zero. A vaga, o caneco.
Mas aí Felipão mostrou todas as suas limitações, evidentes. Poderia ter tirado Neimar, para poupar o jogador que visivelmente estava incomodado em campo. Poderia ter tirado Fred e testar um Hulk centralizado, para contragolpes. Poderia. Poderia. Mas fez os óbvios e Ramires no lugar de Paulinho ou Hulk, para “fechar” o jogo. Deixou Neimar lá, por medo talvez de ser criticado em caso de um empate – naquela hora absolutamente fora das probabilidades. 

O resto, sabemos. Um gol colombiano, de penalidade. Pressão, ainda que mais na base do bumba meu boi do que efetiva conquista de espaços, e aumento da violência colombiana, já que a rispidez acaba sendo sempre a muleta nessas horas. Neimar, estivesse bem, tinindo, talvez pressentisse o choque e se protegesse. Não saberemos nunca. O fato é que uma jogada maldosa, mas infelizmente corriqueira, resultou no inesperado. Neimar fora da copa. 

Para o próximo jogo, semifinal de copa, precisaremos de técnico. Precisaremos mudar o esquema de jogo. Talvez aí resida nossa grande chance e oportunidade. A bola precisa dialogar ali pelo meio. Oscar é fundamental para que isso funcione. E notem, tenho tanta simpatia pelo Oscar como tenho por um café gelado e ultra doce. Fred só faz sentido se a bola chegar. Já que não temos como fazê-la chegar, por falta absoluta de um Ganso, um Alex ou de um Neimar, talvez deixá-lo lá entre as cobras e lagartos da torcida e da imprensa seja inútil. Um cone, como foi até aqui. Talvez seja a hora de quadrados no meio, de triangulações, de conquistas de espaço pelo meio alemão, com calma. A correria é germânica. Nossa escola é outra e toque, recebe, Hernanes, Paulinho, Fernandinho e quiçá Willian. E Oscar, sim, Oscar. Lá do CT de Cotia os fundamentos, que vieram antes das traições. E Maicon. E treinar a pontaria do Hulk, que está mais descalibrada que pneu de bicicleta de criança. E uma rezasinha que ninguém é de ferro. Uma reza, macumba, quizumba, quizomba.

Eu jogaria de azul, também. Questão de gosto.



segunda-feira, 30 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Dez Mais Oito


"Tia....". Tia, não. Professora.

Nessas minhas manias de reduzir as cousas numa linguagem que eu possa entender, gosto de imaginar as Copas como um imenso interclasses, aqueles nossos campeonatos da escola, na época do ginásio.

Quem nunca entrou numa quadra, porque os campeonatos interclasses costumam ser de salão, num torneio que reunia da quinta à oitava, quando os pequeninos, recém saídos do primário, nem beijo selinho ainda, eram obrigados a enfrentar por essas tabelas desalmadas, aquele time da oitava séria, todo mundo no fatorial, barba, gazeta, fura olho?

O time da quinta era até muito bom. Pelota de pé em pé, saída de bola bem feita, cada um marca um, pivô e eteceteras e tals. Goleava impiedosamente naqueles recreios com futebol qualquer time e até faziam chacotas quando colocavam na roda os demais. Era impossível não pensar que seria sempre assim e ter esperanças. O time é bom.

Aí chega o campeonato. O interclasses. Onde moram perigos. Onde há torcida. Há beijos de recompensa. Há craques, prêmios, olhares de inveja e cobiça. Bola rolando e...

O fato é que o timaço da quinta série ganha uma, dá show e todos comentam que os meninos são colossais. Vão vencer qualquer obstáculo. Até que naquela partida decisiva, intervalo entre aulas, todo o colégio assistindo a peleja, um a zero, o time da oitava empata. No finzinho. Depois do grandalhão ter dado uma cusparada feia no chão, depois de uma dividida mais ranheta, depois de uma discussãozinha com o professor que é o juiz, porque não marcou falta naquela jogada ali. E antes do sineta, óbvio, o gol evidente do time mais experiente. Feito com calma, quando tudo já era coração. E foi daquele menino lá, justo aquele que eu queria ser, justo aquele lá que já ia receber o melhor dos beijos...

México, Chile e Colômbia devem saber na alma o que é este sentimento. Brasil, Alemanha, Argentina, Itália também sabem que podem resolver situações improváveis antes da sineta. As vezes não funciona, é verdade, mas é muito raro não funcionar para todos os times da oitava série concomitantemente. Eles parecem, inclusive, combinar entre eles quem vai ser o responsável por extirpar o coração do romântico do momento, furará os olhos como já furaram uma Dinamarca, uma Hungria, uma Suécia, um Chile, um México... uma Colômbia. 

