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quarta-feira, 11 de julho de 2018
Yuri Gagarin
Acho que foi na TV Cultura de São Paulo - que saudades da TV Cultura... - que acompanhei aos jogos das copas de 70, 74 e 78. Sim, eu nasci em 72, mas o videoteipe é um pouco mais antigo. Eram os jogos transmitidos na íntegra, um pouco antes da hora do macarrão de domingo. Aquele time de 70 era fabuloso, mesmo. Não é lenda, história da carochinha. O homem pisou na lua e a terra, de fato, é redonda.
Clodoaldo, Gérson, Pelé, Tostão, Rivelino e Jairzinho formam uma espécie de absurdo. Os lançamentos, a precisão, a recomposição de jogo e os chutes de Gérson, e se tivesse um prêmio de bola de ouro ou qualquer coisa do gênero na época tenho convicção leonina de que Gérson seria o super trunfo daquela copa, são espécimes de elementais, para quem gosta de estudar o divino no futebol. E Pelé, bom, é Pelé.
Mas mesmo este timaço, que ganhou todos os seus jogos, não pode ter uma narração absolutamente retilínea, do campo ao caneco. No jogo contra os ingleses, talvez contra o melhor time inglês de todos os tempos, suamos sangue, numa batalha feroz. Banks, o arqueiro inglês, defendeu um testaço de Pelé que faz parte da galeria de imagens para mostrar para extraterrestres para provar as capacidades do engenho humano. Tostão faz um balé na defesa dos saxões antes de achar Pelé no meio da área que merecia feriado, no lance do gol de Jairzinho. E tem a história, pouco contada por aqui, do intervalo, que entre um tempo e outro, num calor de rachar mamona, o time brasileiro esticou sua presença no vestiário até o limite antes de punições, deixando Bobby Moore e companhia debaixo dum sol de escalda pés. Os ingleses choram pelo fair play que não tivemos em todos os documentários até hoje.
Nas semifinais, viramos um jogo contra os uruguaios, o primeiro e último jogo em copa entre as duas seleções depois do Maracanazzo, com direito a uma cotovelada de Pelé, um revide, mas uma cotovelada, que fosse o mundo de hoje com VAR teríamos problemas. Ou não, porque se tivesse VAR não teria a cotovelada, num dilema tostines para discutir em boteco.
E, no jogo final, contra a Itália, pegamos um adversário totalmente destruído por uma semifinal de cinema, que italianos e alemães fizeram dias antes da finalíssima. Quem gosta de futebol tem que assistir aos jogos da copa de 70, mas se tiver que escolher algum jogo que não os do Brasil teria que ser aquela semifinal, num jogo que teve uma prorrogação absolutamente doida, magistral, colossal: jogo normal, 1x1. Prorrogação, Alemanha 2x1. Empate. Virada italiana. Empate. E quando caminhava-se para o fim do mundo, Itália 4x3. Com Beckenbauer jogando toda a prorrogação com uma tala no braço, depois de ter machucado a clavícula! A semifinal exauriu a Itália. Que, provavelmente, não ganharia o jogo final mesmo descansada. Mas não tomaria de quatro, desconfio.
Escrevo estas linhas para desenvolver a tese da semifinal renhida. O time que faz a partida mais dura nas semifinais acaba se desgastando fisicamente, embolando nervos, desgastando-se e, invariavelmente, perde a finalíssima. Lembremos de 82, do jogo entre alemães e franceses em Sevilla, na seminal. Um confronto épico, um 3x3, em partidas lendárias de Rumenigue, pelo lado alemão, e Tresor, pelo lado francês. A Alemanha ganhou nos penais e depois seria derrotada pelos italianos. Lembremos de 98, na semifinal entre Brasil e Holanda, uma partidaça que também foi aos penais fatais, com Taffarel sendo nome de santo. 98, Zidanaço. Na final, França 3x0.
As semifinais são espeto. Os jogos costumam ser feios, burocráticos, cheios de medo, como o Brasil e Suécia de 94 ou o Brasil e Turquia de 2002. Jogos estudados. Quando se tem grandes jogos, não necessariamente pela técnica, a semifinal costuma machucar o vencedor além da conta, tirando o enganche para a partida final...
Nesta copa, ao que tudo indica, é melhor a França colocar as barbas e os moustaches de molho.... Apesar da prorrogação, a Croácia fez a partida onde a diferença técnica entre um time e o outro foi mais evidente desta fase final. Sobrou, num jogo de semifinal. Sim, enfrentou prorrogações, contra dinamarqueses e russos, times que não propunham nada mais do que o empate, mas sobrou nos jogos onde o outro time supostamente se propôs a jogar para vencer. Foi assim com argentinos e foi assim hoje. O jogo croata encaixa nesses jogos. O desgaste físico, evidente.
Mas, do outro lado, um time que teve que enfrentar argentinos e uruguaios, equipes que tem grau de dedicação ao jogo sanguínea, e os belgas, talvez os de melhor repertório técnico do mundial, não pode se considerar plenamente descansada. E há um certo elixir que sempre surge nesses momentos, que entorpece a razão e infla o salto.
11 de julho, 2018. Croácia e Inglaterra.
domingo, 1 de julho de 2018
Amores em tempos de cólera
Talvez uma das maiores injustiças de todo universo, este em que escrevemos e lemos este texto e em muitos dos zilhares de mundos paralelos existentes desde a primeira história para dormir contada pela primeira vó, é o fato de Messi e Cristiano nunca terem jogado no mesmo time. Faz tempo que imagino esta possibilidade e fico estarrecido como nenhum dos dois resolveu bancar esta aventura. Os dois estão com a vida ganha e merecem, definitivamente, se divertirem, juntos. Imaginem, só por exercício, um arco e uma flecha, Lionel e Ronaldo.
Os dois foram eliminados no mesmíssimo dia na copa do mundo. Rivais, passaram a ser tema dos mais diversos colóquios sobre fracassos, sobre não terem ido mais longe, sobre terem refugado nos mundiais que disputaram. Deviam os dois sair para tomar umas, num boteco nas proximidades do aeroporto de Moscou, encher a cara e combinarem de darem bananas para todos e a granel, para todo o sempre. E acertarem de jogarem juntos no São Paulo, o Clube da Fé, da moeda em pé, do bonde de Leônidas, para disputarem o fim desse Brasileirão de 18.
Messi e Ronaldo são dois dos jogadores mais refinados que a bola já amou. Um é um artista sublime e o outro o cara mais objetivo de todos os tempos, uma objetividade tão intensa que vira o fio e o transforma na própria subjetividade da bola. Deve ser estranho explicar como um time absolutamente rocambolesco como este da Argentina conseguiu marcar três gols na França e imaginar um empate, tamanha a diferença técnica e tática entre as duas equipes. Mas nesta estranheza, a única explicação possível passa pelos pés do número dez, do chute a gol no tento da virada portenha e no lançamento para o último gol contra os franceses e, essencialmente, na matada de bola, no domínio, na passada e no arremate para o gol contra a Nigéria. E, é impossível imaginar Portugal sem Euzébio e sem Cristiano, é como matar a Camões.
Todos sabem da existência de mundos paralelos, espero. Há uma sofisticada teoria da física que explica o universo por feixes paralelos, contínuos, infinitos. Me parece cada vez mais óbvio que eventos como a chicotada que deu o zagueiro Pavard na redonda no gol de empate francês é um desses fenômenos que abre uma fenda definitiva no universo. Olhar o lance e escutar o barulho do chute e do emaranhar nas redes, a trajetória da bola é nítida: há um outro universo ali, começando, um big bang.
A bola, ela, sempre, escolhe seus afetos. O gol de cara que Cavani fez, depois das parábolas vividas e vivenciadas por ela nos passes - lançamentos - entre ele e Suarez, e o segundo gol, do mesmo Cavani, num arremate de cinema três dê, levaram este nosso velho universo em guerra a uma nova dimensão. Ficou evidente ali uma bela relação de amor.
Assim como ela tem com a nossa Marta e a infinita Formiga, que também não ganharam mundial...
30 de junho, 2018. França e Argentina. Uruguai e Portugal.
sábado, 30 de junho de 2018
Silêncio sorridente
Outro dia vi um vídeo filmado em Beirute, no Líbano. Era uma espécie de cortejo, onde as pessoas levavam um caixão com a bandeira da Alemanha, como num cortejo fúnebre. Mas repleto de buzinas e um tambor. E quem acompanhava o cortejo eram pessoas vestidas com a camisa da seleção brasileira, portando bandeiras do Brasil. O vídeo foi filmado no dia dos jogos de Brasil e Alemanha, na data de desclassificação dos alemães desta copa da Rússia.
Por aqui a gente não tem a menor noção do que representa a seleção brasileira de futebol. Não tem a ver com a CBF, com o governo de ocasião, com a patrocinadora da camisa. Em países como Bangladesh, Índia e Haiti foram relatadas histórias comoventes, emocionantes, bárbaras, de torcidas pelo Brasil, com gente pintando rua, fazendo oferenda, arrumando confusão com vizinho. Há uma identificação com a seleção, que é política, cultural, esportiva, lúdica. As matérias foram publicadas nos grandes portais e nos excelentes portais de futebol, como o Trivela. Ouso aqui uma digressão de boteco: a química entre a seleção brasileira é comparável às torcidas dos grandes e ricos times europeus, mas com uma dimensão fantástica, por ser uma aproximação por afinidades culturais, esportivas, política. Sim, politica no sentido de um reconhecimento da mágica que é um país pobre, miserável, com uma história repleta de assaltos, ganhando por cinco vezes o torneio mundial de futebol.
