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terça-feira, 26 de junho de 2018

Para ler ao som de Pinduca, Dona Onete y Ruben Rada, porque no???



Daquelas cousas indesculpáveis, não ter dado a chance ao Mangueirão de sediar partidas de uma copa do mundo talvez sido uma das mais retumbantes bobagens de nossa história contemporânea. O estádio principal da cidade de Belém, no Pará, sedia uma das rivalidades mais estrondosas do futebol: Remo e Paysandu. E, de quebra, abrigou jogos da simpática Tuna Luso durante os anos dourados do cruzmaltino. A rivalidade entre o Remo e o Paysandu, Leão e Papão, é capaz de lotar estádios em jogos das séries A, B, C, D, do alfabeto inteiro.

Ignorar, por razões de sei lá qual ordem, esta rivalidade durante o preparo para a copa do mundo e escolher outras sedes, sedes em que o futebol era mero pretexto, demonstra muito da nossa incapacidade de entender o futebol como elemento central de nossa cultura, de nosso país, de nossa civilização. Não foram os portugueses que deram unidade ao Brasil. Foi a Rádio Nacional, foi Leônidas da Silva, foram Pelé, Didi e Garrincha. Internacional, Grêmio, Cruzeiro, Atlético, Sport, Náutico, Santa Cruz, Bahia, Vitória, Remo, Paysandu, Flamengo e River. Com um pouco de paciência, num boteco, poderíamos escrever um grande tratado de sociologia, antropologia, economia e política somente conversando sobre futebol.

O Brasil tem uma elite que odeia o Brasil. E para exercitar este ódio mascara, avilta, machuca, esquece nossa história. Nunca deu tratos à nossa maior ignomínia, ao nosso maior vexame, a escravidão. Na escola temos uma aula que diz que foi assinada uma lei por uma princesa bondosa e pronto, borracha. Não tratamos de nossa recente ditadura civil militar, não responsabilizamos o estado pela barbárie, pela tortura. Aprendemos que teve um golpe, que teve colégio eleitoral, que teve Tancredo, que Tancredo morreu, Sarney assumiu e acabou a ditadura, borracha. Nunca tratamos das borrachas, borrachadas, esculachos das forças de segurança contra a população mais pobre, negra. Aprendemos índices de violência e naturalizamos o confronto polícia e ladrão. Não nos furtamos em afastar uma mulher da presidência do país, eleita, só porque não íamos com a veneta dela, porque ela era mulher, usando argumentos os mais hipócritas possíveis. Nas escolas não se fala mais de Kuarup.

Não é diferente no futebol. Não temos interesses em ensinar nossa história nas copas, nos campeonatos. Basta afirmar que somos os melhores do mundo, no ufanismo idiota, como que brotando magicamente. Estamos esquecendo de Pelé e sem Pelé não há Zico, sem Zico não há Romário, sem Romário não há Ronaldo, sem Ronaldos não há Neymar. Pelé já é algo distante, alguns tratam como anedota ou como figura mítica, daquelas que perdem importância porque não precisamos mais de "Vitasay".  

Sem Maracanazzo não há 58. E sem 58, senhouras, senhoures, não há Brasil. Quanto mais distante for 58, mais nos distanciamos daquilo que poderia nos caracterizar como civilização, a civilização brasileira. Didi da Guiomar, Garrincha, Djalma e Nilton Santos. Éramos mais felizes e não porque a nostalgia alimenta. Porque tínhamos um sonho que ia muito além de fazer compras em Miami ou morar em Lisboa. 

A magistral partida da Colômbia contra a Polônia não se resume no passe saboroso de James para o tento de Mina, nas alturas. Nem do toque sutil de Quintero para o arremate lindo de Falcão Garcia. Muito menos na pintura de capela que foi o lançamento de James para o terceiro gol de Cuadrado. O magistral esteve no abraço de Higuita e Valderrama nas arquibancadas, um abraço de mais de mil palavras.