Mas e a Espanha? Bom, a Espanha é aquele time de sexta ou sétima série, que vez por outra belisca o caneco porque os times da oitava se mataram entre si. Mas depois, no outro campeonato, ficam lá na ansiedade entre o pega-pega, esconde-esconde e o gato mia...

E... acabou de sair um gol da França. Numa pipocada do goleirão.
"Tia........".


Nota do Feiceditor: Sabemos que por força da LDB o ensino fundamental vai hoje até o nono ano. Que antiga quinta é sexta, a antiga oitava é nona. Mas a memória é minha então mantenho no ferro velho.



sábado, 28 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XVI


A bola não entrava. Nunca entraria era minha modesta opinião. Cricri, chatonildo, um lado perverso da minha alma ficava lá, flertando com a tragédia, namorando o infortúnio, quase um prazer. Senti ali uma novela já conhecida, estranhamente, em torneios anteriores. O time faz um bom primeiro tempo para cair na mais funda depressão, atados os ânimos no chão - assim como na derrota para a Holanda, assim como na derrota para a Argentina de Maradona. Era isso e estava escrito que seríamos eliminados. O Chile jogava melhor, cozinhava o galo como que esperando a hora para degolar os pescocinhos. Aquela gente ruim que vaiou o hino chileno, gente estúpida, merecia esse fim. Torcidinha de meleca, muito orgulho e amôooor. Nojo. E o Felipão e ....

Aqueles olhos de jaboticaba me fitavam. Queriam alguma resposta. Algum alento. "Um golzinho." "Só um golzinho, pô.". O Grande ali, no sofá, me lembrando enfim de uma outra cousa, de outros mundos, outras variáveis, códigos, valores. "O que você acha, pai?". Eu acho que esses éguas todos aí deviam logo marcar esse segundo gol, cascalhos! Que esse Felipão só pode estar de jeriquismo quando troca um segundo volante por outro: "Pimba!!! Um volante por outro? Depois vai pra prorrogação e perdemos uma substituição!". "Vai!!!! Cuidado, pombas!!!!".

Carambas, caçarolas, cacildas, frituras todas: a bola não entrava. O dez do time manquitolando, visivelmente incomodado com alguma dor. O time sem ele é, definitivamente, outro. Daniel, além de avenida, uma apatia toda de uma vida toda de uma lateral toda. E Oscar, um desaparecido. Puxa que puxa, a vaca e o brejo. "Filho... não está fácil." No fundo, bem no fundo, eu estava certo de que não ia dar...

O Pequeno se levanta. Vai para o quarto. Nem vê muito o jogo. Me abraça depois. Fica do meu lado. O Grande se levanta, bate bola com a bexiga verde. A casa parece perdida naquele futebol de devaneios. Os dois perceberam uma maracutaia paterna, com graça: não era que o pai sabia do jogo antes, era o rádio que estava uns três segundos na frente da narração da televisão. Ficaram colados no rádio. Silvério. E quando a casa se remoía indo pra frente da tv, um dos dois gritava: "Foi pra fora.".

A bola. E o Chile no ataque. Fim de jogo, fim da prorrogação, era o último lance. Depois, penales. Opa... sobrou livre pro chileno, ai, ai, ai, ai.... "Na traaaaaaaaaaaaave!!!!!!!". Foi na trave, pô! Saiu um palavrão, um ufa, uma benção. Os dois me abraçam. A loura nem mais falava. Só os olhos vidrados, numa estranha catarse. "Vai dar?". "Vai." A assertiva é minha, mais falada do que pensada.

Combinamos de desligar o rádio. Ficar só com a televisão. E combinamos tirar da tv a cabo e colocar na tv aberta, para acompanhar o resto da cidade. Não iríamos aguentar saber antes. E um consolo: "É.... iria tirar a emoção." Bah.... a emoção.

O quinto penal. A casa dá as mãos. Fazem cantos de "Júlio César" e eu, o chato, peço um coro de "Chuta pra fora, chuta pra fora!". Cantamos. Canto. Cantam. A pelota explode na trave. Correm pela casa, gritam na janela. Gritam muito na janela. E aquele abraço do Grande, funcionando como um obrigado.

Que venham as quartas de final. Que vai ter radinho, de novo.
 