Argentina, Uruguai e Brasil desafiam a lógica no assunto futebol. No esporte que todos os povos praticam e gostam, três países periféricos conseguiram feitos impressionantes e rotineiros. Enfrentam ombro a ombro e com vantagens, muitas vezes, os colonizadores, desafiam as potências, fazem os Estados Unidos parecem uma republiqueta de merda, como o cinema americano adora e reiteradamente retrata os países mais pobres de todo o mundo. E, o Brasil, o Brasil, meus caros, é a seleção que está sempre lá, que todos sabem que pode ganhar o caneco. Não faço aqui uma patriotada qualquer, que patriotismo é uma ideia idiota, feita para alimentar ódios que afastam o pensar daquilo que realmente importa. Falo de uma importante questão de estima, de levantar cabeça, de sonhar. A capacidade de sonhar.
Estamos sendo negligentes, muito, com o futebol como este elemento simbólico do Brasil como civilização. Entregamos o futebol ao negócio, deixamos um falso discurso de que são negócios privados os agentes que regulamentam o esporte. Perdemos a imensa oportunidade na copa passada, realizada aqui, de transformar o nosso mundo. Deixamos que um cafajeste como o Marin, algoz de Vlado, colaborador ativo da ditadura militar, fosse o "organizador" da Copa, presidindo a CBF. Deixamos a federação internacional de futebol associação criar leis, regras, conveniências. Fomos covardes. Continuamos sendo. Nunca que a fifa seria mais forte do que nós numa quebra de braço sobre os rumos do mundial, porque o mundial não pertence à fifa, embora queiram narrar assim. O mundial é aquele vídeo de Beirute. O mundial é o gol do Panamá e a festa do primeiro gol em copas num jogo onde tomavam de seis. Os donos do mundo cagam as regras nas nossas cabeças porque a gente não reconhece o nosso lugar, nossa força, nossa vitalidade. A gente prefere alimentar uma "rivalidade" com a Argentina ao invés de organizar um campeonato com o hermanos em Bangladesh, na Palestina, no meio do Kosovo ou participar da Copa da África como país convidado.
Não foi por acaso que instrumentalizaram o uso da camisa da seleção para os eventos patéticos que jogaram o país nesta selva de desesperança. Porque reconhecem a força simbólica e querem domá-la, para longe de nossas "Bangladeshes".
Tem um filme lindo chamado "Shooting for Sócrates", que conta a história da Irlanda do Norte na perspectiva de um menino que adora futebol e do jogo entre irlandeses e brasileiros na copa de 1986, no México - aquele jogo do gol do Josimar. A seleção brasileira é um instrumento que produz sonhos. E é esta a capacidade, a de sonhar, que nos transforma, a todos. Mais do que torcer pela seleção a gente precisa recuperar o que é nosso.
Esta sexta que passou, primeiro dia sem jogos na copa da Rússia, fez aniversário de 60 anos do caneco na Suécia. Devia ser feriado nacional. E não estou brincando.
29 de junho, 2018. dia sem jogo, véspera das oitavas. Sobre o filme: http://www.cafecomfilme.com.br/filmes/driblando-a-guerra
quarta-feira, 27 de junho de 2018
Contos de Leiteria
Devo ter organizado uns mil campeonatos de botão quando era moleque. A maioria desses campeonatos joguei sozinho. O Estrelão no meio da sala, times espalhados pelo tapete. Até a mesa de jantar era estádio, abrigava finais de Maracanã. Obviamente, por razões absolutamente evidentes, o São Paulo costumava faturar muitos torneios. Eram raras as derrotas do tricolor. Mas houve uma Portuguesa de Desportos, de Enéas e Wilson Carrasco, que numa tarde, entre o Speed Racer e o Savamu Demolidor, produziu um milagre para erguer catedral.
A finalíssima do torneio tinha que caber no tempo entre os desenhos. A história de Savamu estava empolgante, ele devia enfrentar algum gigante tailandês depois de ter sido derrotado numa primeira luta e treinado sozinho numa floresta para a revanche. O famoso chute no vácuo foi treinado contra árvores e o lutador saltava e caia numa fogueira que ficava no relvado. Ou seja, não dava para perder. O fato é que Portuguesa e São Paulo entraram no campo logo após o Corredor X salvar pela enésima vez o pescoço do irmão. A campanha da Lusa tinha sido excelente. Enéas estava literalmente possuído. Acho que na semifinal destroçou o Corinthians de Palhinha e Geraldão. Se não foi o timão, a vítima deve ter sido o Palmeiras, de Beto Fuscão e Polozzi. Já o São Paulo teve uma vida mais tranquila, vencendo a Ponte Preta de Dicá, o Guarani de Zenon e triturado o Fluminense de Edinho e Pintinho. Lembro de tudo. Arrepia contar o que aconteceu depois...
Na partida, numa saída de bola, eu literalmente escorreguei a palheta que comandava as ações do volante Almir. A bolinha chata de jogo de War resvalou no Wilson Carrasco e foi parar no fundo do gol do Valdir Peres. Inacreditável. Eu quase invalidei o gol, não tínhamos árbitro de vídeo, meu irmão devia estar no quarto, meus pais trabalhando. Ninguém ia saber de nada. Mas a consciência, sei lá porque, pesou. Gol. E pronto. Tinha tempo para virar. O que se sucedeu foi um massacre. O São Paulo bombardeava a defesa da Lusa. Eu jogava usando uma regrinha de cinco toques para cada time em cada jogada. Nas saídas de bola da Lusa, misteriosamente, as bolas batiam nos botões do tricolor. Mudava a posse da bola, então. O relógio correndo. Os comerciais da groselha Milani e do DD Drim, "nesta festa preciso por um fim", indicavam que em poucos minutos começaria a luta do século. Dei uma porrada num jogador do São Paulo, dentro da área. Expulsei o zagueiro da Lusa. Marca da cal, penal, bateu, o goleiro Moacir pegou. Palavrão. Na tela da TV, a música do Savamu: "Ele se julgava o demolidor, ele se julgava o demolidor".
Mas o assombroso, o sobrenatural, ainda estava para acontecer. Da defesa do goleiro a pelota foi parar nos pés de Eneás. Ou seja, bola com a Lusa. Displicentemente eu toco com a palheta no botão. A bola ganha uma força sobrenatural e cai na gaveta do Valdir, encobrindo Oscar e Dario antes de morrer no fundo da meta. Dois a zero. Depois daquele dia nunca mais duvidei de fantasmas e que espíritos comandam por vezes as partidas de futebol. Confesso que remoí todos os lances e quase que me estraga o desenho, inconformado que estava. Anos depois, lendo Nélson Rodrigues, reconheci na leiteria o Castilho que morava no Enéas do meu jogo de botão da Portuguesa. Entendi tudo.
Dias depois, Eneás foi transferido para a Itália, acho que para o Bologna. Mas no campo de botão lá de casa virou uma entidade e resolvia sempre jogos impossíveis. Cheguei a escalá-lo no lugar do Éverton numa quinta feira a tarde chuvosa e sem tv em casa. A única partida que fez pelo São Paulo.
Vendo a partida da Argentina contra a Nigéria, revi e reforcei minhas crenças. Não foi o Eneás, evidentemente. Mas aquele gol do lateral esquerdo, de perna direita, que segundo a própria mãe do jogador em entrevista aos periódicos portenhos só servia para subir nos degraus do ônibus, aos quarenta e larai do segundo tempo, foi de Batistuta, que encarnou no pé do lateral, ali, bem ali, e aos olhos de toda a multidão do mundo.
26 de junho, 2018. Argentina e Nigéria. Islândia e Croácia. França e Dinamarca. Peru e Austrália.
domingo, 24 de junho de 2018
Amarrações para o amor
Muito e muito se fala do drama argentino nesta copa. Do drama brasileiro, menos dramático, mais novela das oito, mas drama. O drama alemão, atenuado no milésimo final de uma partida em que a toalha já teria sido jogada fossem outros dramas. O drama italiano, que nem para copa veio. E todo jogo da Celeste é um drama. Queria falar de outro drama, porém, que parece não existir nos cérebros mais retilíneos. Mas existe, com a força repleta de ancestralidades...
No fim do jogo entre alemães e suecos, o juizão dando cinco minutos de acréscimos, pensei duas cousas: a primeira, era muito tempo para a Suécia se segurar. A segunda, caçarola, o México, vai sobrar para o México. Osório é nesta copa o São Paulo Futebol Clube de "sombrero", sabemos.
