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terça-feira, 25 de março de 2014

Pergunta o narrador: "De quem foi o gol?"



Então... o pai veio cedo: “Acorda, menino.” Já estava, obviamente, atrasado. Essa copa do mundo com aula ia fazer um mal danado para o sono do menino. Já para os sonhos... Na escola muita gente falando da copa, bem, mal, devia ter, não devia ter, gastos sem fim, saco sem fundo, mas dá visibilidade, é bom para o turismo e aquela infinidade de argumentos e discursos. Mas a maioria dos meninos queria mesmo eram os jogos. E ponto. Final.

Separou o radinho de pilha, que o pai tinha lhe dado de presente um pouco antes do início do certame. “Dá para ouvir entre uma aula e outra. E futebol pelo rádio, aprenda, é muito mais legal que pela televisão. Só perde para estádio.” Duvidou do pai, porque o videogame já era bem legal e as transmissões pela televisão repletas de recursos, imagens, videoteipe, tira teima. Mas já que tinha aula, achou melhor caçar com gato. Não se arrependeu...

Futebol pelo rádio tem uma magia única. Porque você imagina o jogo. Sim, enquanto ouve a narração você liga um projetor no cérebro que faz, desenha, e mais, realiza a jogada. Sem contar que parece um papo de amigos, quando o repórter começa a contar o lance, de um jeito que a televisão nunca contava. A televisão, no fundo, é chata. Porque a imagem tem uma frieza de verdade. A dúvida, ah... a dúvida é sempre mais quente: inquieta, foi ou não foi pênalti, estava ou não estava impedido. Por isso, entendeu que lá no estádio é ainda melhor. Porque são seus olhos que observam, sem empréstimo algum de sensações.

Óbvio que o menino não fazia estas considerações, assim, assim, desse jeito. No jeito simples do menino, sentia. O narrador é que pondera, dramatiza, conceitua mambembemente. E o sorriso do menino com o radinho de pilha explicava tudo. O pai marcara um gol.
Naquele dia tinham três jogos. E a aulas, por causa de umas reposições de dias dos jogos do Brasil, se estenderiam até o fim da tarde. Ia ser longo o dia...

Na arrumação da mochila, às pressas, para ir para a escola, uma surpresa... tinha um bilhete anônimo! “Oi... será que hoje a gente podia ouvir o jogo juntos?”. E tinha um perfume no bilhetinho, cuidadosamente dobrado e colocado escondido no bolso da mochila. Sentia o coração disparado, tal qual gol do time: “Quem foi? Será que foi a Ana? Ou foi Joana? Quem foi?”. Pensou mil coisas, mil situações e no coração do menino até pensou em mãos dadas, ouvindo calados ao jogo pelo rádio e comemorando algum gol. E aquele perfume...

O dia passou todo naquela toada de borboleta no estômago. Ninguém se denunciava. Ouviu parte do jogo tarde na companhia dos amigos, na hora do intervalo. E nada de outro bilhete, nada de perfume, nada de gol. E na saída da escola, esperando o pai, ligou o radinho. Estados Unidos e Gana, em Natal. Lá no fundo, torcia pelos ganeses. Mas bem no fundo, mesmo, palpitava era aquele perfume naquelas letrinhas naquele bilhetinho naquele bolso da mochila...

Gana 2x1 Estados Unidos, Arena das Dunas, 17 de junho de 2014.



domingo, 26 de janeiro de 2014

"O problema é muito olho gordo no menino..."



O fato é: Cristiano Ronaldo está contundido. Grave a lesão. Sabe-se lá se jogará a copa. Um desatre de proporções bíblicas. Porque alguns gostam, outros não, mas é absolutamente inegável o talento do gajo. Até para torcer contra, espesinhar, fazer, fazer mandinga. O inexorável é que o portuga tinha que jogar, teria que jogar. Uma copa sem craque é como aquela pratada de macarrão a bolonhesa sem um cadinho de queijo. Ou cerveja sem álcool. Vou mais longe: dor de cotovelo, sem Lupicínio.


Estávamos todos cabisbaixos. Numa tristeza profunda. Afinal, Salvador não é uma cidade para desamores. Lá só nos cabe viver e isso não é pouco. Alemanha e Portugal era o jogo mais esperado daquela primeira rodada.


A Alemanha, pelo favoritismo, pelo futebol plástico, talvez até mais sulamericano que os times de cá. Muito embora saibamos que a Alemanha não ganhará a copa, algo que todo o monumento do Pelourinho sabe. O dia que a Alemanha ganhar uma copa no continente americano, fecharemos o bar. Não sobrará mais nenhuma verdade absoluta, nem Eva, nem Adão, nem manteiga. Será o triunfo da margarina.


E Portugal, se favorita não é, tem o melhor jogador do mundo. O cara que tem a média de um gol por jogo, assombrosa. Sim, tem lá seus isso e aquilo, e cabelo, e luva, e comercial, e shampoo, e cínico, e... mas deixemos esses “e”s de lado. O cara é estupendo. Sem contar que Portugal, nossa madrasta, sempre conta com alguma simpatia brasileira... Sabe-se lá.


E foi quando eu, o Deco, o Zécons e o Ogro tivemos a grande ideia. Só o Chico foi contra, que ele não gosta mesmo do Cristiano Ronaldo, de jeito algum. Naquela beberagam camarada perto do farol, num calor de assar, enquanto confabulávamos sobre a copa, a vida, o cinema e sobre a última pesquisa DataFolha que indicava a vitória de Chico Alencar já no primeiro turno, Dequinho, sempre ele, solta a cousa: “Pai Vavá.” Todos entenderam, na hora.


Quem assistiu ao filme “Boleiros” do Girgetti sabe do que estamos falando. A mística toda foi muito lógica: levaríamos o CR7 para uma benzedeira no caminho para Porto Seguro, indicação do Pedrão. O plano era simples: Usaríamos nossas credenciais de imprensa, entraríamos na concentração lusitana. Zecão ficaria no carro, um Samara branco soviético todo mexido. Enquanto o Chico ficava na espreita na vigilância – ele só aceitou esta singela participação no episódio porque temeu que os amigos fossem pegos pela polícia e enquadrados em alguma lei de segurança nacional que resultaria num forró danado, gente presa e aquela parafina toda -, o Ogro fingiria uma entrevista com o craque. Durante a entrevista, soltaria a pérola: “Rapaz... não queria incomodar não. Mas conheço uma senhoura que tem uma babosa milagreira para cabelo... Nunca mais vais ter que se preocupar com o ph.” E coçaria o cavanhaque, que era a senha. Deco, com uma peruca lindíssima, entraria em cena. Eu, que fingia ser o cara das filmagens, soltaria a pérola: “Ronaldo, olha o cabelo daquele cara. É a babosa.”


Nem preciso contar. Cristiano Ronaldo deu um jeito de fugir das tramelas da concentração e nos encontrou no Samara. Rumamos para a benzedeira. Não preciso explicar mais nada.


Alemanha 2x0 Portugal. Cristiano Ronaldo não jogou. Um bafafá tremendo na imprensa internacional, mas desconfiavam que ele estava tomando todas e mais algumas num boteco perdido em Caraíva, defronte à “Fonte dos Mentirosos”. Joelho curado. Cabelo impecável. E no coletivo na praia fez trinta e dois gols, em quarenta e sete minutos de pelada.


E foi o Chico, cético, quem soltou a frase: “Portugal tem muito mais chance agora. O cara se benzeu de verdade....”.


Alemanha 2 x 0 Portugal (Ozil e Pepe - contra).
Fonte Nova, 16/06/2014