 
 

Amaraladas na Copa 14 - Quinzão


Há certas cousas no mundo que deveriam ser tratadas com muito mais seriedade. Sim, digo dos programas de solidariedade internacional e das redes de proteção internacionais tentando mitigar o sofrimento de muitos, refugiados, expatriados, perseguidos. O combate intransigente contra a intolerância: de gêneros, de religiões, culturais, étnicos. E deveríamos cuidar mais, dentro desta lógica, de nossas identidades culturais, de nossas construções históricas - não só as construções com pedras, cimentos, argamassas, compasso, tijolo, cálculo, engenharia e tais - mas todas as construções que são fruto de nossa história: o samba, a valsa, o amor, a serpentina, a bola... o futebol.

Eu não entendo porque não é a ONU que organiza o futebol pelo mundo. Simplesmente não entendo. A ONU não é lá essas cousas, a gente sabe, tem muito mesmo o que melhorar, aprimorar, ser. Mas é uma construção importante, ao menos um indicador de que outro tipo de mundo seria possível, que outros mecanismos para resoluções de conflitos seriam necessárias, que não precisamos mais só de guerras. A ONU é um sonho. Mas é.

A FIFA é um balcão de negócio, principalmente depois que Havelange, aquele um que deveria ser esquecido pelo tempo e destinado ao ostracismo que nem o inferno é, é só esquecimento. Um pulha, com todo o perdão aos mais sensíveis e à família do cara. A federação deixou de ser o que Jules Rimet pensou um dia para ser só mais uma dessas multinacionais globais, cuja a pátria é só o crédito na conta de acionistas ou fedores assim. E o pior, a casa de tolerância monetária "organiza" uma daquelas paixões mortais que nos identificam como seres humanos - e, portanto, nos aproxima do sobrenatural, das deusas e deuses. Organiza e monopoliza um bem cultural da humanidade. E isso é lamentável, como processo histórico, político, econômico e cultural.

O futebol parou guerras e foi fundamento para outras. Mas não estamos falando só de um esporte que alimenta paixões. Estamos falando de nós. Estamos num Celtic versus Rangers. Estamos criando. Desde as regras simples do jogo, passando pelas inúmeras possibilidades que um time de onze jogadores, mais onze reservas, podem criar. Não é só para brutamontes, como vários outros desportos que necessitam da força física e do sobrepujar quase a morte o outro. Não é só talento e habilidade com os pés, senão não teríamos esta profusão de heróis cabeças de bagre, mas raçudos, onipresentes, volantes que desarmam e avantes que marcam com canelas, bicos de pé, púbis ou sei lá mais. Estamos a conversar e a construir, epopéias, vexames, desgraças, vitórias, derrotas, frangos, aritméticas, geometrias, sambas, livros, filmes, criação!!!!

A primeira fase da Copa no Brasil revelou muito disso. Que apesar dos fuínhas da federação, com suas echarpes no calor, com seu cheiro de colônia vencida, com seus arrotos, apesar dos cartões de crédito, dos bancos, das empresas de televisão, flui algo outro, que nos encanta. As histórias e as narrativas da copa de verdade, nas ruas, nos países, nos povos, no campo é fantástica. Sugiro aos mais incautos que persigam estas crônicas e relatos na copa em sítios como o Impedimento ou o Trivela. A história do garoto escocês que adora o atacante grego Samaras e o comovente depoimento do jogador sobre esta amizade. A façanha de Mondragon, o arqueiro cafetero que acaba de se tornar o jogador mais velho a atuar em um mundial, em três, na verdade. Drogba, que parou uma guerra em seu país. Eto se comparando a Obina e depois abraçando um moleque brasuca só pelo abraço. Das ruas de São Paulo, a cidade mais mau humorada do planeta as vésperas do mundial tomadas por uma intensa felicidade que se explica só e só pela bola, a esfera, a redonda, a menina, o balão. Do Maracanã, que vilipendiado, renasce num grito latino de chilenos,argentinos, uruguaios, colombianos e equatorianos. Do navio repleto de mexicanos. Das histórias de We Are The Bangladeshi Fans of Brazilian Football team, um país que não está na copa mas se reúne para falar, discutir, apreciar e se deixar encantar.

Do desespero dos conservadores americanos, porque lá nos States é o futebol que começa a despertar a multidão. Imaginem, no centro desta cultura mercantil, da vitória dos mais fortes, começarmos a apreciar o futebol como arte, como manifestação, como brinquedo e entenderemos as razões profundas deste temor. O futebol é outra cousa. E por isso mesmo não poderia ser tratado como simples mercadoria de gôndola.