O gol alemão no fim, do cara que nunca erra passe e quando erra passe faz gol no último milésimo e se redime zerando a estatística, colocou água na tequila do grupo. O México fez uma partida muito linda contra a Alemanha e ganhou dos coreanos do sul numa partida relativamente tranquila. Mas tomou um gol no fim, diminuindo saldo. Vai para a rodada final com saldo de dois gols, seis pontos. E pega a Suécia, um time burocrático, mas saidinho - foram os suecos que eliminaram os italianos da copa e quem elimina a Itália merece o benefício da dúvida, sempre. A Suécia tem saldo zero, três pontos. Na outra ponta, Alemanha, três pontos e zero de saldo, contra a Coréia do Sul, zero ponto e dois negativos de saldo. Em tese, todos com chances. Mas com um olhar otimista para os mexicanos. E aí reside o drama, no otimismo. O otimismo é para os latino americanos o equivalente ao "só que não" das redes sociais.
Dos povos que tem o futebol como segunda pele, é o México que carrega o fardo mais pesado de falhar em momentos agudos. Os de memória mais pródiga vão lembrar de eliminações impossíveis, como a da copa passada, quando o México perdeu o jogo das oitavas para a Holanda numa reviravolta inacreditável, num jogo onde parecia impossível que perdessem. E notem, passando pelos holandeses, enfrentariam pelas quartas a Costa Rica, um adversário que o México enfrenta todo ano, conhece esquema, capital, aeroporto, pina colada. Era caixa a vaga na semifinal.
O fato é que México e Suécia tem tudo para ser o jogo mais dramático de todos os tempos. A Alemanha ganhando da Coréia e fazendo saldo, e no jogo de cá aquele empate com bola na trave, juiz errando penalti, o VAR mais complicando que ajudando, torcida gritando. E Osório lá, pensando no que fazer. Osório, o profe, é o único capaz de levar o México ao delírio supremo: não descarto sequer o caneco. Mas, sei lá, num rompante tira o lateral mete um centro avante, recua o ponta para marcar e transforma em autopista libre de percalços uma das alas do campo...
Osório, um empatezinho e estamos lá. Só um empate. De qualquer forma já vou amarrar umas revistas suecas antigas e fechar as amarras num cadeado velho.
23 de junho, 2018. Alemanha e Suécia. México e Coréia. Bélgica e Tunísia.
sexta-feira, 22 de junho de 2018
Os orixás da bola
O primeiro gol da Nigéria, na partida de hoje contra a Islândia, é a explicação mais evidente das razões que fazem o futebol ser imortal. Até o milésimo de segundo anterior ao início da correria do lateral - ou ponta, meia, atacante, zagueiro, tanto faz - que lançou a bola para o domínio de Musa, na área islandesa, noventa por cento do mundo imaginava que a Islândia acabaria achando seu golzinho, se fecharia em copas, quase carimbando a vaga para a segunda fase.
Ocorre que a bola tinha outros planos. Gosto de pensar na redonda como um ente mágico. Mas inerte, quase sempre. Mas um carinho, um afago, um sopro, uma canelada, uma matada no peito ou uma desengonçada cabeçada podem despertá-la. Desconfio que foi o que ocorreu quando o jaqueta onze na Nigéria se lançou ao universo em direção a linha de fundo. O lançamento. A parte de fora do pé de Musa. E ela se recolhendo ao campo do chute, matreiramente, dando um quique que a deixou exatamente da ponta da chuteira do sete africano. E vai descansar gostosa no fundo da meta, para um mundo atônito. A beleza, plástica, mas do efêmero: A Nigéria voltava para a copa, trazia a Argentina de volta ao baile e, trazendo a Argentina, acolhe novamente a Messi. A Nigéria, que ao lado dos Camarões de Roger Milla, embala a mais tempo o sonho de um caneco inédito africano. Se a dança senegalesa emociona e nos redime, a Nigéria de volta ao sonho é um parque de diversões onírico. Com um gol desses... um gol que explica tudo.
A grande copa de Neymar seria a de 2010. Lá naquele antes, em terras sulafricanas, o menino já ensaiava seus passos de virtuose e ballet no Santos de Pelé. Não foi convocado, porque Dunga, um dos melhores volantes volantes que o mundo já viu, é um eterno ressentido - queria ter sido meia desconfio. O time de 2010 chegou na África do Sul super favorito. Ganhou de todo mundo na véspera. Com contragolpes fatais. Mas no torneio foi mal, muito mal. A contusão de Kaká matou o esquema de Dunga e sem Kaká o time se revelou excessivamente quadrado. Neymar ali seria a chance das geometrias, era um ilustre desconhecido e faria do mundo mais um zagueiro joão. Hoje,oito anos depois, Neymar é mais conhecido e manjado que muito artista de cinema americano, desfila, se exibe, demanda. É brilhante, mas não tem mais aquele frescor que o deixava incólume perante as vicissitudes e as labaredas do mundo, as nossas e, também e também, as dele.
Um ano antes da copa de 2010, na Nigéria, num mundial de quase meninos, chamado oficialmente de Sub/17, houve uma partida entre Suíça e Brasil, no Estádio Nacional de Abuja. O Brasil tinha Alisson no gol, tinha Casemiro, tinha Coutinho e tinha Neymar. Um timaço. A Suíça tinha Seferovich, Rodriguez e Granit Xhaka, que são titulares do time nesta copa do mundo e estiveram em campo no empate inaugural da semana passada. A partida acabou 1x0 para a Suíça, o Brasil foi desclassificado na fase de grupos.
Aliás, o gol de Xhaka, hoje contra a Sérvia, foi um golaço de marca, um pelotaço com raiva de fora da área. Daqueles gols que ecoam. A Suíça pode não ir longe nesta copa, mas em 2009, foi quem levantou a taça. Vencendo a Nigéria na finalíssima.
22 de junho, 2018. Brasil e Costa Rica. Suíça e Sérvia. Islândia e Nigéria.
quinta-feira, 21 de junho de 2018
O tango do sexo das corujas mortas
Ser desclassificado de qualquer torneio é morrer um pouco, sempre. Desde a desclassificação evidente, que só machuca o peito, até aquela que é cruel, com requintes de filmes B e temperos de fim de mundo, que chegam a dilacerar tecidos.
Lembro de um pelotaço de Ademílson, atacante vindo de Cotia, no São Paulo numa fase eliminatória de Libertadores, contra o Galo, em pleno Morumbi. A bola absolutamente lasciva, pingando na área, goleiro batido e o nosso atacante dá um chute galaxial, a redonda virando satélite. Já estávamos com dez em campo, desconfio, mas um gol ali era batata e classificação. Passei a semana fechando os olhos e a imagem que aparecia era o satélite quicando na lua.
Se o jogo é de quarta a noite, virá o combo insônia, refluxo e saudade, rememorando o que poderia ter sido. É uma das sensações mais intensas que alguém pode viver. E sobreviver. Porque o campeonato seguinte começa em breve.
O cacete de uma eliminação na Copa é que existe uma maldição a mais: somente dali a quatro anos é que o gato que desvencilha do telhado. Sim, tem a questão das eliminatórias, que podem piorar o gosto de café frio. Ou seja, o dia que se sai da copa é um dia moribundo. Ainda mais se as conexões com o seu time estão presentes, em afeto e carinho.
É evidente que os peruanos estavam de caso amarrado com o selecionado. Todas as matérias de recheio das coberturas esportivas do certame russo apresentaram rostos pintados de vermelho e branco, exaltando as qualidades do time, fazendo barulho nas ruas e nos estádios. A festa na partida de despedida do Peru de Lima, numa partida contra a Escócia, se a memória não me trai, foi daquelas deliciosas quizombas, de dar um tiquinho de inveja, remorso, espinha de peixe na goela. E o Peru já está fora da Copa, apesar de ter feitos dois jogos bastante razoáveis. Hoje o vermute não foi digestivo.
Vi boa parte do jogo entre franceses e peruanos. De uma lado um time enjoado, com muita qualidade aparente nos toques de bola e com um volante descomunal de bom, Kante. Mas um time confuso... por não encontrar uma palavra mais adequada para descrever o trem. Do outro, um time brioso, mas cheio de incompatibilidades entre a bola e os pés. Mas os sulamericanos jogaram como puderam, emparelharam o jogo. Lá pelas tantas, partida já com o placar de um a zero, a bola vem em direção a um dos peruanos menos famosos e o cara acerta na veia da redonda, dá para ouvir o barulho quando escrevo. Do pé na bola, um movimento levemente curvo, parecendo reto, um canhão. O tempo pára. A transmissão da tv, a narração do rádio, a respiração. Numa velocidade incrível e inapelável, a bola passou pelo goleiro e explodiu no travessão. Ali onde a coruja faz ninhos. Ali onde os sonhos viram passado. Ali onde não há o chuá delicioso do som da pelota se emaranhando as teias da baliza e, sim, um estalo de ferro. Excesso de ferro, revelam os exames de sangue, problemas de fígado. A eliminação se deu ali. Nunca mais. Quando a bola volta ao campo de jogo ela já é outra, deformada, rasurada.
É lindo também, nesse jogo de palavras e sentidos, que nós chamamos em muitas obras de arte, na literatura, nas telas e nas alcovas, o momento do orgasmo de "pequena morte". Como se depois, não houvesse mais nada. Deve ter sido o que Modric sentiu depois de desferir o chute que resultou no segundo gol croata contra a Argentina. Croatas e peruanos morreram um pouco hoje. Os argentinos não: seguem vivendo em seu tango dramático, "por una cabeza".