Nas coletivas de imprensa após a vitória indiscutível contra os russos, os jornalistas uruguaios perguntaram para o "maestro" Oscar Tabarez - o mais velho dos treinadores nesta copa e o que mais vezes a disputou como treinador, 1990, 10, 14 e 18 - sobre a partida e o que ele achava da Celeste ganhar dos anfitriões, assim como ganhou da África do Sul em 2010, da Argentina na Copa América de 2011 e do Maracanazzo, 1950. Celeste Olímpica, vencedora das Olimpíadas de 1924 e 1928, as outras duas estrelas que compõe o conjunto de quatro na camisa azul que entorta varal, mesmo sendo de um país pequenino de território. 

O Remo está na série C do Brasileirão. O Paysandu na B. A Tuna Luso disputa a segundinha do paraense. No sítio da internete da Tuna, garbosamente, se anunciam dois títulos nacionais. Eu, correria lá para ler.

25 de junho, 2018. Uruguai e Rússia. Arábia Saudita e Egito. Irã e Portugal. Espanha e Marrocos.








quarta-feira, 20 de junho de 2018

"Aperfeiçoando o imperfeito"


Ouvi uns pedaços do jogo de Portugal, numa estação de rádio lusitana, pelos fones de ouvido no celular. O telefone celular é uma invenção do demônio, todos sabemos. Mas o tinhoso é sempre contradição: criou algo para nos amarrar definitivamente ao trabalho, nos dar a sensação de estarmos ligados, conectados, plugados, por toda a existência da bateria, mas, por outra ruela nos deu os aplicativos de música e as rádios. Uma no cravo, outra na ferradura. Como na copa: Um Portugal e Espanha dum lado,um Coréia do Sul e Suécia, benzadeus que partida árida, doutro.

Os narradores portugueses, eles narram os jogos em dupla, assim como os uruguaios, torcem descaradamente e sem pudores para seus selecionados. É estranho quando comparamos com as nossas narrações mais famosas, que exageram num ufanismo que não podemos chamar de torcida... e não sei muito bem explicar o que é. A vitória parece que vem por causa de algo natural, inato e a derrota vem porque alguém cometeu algum crime. Os portugueses falam das naus perdidas. Nós falamos de como se perderam as naus. É uma linhazinha tênue mas é barbante. Nos jogos da seleção talvez fosse melhor escalar sempre o Silvio Luis e os seus bordões: "pelas barbas do profeta". Ou o Osmar.

O único jogo que vi quase inteiro nesta copa foi o Portugal e Espanha. Um belo jogo de futebol. Nos demais, o televisor ou o rádio ligado, mas sempre fazendo algo em paralelo. A copa, como encanto paralelo. Perdi muitos pedaços de jogo e vi alguns gols só em videoteipe. Como os de hoje. Não sei, então, nem tento, estabelecer análises de tática, técnica, desempenho. Aliás, estas análises andam chatas por aqui. Tentar criar sistemas lógicos que expliquem resultados, com índices de posse de bola, de chutes a gol, de onde a bola foi chutada, gráficos e mais gráficos, coloridos, bonitos. Não sei estas análises dão conta do jogo. A beleza de uma retranca, e como são belas as retrancas, quase nunca é observável dentro desses critérios matemáticos. Cannavaro nunca teria sido o melhor do mundo numa copa se os critérios de análise fossem só os de "show do intervalo".

Me disseram do Irã na partida com os espanhóis. Deve ter sido uma retranca lindíssima. Assim como foi a da Islândia. Nosso problema é tratar o futebol como obrigação de espetáculos e malabarismos circenses, quando na verdade são os imprevistos, os impossíveis, os incrédulos que dão perfume a este jogo, um dos poucos onde o melhor nem sempre ganha. Ninguém se apaixona pelo futebol numa partida do Barcelona ganhando com oitenta por cento de posse de bola. A gente pode admirar, achar um feito incrível, uma obra de arte, ter o gozo. Mas o que apaixona, aprisiona a bola no lado certo do coração, foi o dia em que o Mineiro recebeu um passe milimétrico do Aloísio Chulapa, entrou na área e caixa, time campeão contra um outro aparentemente muito superior. É a vitória do Valladolid num único ataque, nos seus dez por cento de posse de bola. É a vitória de Camarões na abertura da copa. E a dança do Senegal. A paixão só pode ser despertada num dia de vitória impossível. É o caneco do Leicester. É o Olaria do Afonsinho. Depois de instalada a paixão, a gente administra, transforma a paixão em amor, resolve querer ganhar sempre, aplaude e exige o bonito. Mas durante uma copa a gente percebe que amar é importante, mas paixão.... aaaaaaah..... paixão é foda, é bola na rede, é o salve-se quem puder na zona do agrião...