Oxalá entendamos esta beleza e suas possibilidades, de fato infinitas... Merecemos. E muito.

A Fifa? Que vá a merda. Que é o seu lugar.

 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Quinto



Fui ver um dos jogos no Anhangabaú. Lá montaram os "patrocinadores" e a organizadora do evento um local com telão para assistir aos jogos. Paulistas somos inacreditavelmente jecas para muitas cousas. Como não temos praia, costumamos nos lambuzar nas farofas, com gosto. Até as narinas mais empinadas da gente bandeirante piratininga chegam na praia e pronto: mafuá, farofa milanesa na areia e queimadura. Nem adianta dizer que não. Quem nega, no mínimo é cafona. Bom... nós paulistas somos cafonas. Mas voltando à marola, como não somos uma cidade linda por natureza, nossos encantos são outros. E para desvelo é necessário um algo mais, um outro olhar que guais de turismo e de beleza não dão. E por estas e outras estamos inacreditavelmente desacostumados aos gringos turistas.

Chega a ser patético. Porque uma cidade pseudo cosmopolita, repleta de gente do mundo todo que mora aqui, quando vê um que não mora, só tá de visita, ficamos todos animados, como que vendo entidades sobrenaturais. Jecas. No estilo do Monteirão, um clássico do tatu.

E na tal tenda para os jogos o que mais tem é gringo. Contei sotaques. Contei dezenas, repito, dezenas, de camisas de países diferentes. Fiquei bestificado com tudo. Parecia criança em loja de brinquedo. Quando uns caras, um deles com a camisa da Argélia e outro da França, começaram a azucrinar um grandalhão coreano, com uma linda jaqueta do time da Coréia do Sul, gritando "Argélia", comecei a rir feito besta: Coréia e Argélia é um dos clássicos do grupo H.. Pinto no lixo, eu.

E tinha um francês ao meu lado. Puxei papo. O cara veio da França para assistir ao jogo do Uruguay com a Inglaterra, em Itaquera. Um único jogo. E nem era do país dele. Estava todo feliz tirando foto de tudo e comemorou o primeiro gol francês com uma felicidade de primeira mordida em quindim. Bonito que só. Falamos da copa e ele, em inglês tão ruim quanto o meu, me disse algo como "vim para me divertir".

São Paulo tem muito africano. Quem anda pelo centro, sabe, reconhece. Mas é difícil conversar com eles num dia normal. Porque no corre corre dos dias somos todos meio bestas, mais relógios que relíquias. Mas lá na tenda, ar aberto, era fácil. Um "oi", um sorriso, uma comemoração de gol. E eles sorriem bonito, né? Quem nunca ficou feliz com um sorriso deles, desses lindos, sabe pouco dos encantos do mundo, pouquíssimo. Só refrigerante, provavelmente.

E os latinos americanos!!! Senhoures e senhouras, a quantidade de camisas vermelhas do Chile é de impressionar qualquer marujo. E amarelas de colombianos, sombreiros mexicanos e o azul dos hermanos. E os felizes costa riquenhos, garbos com sua bandeira.

Um clima amistoso que estamos pouco acostumados, gente sentada no chão sem toalhinha para as bundas, felizes, conversando. Apesar das caras sempre carrancudas dos policiais - e me pergunto a razão do porquê a policia do estado estar num evento que a organizadora diz ser dela - com exclusividade pérfida de um amante ciumento e inseguro - e, portanto, um evento privado.

Apesar dumas catracas e de umas revistas em mochilas e roupas, o local estava aberto. E os bêbados do centro também estavam lá. E não só os bêbados: as putas do entorno da praça do Correio, os mendigos das escadarias da Líbero, gente diferenciada. Há algo ali no Anhangabaú, antes de sermos essa gente jeca e malcriada, quando era rio e vale e gente pelada, que tatuou a cidade. Nem a tal organizadora foi capaz de tirar isso de lá. É provável que até o fim da copa tentem expulsar essa gente feia dali. Mas muito provavelmente não conseguirão... Desta vez há um ancestral nosso que continua a achar José de Anchieta um grandessíssimo dum explorador mequetrefe, que de santo não tinha nem as batas... mas que acha graça num festerê. 

Vão acabar comendo a gente, se tivermos sorte.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"O el asilo contra la opresión..."