21 de junho, 2018. Dinamarca e Austrália. Argentina e Croácia. Peru e França.
sábado, 16 de junho de 2018
Como sói acontecer
José Sérgio Presti, o Zé Sérgio, ponteiro esquerdo do São Paulo no fim dos setenta e começo dos oitenta - e que depois jogou no Santos, no Vasco e no Japão, foi o meu Pelé. De certa forma foi a partir de suas jogadas, de seus dribles e avanços, de seus gols, que comecei a ver o mundo com mais carinho pela esquerda do campo.
Foi num natal entre 77, e aí deve ter sido Papai Noel, e 79, e aí devem ter sido meus pais, que ganhei os primeiros times de futebol de botão, meus grandes e saudosos camaradas, que me acompanhariam brincadeiras e vida adentro. Eram dois times de botão daqueles de acrílico, de prenda de festa junina, do São Paulo e do Santos. E junto aos times, o Estrelão, o meu Morumbi. Escalo o time que fez a partida inaugural, em voz de repórter de campo: "Valdir, Getúlio, Bezerra, Chicão, Neca, Serginho e... pela ponta esquerda, confirmado, Zé Sérgio, com a ooooonze!". No Santos, tinham Nilton Batata, Rubens Feijão e Juari. O jogo deve ter acabado com vitória tricolor, provavelmente por goleada. Mas, certamente, Zé esmerilhou: fez gol, passou, driblou, bateu lateral, escanteio, foi zagueiro e tudo mais. Eu tinha um caderninho que anotava os jogos e resultados das minhas partidas. Quando o caderninho se fechou, devia estar na faculdade já, o Zé devia ter uns mil gols.
Aquela jaqueta onze foi motivo de sonho. E de dores: Zé teve a carreira abreviada por contusões, por ter quebrado a perna e por um episódio de doping por causa de Naldecon ou dalgum tipo de antigripal similar. Odeio remédios, abaixo a medicalização! Os zagueiros só paravam o Zé na porrada. Eu chorei quando o Zé, voltando do estaleiro, teve uma recidiva num jogo de meio de semana. Naquela época, na Record, durante o bangue bangue a italiana, os resultados dos jogos do campeonato paulista eram mostrados por pequenos tipos na parte inferior da tela. Os faroestes espaguetes e o Zé Sérgio. Memórias, sempre elas. E trilha do Morricone.
Não importam os analistas econômicos dizerem todos os sacrossantos dos dias que para a economia ir bem temos que ter austeridade, equilíbrio fiscal e aquele monte de discursê sobre competitividade, eficiência, gestão privada e lufts. Para mim, o fato, o dado concreto, o calor do asfalto, Zé Sérgio foi o maior craque que vi jogar. As vezes eu acho que estes comentaristas esportivos, a tal crônica especializada, repete uma série de numerozinhos e obviedades para encaixar realidades em suas teses, para dizer que um time ou um jogador são melhores que outros. Mas é o bolsa família que tira as pessoas da miséria, que inclui famílias e famílias no tal mercado, é o SUS que possibilita algum tipo de atendimento quando a saúde falha. Planilha boa é a do excel, quando resolve teu dilema ou quando preenche as classificações dos grupos automaticamente depois dos palpites no bolão.
Cristiano Ronaldo é um Zé Sérgio, desconfio. Mas é, em sua intensidade e objetividade, uma aula de economia. Dizem das vaidades de Cristiano, de sua soberba de quem sempre anda de queixo erguido, de seus gols de penal e até dos cremas que passa na face. Mas ali, no petardo, no cotidiano, nos diversos e rotineiros mísseis que viram golos, sempre o vejo abraçando os camaradas de time e sorrindo para algum guri que vive no Tejo...
Uma última notinha, antes d´ir: Hoje, no meu Estrelão, provavelmente o Zé estaria a tabelar com o Cavani, procurando algum jeito de retribuir o Dario Pereyra, o Pablo Forlan, o Lugano e o magnífico Pedro Virgílio Rocha, um Sérgio Leone das quatro linhas.
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - Finito
O fato é que no rocambole todo, na receita do pão de ló, o jogo foi bom, muito bom. Tons dramáticos, um time que resolveu ocupar a Baviera com bem postados e um Sabella cuspindo fogo na lama da vergonha dos sete a um, mostrando aos anfitriões que um time pode, sim, ser time e não um catado no milharal. Um outro time que tem a posse da bola como recheio, num avance uma casa o tempo todo, o tempo todo. Como estratégias, jogo, brinquedo, uma beleza. Uma boa final para uma copa, que ao fim de tudo, no campo, foi diferentemente boa.
Uma arbitragem no limite entre o vacilante e o equívoco notável, mas acertando sempre, conferindo aquele ar de tango para o samba todo. Pontapés graciosos, disputas de bola aos tapas e corações. Talento. Toque e recebe. E Messi, sempre aquele esperança de resolução. E Neuer, um goleiro que impressiona pelo fato de transpirar uma certa intransponibilidade atemporal. E toque e recebe. Tocar e receber, tocar e receber, tocar e receber. Avance uma casa.
O mundo, redondo como ela, precisava de uma copa menos tíbia. As seleções estavam com muito medo, muito medo, muito medo. Era um deus nos acuda, saravá, põe gente pra marcar. O medo nauseabundeava as seleções, que iam murchas. Os jogos chateavam. Um ou outro inspirava alguma admiração, mas só. Mas aqui em 2014, por uma série de fatores terrenos e astrais, humanos e espirituais, os times resolveram que o medo de amar não faz ninguém feliz. Há a exceção do Brasil, infelizmente, que foi incapaz de entender sinais e nossas próprias canções - ficamos nas marchas militares e nas preces para um deus só, que, ocupado com outras tarefas, obviamente nos negou auxílio. O Brasil foi premiado pela sua teimosia e auto suficiência - arrogância e prepotência em futebolês clássico -, com um olé nas fuças, nas ventas todas.
E na finalíssima tivemos todo o enredo. Apesar do jogo estudado, a Alemanha parecia querer o gol, tinha apetite e não medo. E a Argentina, gato na espreita, só na espera. E foi na manha. E quase que fizeram o gol... E aí a bola é alçada e nina no peito do menino alemão, preparando-se para o desfecho fatal, pintura. Gol. Campeões. Mais uma vez. Com toda a justiça, esta improvável.
Os mundos estão a comentar as injustiças do prêmio de melhor jogador para Messi e de Oscar, juro pelos sacrossantos todos que Oscar foi escolhido como um dos melhores do mundial, enquanto em alguma dimensão paralela, uma que é redonda é não galhofa, redonda como ela, o menino que nasceu ontem, ao término do jogo, foi batizado simplesmente de "Bastião". Uma corruptela daquele nome repleto de esses e dablius e cês, camisa sete - sim, camisa sete, sete para não esquecermos, não podemos - da seleção alemã.
Valeu, Bastião. Inté a próxima.
_______________
Nota rodapé: Obrigadão, para quem acompanhou as Amaraladas na Copa. Foi muito legal. Foram trinta e três textos. Há tempos não escrevia tanto, nem nas milongas em formas de petição. Quem sabe, voltamos em 2018. Ou nalguma edição extraordinária da equipe de esportes da Rádio Popular....
E sobre a tal Rádio Popular, o texto é este: http://copanofiodobigode.blogspot.com.br/2014/06/amaraladas-na-copa-14-sete.html)
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - XXIX
Odeio esse negócio de clubismo. Acho um saco. Já disse isso aqui e como sou um cara obsessivamente repetitivo, repito.
Acho o fim da picada esse negócio de analisar seleção pensando no clube. Se tem alguém do time, vermute, limão e gelo no copo. Não tem, aquele azedume azedo e cara feia e mau humor. Que coisa...
Mas tem um "clubismo" piorado quando a gente fala de copa e de seleção. É aquele que define quem é quem na copa, nas infindáveis listas dos melhores e eteceteras e tals. Porque aí, mesmo um time moribundo, porque é o nosso país e cousa e lousa, tem sempre um queridinho da seleção do torneio. Um prêmio de consolação para as mágoas. Acho isso o fim da goiabada, cascão e com muito queijo. E neste caso, sem beijo da mulata.
A derrota de sete tem lá suas virtudes, neste vesparéu todo. Ninguém vai colocar ninguém do time brasileiro na esquadra do mundial. Quando a gente perde o rebolado, melhor perder de vez as vergonhas todas, mas mantendo a classe.
Nossos zagueiros podiam estar na lista, alguns resistentes ainda dirão. No que respondo que um sacode de sete, cabal e cabalístico, não permite galhofas. "Mas e o Tiago?". Ora pro nóbis, Tiago tomou o amarelo mais bunda da história dos amarelos. "Mas o juiz foi rigoroso, ele não viu o goleirão Ospina." Bom, duendes existem e ele empurrar a menina pelota para o gol vazio, jogada parada, vale o amarelo só de pirraça.
Feitas estas observações singulares e sempre isentas - um traço de personalidade feroz deste que vos escreve - escalo minha seleção do mundial de 2014. Antes da final, que quem escala depois da final é um pouquinho como comentarista de arbitragem depois do décimo vetê tira teima leima leiba.
Anotem os clássicos.