Na volta para casa, tentando recuperar os placares que perdi - num perdi muita cousa pelo jeitão de um a zero magrinho de todos eles - percebi que no meu bolão cravei Irã 1 x 1 Espanha. De certa forma, ainda tem paixão neste navio.


20 de junho, 2018. Portugal e Marrocos. Irã e Espanha. Uruguay e Arábia Saudita.





sexta-feira, 15 de junho de 2018

Spaciba!



É inevitável lembrar da União Soviética quando a gente está a viver uma copa do mundo na Rússia. Para os do século vinte, a URSS é mais do que memória e história. Os soviéticos foram durante quase todo o século que passou a metade da laranja, muitas vezes a mais gostosa e por vezes a mais sinistra.

Uma das digressões que sempre faço como os meus botões é imaginar um título mundial dos soviéticos numa copa do mundo e se, com o caneco, Gorba teria feito o estrago que fez. A URSS teve o Pelé e o Zico dos goleiros: Yashin, a aranha negra, e Dasaev. Com bons times, em 66, podia ter tido mais sorte. Em 82 - que saudade do naranjito - sucumbiu num grupo de segunda fase que tinha a Polônia dos geniais Boniek, Lato e Deyna. De fato, portanto, os soviéticos nunca tiveram a grande chance do caneco, nem a Jules nem a atual. Mas será que? 

No mundo ingênuo da Guerra Fria, numa luta de caubóis em escala lunar, as nossas percepções de mundo eram quase sempre referenciadas na disputa entre o mundo livre americanos e os tiranos comunistas soviéticos. Um verdadeiro Fla Flu.

Talvez, entre as propagandas possíveis, a vitória no futebol tivesse uma importância fundamental, porque os soviéticos ganhariam a disputa no jogo que o mundo todo adora. Os americanos tem esportes próprios, sabemos, como forma de manter uma hegemonia num campo onde não há disputa. São digressões estupidamente simplificadas, simplificantes, pueris. Mas são. Aliás, penso se o fim da Iuguslávia teria sido menos sangrento se os excelentes times iuguslavos tivessem ganho alguma das copas em que seus times eram realmente fortes, assim como o Marechal. E se a Tchecoslováquia seriam duas.

É óbvio solar que as cousas do mundo são muito mais complexas. O mundo está mais para as explicações da Mafalda de Quino do que para Chuck Noris. Somos teias. Mas o futebol como metáfora ajuda nos botecos. No campeonato de seleções dos meus estádios imaginários, do campo de futebol do botão ou dos tabuleiros de jogos como o Escrete, o Brasil podia sempre ganhar com gol do Zé Sérgio no final, driblando a defesa alemã como faca quente em manteiga fora da geladeira. Mas Cuba chegaria em algumas finais, os soviéticos também e Moçambique seria imbatível depois de ler Mia Couto.

Ontem, por instantes, imaginei um engenheiro de som doidivanas invadindo a torre do estádio e colocando a "Internacional" no lugar do hino russo. Um violino de Jorge Mautner ao fundo e o povo da Rede Globo em parafuso. E o Misha, o urso mais simpático de todos, a mascote das Olimpíadas de Moscou, dando o pontapé inicial. Acordei, caminhando pelo centro de São Paulo, cada vez mais parecido com cenário de filme de apocalipse zumbi: "Aluga-se". 

A Mafalda temia os soviéticos, os americanos, os chineses, o imperialismo ianque, o imperialismo soviético, as autoridades em geral, colocava esparadapos em seu globo de brinquedo. A Mafalda, argentina, certamente estava nas ruas de Buenos Aires comemorando a vitória das mulheres do mundo no dia 13, na votação na Câmara dos Deputados portenha, sobre a legalização do aborto. É inevitável, durante a copa, pensar num outro mundo possível, onde Irã e Marrocos despertem a mesma atenção que um Barcelona e Manchester. E que as ruas possam estar ocupadas com festas. E sorrisos.


15 de junho, 2018. Uruguay e Egito. Irã e Marrocos. Espanha e Portugal.