No caminho para Cuiabá fui pensando, muito, no tom da escrita e do relato. Desde a maldita definição de que a Copa do Mundo seria no Brasil sentimentos se misturam, contraditórios. Como todos, alias. Os sentimentos são sempre possíveis.

Por um lado, carambola cósmica, desde pequeno queria uma copa aqui. E quando digo aqui, nas minhas memórias, estão os jogos na Rua Javari, no Canindé, no Pacaembú, no Morumbi, no Palestra e até no Parque São Jorge. Teríamos jogos em Moça Bonita, na Rua dos Eucaliptos – que já nem existe mais. Sim, era uma copa de menino que recortava escudo em revista para colar em botão que ganhara em prenda de festa junina. Mas, já disse noutras e noutras vezes, futebol são essas reminiscências.

Por outro, carambola atômica cor de limão, a nojeira disso tudo. Dos gastos com uma dinheirama sem fim para os mesmos de sempre do Brasil Maravilha, das empreiteiras de sempre, dessa gente nojenta de sempre que vê no Estado uma enorme teta de vaca, sem a vaca, só a teta. Das corruptelas, das corrupções, das melecas, da funesta relação entre o público e o privado. Do patrimonialismo, da cara de pau, da rede Globo e quejandos. Do cinismo do presidente operário que para se manter mais calmamente no poder fez o pacto com a camarilha de cima, que em nenhum momento tentou tomar as rédeas do processo de construção da copa, deixando esta festança para Ricardo Teixeira e clube e, posteriormente, para a figura enauseante, podre, caquética, mequetrefe, acaju, do governador biônico paulista, cartola de sempre.

O futebol é, sim, daqueles elementos que definem o país. Que nos caracteriza, define, desenha, molda. É um traço cultural do povo brasileiro. A Copa é a copa. E por isso, de tão relevantes, não deviam ser tratadas desta forma patife.

Mas o jogo é Chile e Austrália. Um calor de matar cactus assombrava junho. Não houve, como na noite da estreia, manifestações, gás de pimenta, sururu. Nem vaia. O estádio gritava “Chi-Chi-Chi... Le-Le-Le”. Vermelho e azul. Estava bonito. De fato, só por este jogo, meu ceticismo com relação ao certame se desmontava: havia festa e celebração. Do lado de fora, brasileiros, chilenos e paraguaios, muitos, sem ingresso, faziam uma festa digna, alegre, repleta de cores. Dentro do estádio, tomado por uma maioria chilena, muita cantoria. O estádio veio abaixo quando Bachelet apareceu no telão. E se gritavam palavras contra Pinochet, para desespero da FIFA – no telão era possível perceber que as câmeras fugiam das faixas e camisetas que mandavam à merda o ditador pulha. Arrepiou o hino chileno. Mesmo. No telão, Salas, Zamorano, Figueroa e Caszely. Eu fui ao estádio com uma camisa com a cara do Caszely, do filme “Rebeldes do Futebol”, documentário do Eric Cantona. Sorri.

Sim, alguns torcedores e torcedoras da Austrália estavam por lá. Mas era dia de pisco. Sem dúvida.

Bola rolando e.... do calor, a chuva. Uma quimera. Aparentemente o sistema de drenagem passara no teste crucial. Mas uma poça na entrada de uma das áreas e um charco embaixo de um dos arcos – fazendo lembrar estádios da década de 70 espalhados pela Latino América – davam um ar de verdade ao “clean” padrão FIFA.

Valdívia – e camisas do Palestra eram visíveis nas arquibancadas – arrancou pelo meio, fintou um, dois, três, deu o famoso drible do chute no ar, o zagueiro caiu ao chão numa imagem que certamente fará parte das antologias da copa... mas ao entrar na área deu um chute tão mixo que o goleirão até sorriu antes de pegar a rechonchuda.

Lá pelas tantas, Alexis, fez um golaço. Bolaça de Valdívia. Encobriu arqueiro e zagueiro. O Chile mostrava força. Só não contava com a presepa, aos trinta e sete do segundo tempo. O goleiro escorregou na poça e a bola sobrou libre para um de camisa amarela – não sei, confesso, o nome do canguru. Um toquinho sutil, suave, belo até. Empate.

A pequena torcida da Austrália fez grande estardalhaço. Voltava o calor. Lá fora, eram os brasiguaios a cantar e a convencer os chilenos que contra Espanha e Holanda a sorte sorriria. Faltou vinho no pantanal.

Chile 1 x 1 Austrália (Alexis Sanches e Archie Thompson)
Cuiabá, 13 de junho de 2014.

Por Fernando Amaral.