Na defesa: Navas, da Costa Rica no gol. O alemão e capitão multi funcional Lahn na lateral direita. O zagueiro, também germânico, Hummels, de um lado. E o costa riquenho Gonzales na outra. Na lateral esquerda, um indiscutível Álvaro Pereira do Uruguay. Aliás, tivesse o Uruguay ido mais longe o lateral sin duda ninguna era candidatérrimo à bola de ouro.
Na linha média, onde o agrião deveria ser cultivado: Mascherano, da Argentina. Tony Kross, da Alemanha. Lionel Messi, de todos nós. E James Rodrigues, da Colômbia.
No ataque, onde o agrião é zona: Robben, da Holanda. E Muller, da Alemanha. Opa... goool da Alemanha.
O melhor do torneio? Putz... divido o prêmio em dois, que sou chegado numa confusão de conceitos: O jogador mais importante do torneio, Mascherano. Por razões óbvias. E o melhor jogador da copa, o Kross da Alemanha. O que ele fez na terça foi só a cereja.
É isso. E... Vou ao sal de fruta... deu uma azia leve aqui. De novo.
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - XXVI
Talvez a beleza desta Alemanha e desta Holanda, nas semifinais do Mundial, esteja numa leveza estranhamente inquietante para nossos padrões chauvinistas no trato com o ludopédio.
Carregamos, brasileiros e argentinos, uma culpa infinita nas costas. E por isso inventamos as concentrações, com suas regras, seus pactos, suas futricas. Carregamos a responsabilidade de sermos um time, mas uma nação. Convenhamos, esse caldo desandar é mais fácil que creme de leite passar do ponto na hora de esquentar o estrogonofe. Basta escapulir atenção e pronto.
Deixamos fazer crer e acreditar que uma vitória no futebol - e, em especial, num mundial - é uma efeméride ainda maior que nossas próprias civilizações. O futebol redimirá nossos pecados.
Já alemães e holandeses desfilam suas alegrias pelas praias da Bahia e do Rio de Janeiro. Tiram fotos. Cantam hinos de clubes brasileiros. Dançam. Trazem crianças para o campo de jogo. Se divertem. Sorriem. Estripulias. Cantam. Há uma alegria ali, que provavelmente um dia foi nossa, pela disputa em si, como num jogo de traves improvisadas. Sim, devem estar pressionados e o futebol, essencialmente na Alemanha, é, sim, uma questão de estado. Mas o futebol é mais um elemento no caldo. Um tempero. Para nós, não.
Por mais que Gaal seja arrogante, prepotente, há uma diferença com as bigodadas de Scolari. Felipão trata a questão como um problema de estado, os traidores, os desgraçados, os do contra. Gaal é só chato, mas trata do futebol, espinafra a fifa, coloca o pingo no i, briga com os jornalistas, mas não temos a pátria em questão. Há um limite. Um limite interessante se conseguirmos observar de longe. As diatribes do treinador holandês dentro do campo do jogo tem um tipo de cálculo em que é o jogo que importa, tabuleiro. Nossas peripécias são outras: não nos esqueçamos, nunca, da bola arremessada pelo nosso banco de suplentes em direção ao campo do jogo, para atrapalhar uma jogada, para ter duas bolas em campo. Não podemos perder, em hipótese alguma.
A Alemanha, sisuda, sorri. O Brasil, que dizem alegre, sofre um calvário digno de um dramalhão, intenso, mas perverso. Sim, os hermanos estão no nosso barco também. Talvez esta intensidade seja um segredo e nos faça produzir outros tipos de combinações orgânicas estranhas aos demais praticantes do desporto que redundem em paixão no campo, aquela dedicação que trará um gol improvável, a superação, a vaga nas finais. Mas deveríamos aprender com os terceiro e quarto colocados do Mundial e buscar esta leveza. Com paixão e leveza poderíamos flutuar, voar e nunca mais perder um mundial. O problema é saber quem terá esta receita antes, se brasileiros ou argentinos... E, porque não, os uruguaios.
Não cogito a hipótese de ser outra final que não a de Brasil e Argentina. Há um enredo desenhado que exige sofrimentos, agonias, dores. A única pulga que me azucrina é que Alemanha e Holanda estão em campo com doces lascividades, tão belamente inspiradoras.
O perigo é este feitiço: o lúbrico sempre e sempre pode produzir encantamentos...
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - XXIII
Há um problema em exorcizar fantasmas de forma transversa. Porque fica pairando no ar, como espírito sem cabeça, o malogro da sorte.
Desclassificamos a Itália de Paolo Rossi logo na primeira fase. Tá certo que fizemos um descarrego na copa de noventa e quatro. Mas foi nos penais. Sem querer ser chato,sendo, sempre, precisamos despachar a azzura num desses jogos de mata-mata, para poder colocar toda a nossa frustração num grito só, com xingo e tudo.
O Uruguay deixamos chegar nas oitavas, para colocarmos no avião de volta depois de uma tunda, na exibição mais plástica de uma seleção até aqui. A Celeste lembrará de James por anos. Sim, nós ganhamos do Uruguay em setenta, viramos o jogo, Clodoaldo bailou. Mas sempre e sempre tem aquele engasgo tamanho Maracanã na jaca. Podíamos ter ganho deles aqui, faria bem.
Agora a França está em campo. Joga com a Alemanha e perde, findo o primeiro tempo: um a zero. O trasgo francês é mais recente e o fígado ainda se ressente daquela piaba de noventa e oito. E oitenta e seis. E dois mil e seis. Enfrentá-los seria divã puro e colocá-los num saguão de aeroporto com uma derrota traria paz, muita paz, nesses nossos corações em transe.
E a final contra a Argentina seria a coroação da despossessão. Não que os hermanos sejam alguma espécime de fantasma. Somos almas gêmeas. Mas seria lindo, naqueles exageros típicos da alma portenha, ganhar aqui, em casa, seis vezes e várias e várias canções de maldizer. Cantaríamos até o juízo final.
O problema do exorcismo transverso, me parece evidente, é que não tratamos os ectoplasmas - apud "Ghostbusters" - com esmero, deixando os vasilhames um tanto abertos. Qualquer falha, qualquer faísca e BUM!!!! Temos um país inteiro invadido por almas penadas de todos os tipos.
Oxalá que não.
De qualquer forma, já escrevi uns bilhetes para São Mané. Nenhum "joão" voltou do além até hoje, o que comprova a milagresa toda e toda desse santo protetor.
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - XXII
Calma com o andor que o santo é de barro. E, para variar, vamos aos fatos. A crônica de amanhã está pronta. Dupla face. Ganhando o Brasil, foi a vitória da superação, os meninos que se agigantaram, o choro maestro dos sentimentos, galhardia e opulência. Perdendo, bom, não valhem nada, time de frouxos e um rosário de infortúnios, evocando cinquenta, a tragédia, o complexo.
Mas haverá alguém a lembrar e escrever que o time "cafetero" é bom, muito bom. Joga sem muito compromisso com os fatos, só com a bola. Cuadrado é uma espécime de leveza, bailarino, ofegante inspiração. O toque de cabeça que ele deu para James Rodrigues no segundo gol contra os uruguaios foi de uma beleza monalisa, singular, mas de areia da praia, da sujeira da quadra da escola, com o gosto seco do asfalto da rua, com a imensidão dos treinos e treinos e treinos desde do infantil pé de moleque fraldinha e que tais. Notem, repetequem e considerem aquele toque sutil de cabeça como a prova definitiva da inteligência humana, da racionalidade, daquilo que nos distingue dos demais viventes: a possibilidade da poesia. A rima.
Haverá quem lembre de Yepes, com a idade dos anciões neste mundo que os homens ficam velhos antes dos quarenta, segurança, brigando, lutando, acompanhando atacantes que nasceram depois que ele já sabia ler, escrever, rimar e treinava em alguma rua de Cali. Haverá quem se recorde da simplicidade, da calma, da elegância de José Pekerman, o argentino treinador colombiano, duas nações que também amam esse trenzinho brincado com os pés.
Se a Colômbia perder amanhã - e acho provável, porque camisas jogam sozinhas, porque temos Paulinhos da VIola e alguma fonte de água pura que nos tira amarguras, bem nessas horas de exaspero - haverá um Amaral nascido em Bogotá que chorará, que lembrará de Paolo Rossi, de Zoff, de Scirea e do puto do Gentile que fez aquele penal no Zico que o maldito do juiz não marcou e da cabeçada de Oscar, no último minuto, o gigante Oscar, o melhor zagueiro da copa, para todo sempre. E escreverá nostalgias, sem saber que a poesia daquilo tudo é o que realmente importa quando vestir terno e conta pra pagar.
Espero que a crônica de amanhã não seja tão óbvia quanto às descritas no primeiro parágrafo. Ganhando, que busquemos algo além das obviedades da superação e reconheçamos que minimamente aqueles ali merecem estar ali, jogam por nós e por eles, com nossos erros monumentais mas não só. Mas, perdendo, que reconheçamos, de uma vez por todas, que há Cuadrados em outros lugares, mágicos como nosotros. Nada é mais parecido com o Brasil do que a Colômbia, nada.
Dá uma olhada no espelho e confere. Um café, por favor.
segunda-feira, 30 de junho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - Dez Mais Oito
"Tia....". Tia, não. Professora.
Nessas minhas manias de reduzir as cousas numa linguagem que eu possa entender, gosto de imaginar as Copas como um imenso interclasses, aqueles nossos campeonatos da escola, na época do ginásio.
Quem nunca entrou numa quadra, porque os campeonatos interclasses costumam ser de salão, num torneio que reunia da quinta à oitava, quando os pequeninos, recém saídos do primário, nem beijo selinho ainda, eram obrigados a enfrentar por essas tabelas desalmadas, aquele time da oitava séria, todo mundo no fatorial, barba, gazeta, fura olho?
O time da quinta era até muito bom. Pelota de pé em pé, saída de bola bem feita, cada um marca um, pivô e eteceteras e tals. Goleava impiedosamente naqueles recreios com futebol qualquer time e até faziam chacotas quando colocavam na roda os demais. Era impossível não pensar que seria sempre assim e ter esperanças. O time é bom.
Aí chega o campeonato. O interclasses. Onde moram perigos. Onde há torcida. Há beijos de recompensa. Há craques, prêmios, olhares de inveja e cobiça. Bola rolando e...
O fato é que o timaço da quinta série ganha uma, dá show e todos comentam que os meninos são colossais. Vão vencer qualquer obstáculo. Até que naquela partida decisiva, intervalo entre aulas, todo o colégio assistindo a peleja, um a zero, o time da oitava empata. No finzinho. Depois do grandalhão ter dado uma cusparada feia no chão, depois de uma dividida mais ranheta, depois de uma discussãozinha com o professor que é o juiz, porque não marcou falta naquela jogada ali. E antes do sineta, óbvio, o gol evidente do time mais experiente. Feito com calma, quando tudo já era coração. E foi daquele menino lá, justo aquele que eu queria ser, justo aquele lá que já ia receber o melhor dos beijos...
México, Chile e Colômbia devem saber na alma o que é este sentimento. Brasil, Alemanha, Argentina, Itália também sabem que podem resolver situações improváveis antes da sineta. As vezes não funciona, é verdade, mas é muito raro não funcionar para todos os times da oitava série concomitantemente. Eles parecem, inclusive, combinar entre eles quem vai ser o responsável por extirpar o coração do romântico do momento, furará os olhos como já furaram uma Dinamarca, uma Hungria, uma Suécia, um Chile, um México... uma Colômbia.
Mas e a Espanha? Bom, a Espanha é aquele time de sexta ou sétima série, que vez por outra belisca o caneco porque os times da oitava se mataram entre si. Mas depois, no outro campeonato, ficam lá na ansiedade entre o pega-pega, esconde-esconde e o gato mia...
E... acabou de sair um gol da França. Numa pipocada do goleirão.
"Tia........".
Nota do Feiceditor: Sabemos que por força da LDB o ensino fundamental vai hoje até o nono ano. Que antiga quinta é sexta, a antiga oitava é nona. Mas a memória é minha então mantenho no ferro velho.
sábado, 28 de junho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - Quinzão
Há certas cousas no mundo que deveriam ser tratadas com muito mais seriedade. Sim, digo dos programas de solidariedade internacional e das redes de proteção internacionais tentando mitigar o sofrimento de muitos, refugiados, expatriados, perseguidos. O combate intransigente contra a intolerância: de gêneros, de religiões, culturais, étnicos. E deveríamos cuidar mais, dentro desta lógica, de nossas identidades culturais, de nossas construções históricas - não só as construções com pedras, cimentos, argamassas, compasso, tijolo, cálculo, engenharia e tais - mas todas as construções que são fruto de nossa história: o samba, a valsa, o amor, a serpentina, a bola... o futebol.
Eu não entendo porque não é a ONU que organiza o futebol pelo mundo. Simplesmente não entendo. A ONU não é lá essas cousas, a gente sabe, tem muito mesmo o que melhorar, aprimorar, ser. Mas é uma construção importante, ao menos um indicador de que outro tipo de mundo seria possível, que outros mecanismos para resoluções de conflitos seriam necessárias, que não precisamos mais só de guerras. A ONU é um sonho. Mas é.
A FIFA é um balcão de negócio, principalmente depois que Havelange, aquele um que deveria ser esquecido pelo tempo e destinado ao ostracismo que nem o inferno é, é só esquecimento. Um pulha, com todo o perdão aos mais sensíveis e à família do cara. A federação deixou de ser o que Jules Rimet pensou um dia para ser só mais uma dessas multinacionais globais, cuja a pátria é só o crédito na conta de acionistas ou fedores assim. E o pior, a casa de tolerância monetária "organiza" uma daquelas paixões mortais que nos identificam como seres humanos - e, portanto, nos aproxima do sobrenatural, das deusas e deuses. Organiza e monopoliza um bem cultural da humanidade. E isso é lamentável, como processo histórico, político, econômico e cultural.
O futebol parou guerras e foi fundamento para outras. Mas não estamos falando só de um esporte que alimenta paixões. Estamos falando de nós. Estamos num Celtic versus Rangers. Estamos criando. Desde as regras simples do jogo, passando pelas inúmeras possibilidades que um time de onze jogadores, mais onze reservas, podem criar. Não é só para brutamontes, como vários outros desportos que necessitam da força física e do sobrepujar quase a morte o outro. Não é só talento e habilidade com os pés, senão não teríamos esta profusão de heróis cabeças de bagre, mas raçudos, onipresentes, volantes que desarmam e avantes que marcam com canelas, bicos de pé, púbis ou sei lá mais. Estamos a conversar e a construir, epopéias, vexames, desgraças, vitórias, derrotas, frangos, aritméticas, geometrias, sambas, livros, filmes, criação!!!!
A primeira fase da Copa no Brasil revelou muito disso. Que apesar dos fuínhas da federação, com suas echarpes no calor, com seu cheiro de colônia vencida, com seus arrotos, apesar dos cartões de crédito, dos bancos, das empresas de televisão, flui algo outro, que nos encanta. As histórias e as narrativas da copa de verdade, nas ruas, nos países, nos povos, no campo é fantástica. Sugiro aos mais incautos que persigam estas crônicas e relatos na copa em sítios como o Impedimento ou o Trivela. A história do garoto escocês que adora o atacante grego Samaras e o comovente depoimento do jogador sobre esta amizade. A façanha de Mondragon, o arqueiro cafetero que acaba de se tornar o jogador mais velho a atuar em um mundial, em três, na verdade. Drogba, que parou uma guerra em seu país. Eto se comparando a Obina e depois abraçando um moleque brasuca só pelo abraço. Das ruas de São Paulo, a cidade mais mau humorada do planeta as vésperas do mundial tomadas por uma intensa felicidade que se explica só e só pela bola, a esfera, a redonda, a menina, o balão. Do Maracanã, que vilipendiado, renasce num grito latino de chilenos,argentinos, uruguaios, colombianos e equatorianos. Do navio repleto de mexicanos. Das histórias de We Are The Bangladeshi Fans of Brazilian Football team, um país que não está na copa mas se reúne para falar, discutir, apreciar e se deixar encantar.
Do desespero dos conservadores americanos, porque lá nos States é o futebol que começa a despertar a multidão. Imaginem, no centro desta cultura mercantil, da vitória dos mais fortes, começarmos a apreciar o futebol como arte, como manifestação, como brinquedo e entenderemos as razões profundas deste temor. O futebol é outra cousa. E por isso mesmo não poderia ser tratado como simples mercadoria de gôndola.
Oxalá entendamos esta beleza e suas possibilidades, de fato infinitas... Merecemos. E muito.
A Fifa? Que vá a merda. Que é o seu lugar.
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quarta-feira, 25 de junho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - Douze
Bastam
dois pares de chinelo. E pronto, temos o essencial para um jogo de
futebol. Os chinelos serão as traves. Dividimos os jogadores, quase
sempre metade para cada lado e pronto: A esfera roda. Na praia, na
praça, na grama do quintal, na rua, na sala de jantar. E lá seremos
outros, ainda que por instantes. Eu já fui Zé Sérgio, o melhor jogador
de futebol do planeta. Já fui Chulapa, Dario Pereira e Getúlio. Com o
Grande e o Pequeno sou Rogéeeeeeeeeeeerio. Já fui Sócrates, Rocheteau e
até Boniek. E fui o arqueiro camaronês Nkono. E Tilico, Élvio,
Bernardão, Zé Teodoro. E enfrentei e joguei junto nas mesmas equipes de Zico, Biro, Jorge Mendonça, Dicá, Juari, Lato, Kempes. O Grande já
foi Luis Fabiano, Robben e Cristiano Ronaldo. O Pequeno, Lucas, Messi e
ambos já foram, vejam só, para desgosto paterno, Neimar.
Nesses jogos de chinelo pouco importa o que a crítica especializada acha dos craques, quais as notícias, quem vai casar com quem, se o jogador é bom de família, se cai na noite ou sei lá mais que saramaleques. Nessas horas o que realmente importa é o que o Zé Sérgio fez pela gente. E pronto. Mas a gente cresce....
Algo em Cristiano Ronaldo me incomoda. Me incomoda, e muito, a forma como que boa parte da crítica "especializada" trata o português. Cristiano é um jogadoraço, um gênio, decisivo, craque, sobrenatural. Mas o que importa é o cabelo, o olhar para o vetê, o exibicionismo e a arrogância. Ou as vitrines de roupa, perfumes ou sei lás que ele, como marca, ajuda a vender.
Cristiano Ronaldo, baleado, numa seleção frágil e fraca, no último minuto de uma partida foi capaz de um lançamento milimétrico, preciso, com açúcar, para encontrar a cabeça de Varela, no único instante possível. E não foi um gol inexpressivo. Foi o gol que manteve as tênues e limitadas esperanças portuguesas de classificação para a segunda fase.
O mesmo locutor que faz a pilhéria, no desdém do gajo, enaltece outro, que é também craque, genial no campo, decisivo, sobrenatural, mas que vende cabelo, marca de cueca, olha para o vetê e faz dancinhas, coraçõezinhos, vende badulaques. Não se pode, mesmo, agradar a todos. Mas podíamos ser um pouquinho menos críticos da grama alheia.
Ou lembrar dos chinelos de trave e deixar os chatos para o depois do jantar.
Nesses jogos de chinelo pouco importa o que a crítica especializada acha dos craques, quais as notícias, quem vai casar com quem, se o jogador é bom de família, se cai na noite ou sei lá mais que saramaleques. Nessas horas o que realmente importa é o que o Zé Sérgio fez pela gente. E pronto. Mas a gente cresce....
Algo em Cristiano Ronaldo me incomoda. Me incomoda, e muito, a forma como que boa parte da crítica "especializada" trata o português. Cristiano é um jogadoraço, um gênio, decisivo, craque, sobrenatural. Mas o que importa é o cabelo, o olhar para o vetê, o exibicionismo e a arrogância. Ou as vitrines de roupa, perfumes ou sei lás que ele, como marca, ajuda a vender.
Cristiano Ronaldo, baleado, numa seleção frágil e fraca, no último minuto de uma partida foi capaz de um lançamento milimétrico, preciso, com açúcar, para encontrar a cabeça de Varela, no único instante possível. E não foi um gol inexpressivo. Foi o gol que manteve as tênues e limitadas esperanças portuguesas de classificação para a segunda fase.
O mesmo locutor que faz a pilhéria, no desdém do gajo, enaltece outro, que é também craque, genial no campo, decisivo, sobrenatural, mas que vende cabelo, marca de cueca, olha para o vetê e faz dancinhas, coraçõezinhos, vende badulaques. Não se pode, mesmo, agradar a todos. Mas podíamos ser um pouquinho menos críticos da grama alheia.
Ou lembrar dos chinelos de trave e deixar os chatos para o depois do jantar.
Amaraladas na Copa 14 - "Onzimo"
Acordo. Peguei no sono e a rádio continuava a
falar de futebol. Das hipóteses, das hipérboles, de hiatos. Não sei mais
se sonhava e o som do radinho contaminava as ideias e varandas ou se
era mesmo sonho dos bons. Por lá o Irã ganhava dos argentinos.
Sim, vitória. Maiúscula, história, histórica, genial. E a festa em
Teerã era daquelas cousas inenarráveis, esperança de um mundo melhor,
tolerância.
Acordo assustado. Estava no meio do nada, um silêncio absurdo, a Renata desligara o rádio, provavelmente. Noite. Breu. Será? O jogo é daqui a pouco. Uma da tarde. E eu estarei no topo da Serra da Canastra, pensei. E se o rádio não pegar? E se o Irã ganhar, ave Maria e ave Maria Madalena, perderei este milagre? Sofro, antecipado. Durmo de novo. O gol de Messi equilibra as dúvidas. No fundo vai ser goleada e vamos ter que aguentar os argentinos dizendo loas e loas e loas. Eu adoro os argentinos, a Argentina, Diego é um santo e até concordo com as musiquinhas, porque se um foi muito melhor como jogador de futebol, incomparavelmente, Diego como personagem é "mas grande", sin duda alguna. Mas suportar aquele lererê todo dos hermanos é para testar qualquer amor, um saco estratosférico. Sai pra lá!
O fato é que no caminho do topo da serra o rádio pegava tudo. Fiquei tranquilo. Quem sabe a Argentina não ganhe de pouco? Mas se o Irã ganhar, eu não vou me perdoar... mesmo. Vai Irã!!!!!!!!!!!!!!
Acompanhar os jogos de uma copa pelo rádio é voltar no tempo. Mas é mais que isso. É acompanhar os sotaques todos do AM, perceber as variações sutis de narração e de percepção, perceber os nossos bairrismos, as nossas piadas caducas, o carioca, o mineiro e o paulista. Ouvir um jogo pela Rádio Nacional emociona qualquer um que conheça um cadinho do riscado, de Ari e Lamartine. E as vinhetas da Bandeirantes, da Globo e da Pan disparam emoções profundas. "Teeeeeempo e placar no Mineirão!".
Zero a zero. A bravura indômita desses iranianos é qualquer nota. De lá, um mundo tão distante e tão ofendido pela seletividade de indignações e pela exaustiva propaganda da metrópole e seu "way of life", conhecemos pouco mas reconhecemos sempre a bravura... desde a Pérsia! "O tempo passa!!!".
Pelo rádio, Messi jogava pedrinhas. E pedras colossais eu via pela paisagem da serra. Um curral feito com pedras, para passagens de gado. Pedras e pedras testemunhas de muitas coisas, entre elas uma das nascentes do Rio São Francisco, o mais brasuca dos rios, aquele que serpenteia nossa alma, vence o árido e se socorre nos mares de montanhas e oceano. E Messi? Cadê?
Quarenta e tralalá minutos. Ao caminho do fim. Últimas voltas nos ponteiros. Até que o arqueiro argentino teve que trabalhar, surpreendentemente. Era mais um zero a zero, definitivamente. Um eterno.
Lá na frente, uma "Garagem de Pedras". Um mirante absolutamente fabuloso da Serra da Canastra, da Babilônia, do Vão dos Cândidos. Um colosso. Deixei o carro com a porta aberta, rádio jogando, quebrando o silêncio. Faltava pouco.
"Bola com Messi.... atenção.... tocou.....". Ouvi os sussurros do silêncio e dos pássaros, ouvi todo o Mineirão gritando.... "E que golaaaaaaaaaaaaaço"!
Messi, senhoures e senhouras. Uma pedra, fundamental.
Acordo assustado. Estava no meio do nada, um silêncio absurdo, a Renata desligara o rádio, provavelmente. Noite. Breu. Será? O jogo é daqui a pouco. Uma da tarde. E eu estarei no topo da Serra da Canastra, pensei. E se o rádio não pegar? E se o Irã ganhar, ave Maria e ave Maria Madalena, perderei este milagre? Sofro, antecipado. Durmo de novo. O gol de Messi equilibra as dúvidas. No fundo vai ser goleada e vamos ter que aguentar os argentinos dizendo loas e loas e loas. Eu adoro os argentinos, a Argentina, Diego é um santo e até concordo com as musiquinhas, porque se um foi muito melhor como jogador de futebol, incomparavelmente, Diego como personagem é "mas grande", sin duda alguna. Mas suportar aquele lererê todo dos hermanos é para testar qualquer amor, um saco estratosférico. Sai pra lá!
O fato é que no caminho do topo da serra o rádio pegava tudo. Fiquei tranquilo. Quem sabe a Argentina não ganhe de pouco? Mas se o Irã ganhar, eu não vou me perdoar... mesmo. Vai Irã!!!!!!!!!!!!!!
Acompanhar os jogos de uma copa pelo rádio é voltar no tempo. Mas é mais que isso. É acompanhar os sotaques todos do AM, perceber as variações sutis de narração e de percepção, perceber os nossos bairrismos, as nossas piadas caducas, o carioca, o mineiro e o paulista. Ouvir um jogo pela Rádio Nacional emociona qualquer um que conheça um cadinho do riscado, de Ari e Lamartine. E as vinhetas da Bandeirantes, da Globo e da Pan disparam emoções profundas. "Teeeeeempo e placar no Mineirão!".
Zero a zero. A bravura indômita desses iranianos é qualquer nota. De lá, um mundo tão distante e tão ofendido pela seletividade de indignações e pela exaustiva propaganda da metrópole e seu "way of life", conhecemos pouco mas reconhecemos sempre a bravura... desde a Pérsia! "O tempo passa!!!".
Pelo rádio, Messi jogava pedrinhas. E pedras colossais eu via pela paisagem da serra. Um curral feito com pedras, para passagens de gado. Pedras e pedras testemunhas de muitas coisas, entre elas uma das nascentes do Rio São Francisco, o mais brasuca dos rios, aquele que serpenteia nossa alma, vence o árido e se socorre nos mares de montanhas e oceano. E Messi? Cadê?
Quarenta e tralalá minutos. Ao caminho do fim. Últimas voltas nos ponteiros. Até que o arqueiro argentino teve que trabalhar, surpreendentemente. Era mais um zero a zero, definitivamente. Um eterno.
Lá na frente, uma "Garagem de Pedras". Um mirante absolutamente fabuloso da Serra da Canastra, da Babilônia, do Vão dos Cândidos. Um colosso. Deixei o carro com a porta aberta, rádio jogando, quebrando o silêncio. Faltava pouco.
"Bola com Messi.... atenção.... tocou.....". Ouvi os sussurros do silêncio e dos pássaros, ouvi todo o Mineirão gritando.... "E que golaaaaaaaaaaaaaço"!
Messi, senhoures e senhouras. Uma pedra, fundamental.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
Amaraladas na Copa 14 - Quinto
Fui ver um dos jogos no Anhangabaú. Lá montaram os "patrocinadores" e a organizadora do evento um local com telão para assistir aos jogos. Paulistas somos inacreditavelmente jecas para muitas cousas. Como não temos praia, costumamos nos lambuzar nas farofas, com gosto. Até as narinas mais empinadas da gente bandeirante piratininga chegam na praia e pronto: mafuá, farofa milanesa na areia e queimadura. Nem adianta dizer que não. Quem nega, no mínimo é cafona. Bom... nós paulistas somos cafonas. Mas voltando à marola, como não somos uma cidade linda por natureza, nossos encantos são outros. E para desvelo é necessário um algo mais, um outro olhar que guais de turismo e de beleza não dão. E por estas e outras estamos inacreditavelmente desacostumados aos gringos turistas.
Chega a ser patético. Porque uma cidade pseudo cosmopolita, repleta de gente do mundo todo que mora aqui, quando vê um que não mora, só tá de visita, ficamos todos animados, como que vendo entidades sobrenaturais. Jecas. No estilo do Monteirão, um clássico do tatu.
E na tal tenda para os jogos o que mais tem é gringo. Contei sotaques. Contei dezenas, repito, dezenas, de camisas de países diferentes. Fiquei bestificado com tudo. Parecia criança em loja de brinquedo. Quando uns caras, um deles com a camisa da Argélia e outro da França, começaram a azucrinar um grandalhão coreano, com uma linda jaqueta do time da Coréia do Sul, gritando "Argélia", comecei a rir feito besta: Coréia e Argélia é um dos clássicos do grupo H.. Pinto no lixo, eu.
E tinha um francês ao meu lado. Puxei papo. O cara veio da França para assistir ao jogo do Uruguay com a Inglaterra, em Itaquera. Um único jogo. E nem era do país dele. Estava todo feliz tirando foto de tudo e comemorou o primeiro gol francês com uma felicidade de primeira mordida em quindim. Bonito que só. Falamos da copa e ele, em inglês tão ruim quanto o meu, me disse algo como "vim para me divertir".
São Paulo tem muito africano. Quem anda pelo centro, sabe, reconhece. Mas é difícil conversar com eles num dia normal. Porque no corre corre dos dias somos todos meio bestas, mais relógios que relíquias. Mas lá na tenda, ar aberto, era fácil. Um "oi", um sorriso, uma comemoração de gol. E eles sorriem bonito, né? Quem nunca ficou feliz com um sorriso deles, desses lindos, sabe pouco dos encantos do mundo, pouquíssimo. Só refrigerante, provavelmente.
E os latinos americanos!!! Senhoures e senhouras, a quantidade de camisas vermelhas do Chile é de impressionar qualquer marujo. E amarelas de colombianos, sombreiros mexicanos e o azul dos hermanos. E os felizes costa riquenhos, garbos com sua bandeira.
Um clima amistoso que estamos pouco acostumados, gente sentada no chão sem toalhinha para as bundas, felizes, conversando. Apesar das caras sempre carrancudas dos policiais - e me pergunto a razão do porquê a policia do estado estar num evento que a organizadora diz ser dela - com exclusividade pérfida de um amante ciumento e inseguro - e, portanto, um evento privado.
Vão acabar comendo a gente, se tivermos sorte.
terça-feira, 17 de dezembro de 2013
Os calouros e as meretrizes idosas.
Descendo as escadas de meu avião no
Santos Dumont, o mais charmoso aeroporto do mundo suspiro e me
pergunto pela centésima vez se aquela é a primeira jornada até a
realização de um de meus maiores sonhos: testemunhar uma final de
Copa do Mundo entre o escrete canarinho e nuestros hermanos
argentinos?
Sem tempo para perder, me mandei para
o velho Adonis, afinal de contas, o Rio, mesmo no frio é quente. O
Benfica, onde o Rio é mais português, fervilhava de gente naquela
tarde, e eu, trajado com a minha camiseta do meu querido Rosário
Central tratei de me perder numa mistura de carregadores da CADEG (um
deslumbrante entreposto de secos e molhados) de folga, velhos
frequentadores e um grupo de peladeiros do São Cristóvão, campeão
carioca de 1926. Caldeiretas, bagaceiras e bolinhos de bacalhau eram
consumidos e eu tentava me lembrar que a minha razão de estar lá
era cobrir a estréia da poderosa Argentina contra a estreante Bósnia
e Herzegovina, no fim de tarde, no templo-mor do futebol.
Com o torpor causado pelo engasgagato
português que bebia, flashes vinham à minha cabeça sobre
esquadrões argentinos repletos de heróis que eu já tinha visto em
outras copas, que tinham me emocionado e que num lapso de
segundo.....tinham naufragado. Maradona, Caniggia, Redondo, Verón,
Saviola, Aimar, Simeone, Batistuta, entre outros, sempre eram
soberbos, divinos, até serem derrubados por algo aparentemente
inexplicável.
O
panorama agora era bem menos alentador; Messi era basicamente toda a
esperança de um time que tinha o inseguro Romero no gol, a defesa
sendo sustentada pelo jurássico Coloccini, um meio de campo razoável
com Mascherano, Gago, Di Maria e Pastore e no ataque, ele, Lionel e o
vascilante Kun Aguero.
Quando o cheiro da bagaceira já era
insuportável, tomei o rumo do velho Maraca com direito a uma
paradinha na Salete para comer uma empadinha de camarão e tirar a
nhaca. Entrando no bar escuto uma saudação “canalla cagón”,
bradada por um argentino imenso com a camisa do Boca no meio de um
bando enlouquecido. O susto foi aquietado por um largo sorriso e um
abraço caloroso. Agora eu era parte de uma trupe que ia junta para o
estádio.
Uma
massa humana bizarra se formava e se transformava numa mancha imensa
na frente do Maraca. De todas as partes surgiam camisetas e adereços
de Boca, River, Independiente, Racing, Quilmes, Vélez e muitos
outros times, criando um mosaico humano fabuloso, que cantava musicas
como mantras.
Dentro do estádio, uma curiosidade
natural com a seleção da Bósnia e Herzegovina, a única seleção
caloura deste mundial; a seleção de um país surgido após uma
guerra genocida ainda na década de 90 e que por isso povoa mais o
imaginário de todos com sua dor do que com a sua beleza.
Começa o jogo e o que se vê é uma
seleção Bósnia marcando de maneira muito forte a seleção
Argentina, que permanece encurralada por 20 minutos em seu campo de
jogo até que em uma troca de passes entre Messi e Gago, Messi deixa
Di Maria livre para fazer Argentina 1x0. Mal recomeça o jogo e, numa
arrancada brusca, Lionel sente uma forte fisgada e tem que ser
substituído por Lavezzi. Pressão fortíssima da Bósnia até que
num cruzamento perfeito, Dzeko sobe mais do que Zabaleta e empata o
jogo, 1x1. Comemoração tímida da maior parte do estádio,
brasileira e uma centena de bósnios.
Rola o segundo tempo e a Argentina,
mesmo sem Lionel, com o alento de sua torcida, toma conta do jogo.
Mascherano marca duramente Pjanic e a bola rola de pé em pé no meio
campo platino, evocando por alguns instantes os espíritos de
Lousteau, Di Stéfano e Pedernera. Faltava, entretanto o gol, a
finalização, o cara. Nessa hora, num lance apoteótico, recebendo a
bola de Lavezzi, Aguero entortou dois defensores e fuzilou a meta
bósnia marcando 2x1 para a Argentina. Quatro minutos mais tarde,
aproveitando uma bola mal espalmada pelo arqueiro bósnio, o mesmo
Kun tocou com tranqüilidade para sacramentar o resultado final de
3x1 e, em seguida se dirigiu para a tribuna em que estava seu
ex-sogro e desafeto Maradona, fazendo sinal de silêncio. O jogo, no
fundo tinha sido mequetrefe, mas a ordem natural dos fatos não tinha
sido mexida.
Final do jogo e a torcida cantava a
plenos pulmões, parecendo nem se lembrar mais da tíbia situação
de seu maior ídolo, Messi. O mantra tomava conta do Maracanã e,
enquanto os brasileiros iam embora, acabei me encontrando com o meu
desconhecido amigo com a camisa do Boca e sua turma. Descobri que se
chamava Juan Domingo e combinamos de ir festejar na feira de São
Cristóvão.
A
noite já corria, o forró tocava com força, os argentinos cantavam,
bebiam e enfiavam a cara na cachaça, quando eu percebo a chegada de
dez sujeitos vestidos com a camisa do Vasco da Gama que, pasmem, se
juntaram à bagunça e conosco festejaram. O mundo, meus amigos, tem
jeito sim.
Resultado
final : Argentina 3x1 Bósnia e Herzegovina
(Di Maria, Aguero, duas
vezes e Dzeko) . Maracanã.
15.06.2014
Álvaro
Larrabure Costa Corrêa
(Um dia poemaram para nosso Ogrito, lá nos Bolonistas... Um cordel tão lindo quanto o cara: http://osbolonistas.zip.net/arch2005-11-01_2005-11-30.html#2005_11-18_16_52_04-5048921-29
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