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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

"Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo"

 

Quando a redonda girou no ar, saindo dos pés do Gérson, ela voou pelo céu até se aninhar no peito de Pelé. Talvez esta cena seja a descrição mais linda do que pode ser o futebol. Algo inexato, mas absolutamente matemático - parábola, equação, geometria euclidiana. Algo absolutamente complexo, mas simples, tão simples quanto um beijo, tão complexo quanto. Eu não me canso de ver este gol de Pelé contra a Tchecoslováquia, acho que é o gol de desempate. Porque Gérson estava ali e Gérson era o camisa dez do meu São Paulo. E porque o lançamento de Gérson é a prova mais translúcida de que há divindades no futebol, porque há algo místico, mistério, fantasia naquele passe que a ciência somente não conseguiria explicar. Ouça o tapa na bola e ouça o estufar da pelota branca no peito do Rei. E a bola na rede. O barulho da bola na rede, que som delicioso. Quase tudo nesta sinestesia e seria capaz de descrever tudo o que fiz naquele dia, como se fosse ontem - o que comi e bebi, o que vesti, o que conversei, o que amei. Memória. 


Acontece que nasci em 72, dois anos depois da parábola de Gérson. Gérson já tinha voltado para o Rio de Janeiro, depois dos campeonatos paulistas de 70 e 71. Pedro Rocha já era o meu Pelé particular. E na copa de 74 nem Pelé, nem Gérson e, lamentavelmente, nem Pedro Rocha, jogaram. Jogou Rivelino, outra divindade. E tinha a Holanda de Cruiyff. Sou capaz de narrar os jogos, de descrever o baile que tomamos da Laranja, de Luís Pereira tentando salvar a nossa honra, de dizer que tivéssemos sorte no primeiro tempo poderia a história ser outra. Descrevo com rituais a derrota do Zaire por nove gols contra a Iugoslávia. E que suamos sangue para fazer três contra o mesmo Zaire para poder se classificar no saldo de gols contra a Escócia! 


As memórias no futebol são assim. A gente descreve coisas que não viu, mas sente. Sempre. Porque é outro lugar que me aquece. As memórias são construções de sentimentos, sensações, experiências, saberes, dores, gostos, bebedeiras, loucuras, amargos, prazeres, amizades, saudades. O fato em si, aquele que para uns é tão tão importante, o factual, fica num outro lugar, talvez frio, talvez quente, mas outro. O exemplo mais exemplar do que quero tratar neste texto inaugural das memórias da copa de 22 é o último jogo do Brasil na única copa que realmente existiu, a de 1982: Quase nos acréscimos o genial Oscar, o melhor zagueiro de todos os tempos, subiu no último andar e testou firme... aquela bola entrou, ouço o gol na voz de José Silvério. Mas Zoff, o terrível goleiro italiano, fez a defesa, inacreditável, inapelável, transcendental. O fato é este, a defesa de Zoff. A memória... aquela bola tivesse entrado, a vaga era nossa e até as "Diretas Já" tinham passado em 1984, tamanha a força daquele testaço bestial.


São tempos estranhos. Eu, sinceramente, não consigo mais ter memórias sobre a seleção brasileira. Aliás, mesmo no futebol, as memórias vão se esvaindo. Pode ser a crise que o meu time se meteu por chafurdar na arrogância depois de ter sido o único tricampeão brasileiro com três triunfos consecutivos e insuperáveis de todos os tempos e se meter numa refrega as divindades do futebol por causa de uma infausta "taça das bolinhas" - ao reivindicar algo que não lhe pertencia, o tricolor da moeda em pé atraiu demônios que até hoje são sapos enterrados na relva - tenha a ver com isso. Mas não é só, sabemos. Escutando meu desejo, é menos recuperar a capacidade de devaneios com a seleção brasileira mas de revivenciar o chamego com a construção de memórias. Quem sabe os ares mais respiráveis que sopram em razão das eleições - com a derrota do sombrio e da infâmia - possam redesenhar possibilidades? Oxalá! E Richarlisson possa ser um novo Falcão!


Falcão, volante mais que estupendo, que deve fazer parte das memórias do meu querido amigo Guilherme Goulart, colorado e candango por adoção. Foi Goulart o muso deste texto: numa brincadeira num desses grupos de zap ele me questionou se este ano escreveria sobre a copa, como fiz nas últimas. Eu fiz muxoxo. Mas ele foi generoso nos adjetivos, me conquistou - leonino que sou. Mas o argumento definitivo foi outro: ele estava em dúvida entre Simone e Lula antes do primeiro turno das eleições e eu escrevi: "Vota no Lula desde já, que eu escrevo sobre a copa". Batata. Batata assada na churrasqueira, fica bom.


Vamos lá! A copa está chegando! Que venham boas memórias e encontros. 


2022. novembro, 03.


Gérson e Pelé:

https://www.youtube.com/watch?v=PdvvJVlpRfU





Ps: A frase do título do texto era um bordão do narrador Fiori Gigliotti. Fiori narrava na Bandeirantes e José Silvério na extinta Rádio Panamericana, que chamavam de Jovem Pan.


quarta-feira, 11 de julho de 2018

Yuri Gagarin


Acho que foi na TV Cultura de São Paulo - que saudades da TV Cultura... - que acompanhei aos jogos das copas de 70, 74 e 78. Sim, eu nasci em 72, mas o videoteipe é um pouco mais antigo. Eram os jogos transmitidos na íntegra, um pouco antes da hora do macarrão de domingo. Aquele time de 70 era fabuloso, mesmo. Não é lenda, história da carochinha. O homem pisou na lua e a terra, de fato, é redonda.

Clodoaldo, Gérson, Pelé, Tostão, Rivelino e Jairzinho formam uma espécie de absurdo. Os lançamentos, a precisão, a recomposição de jogo e os chutes de Gérson, e se tivesse um prêmio de bola de ouro ou qualquer coisa do gênero na época tenho convicção leonina de que Gérson seria o super trunfo daquela copa, são espécimes de elementais, para quem gosta de estudar o divino no futebol. E Pelé, bom, é Pelé. 

Mas mesmo este timaço, que ganhou todos os seus jogos, não pode ter uma narração absolutamente retilínea, do campo ao caneco. No jogo contra os ingleses, talvez contra o melhor time inglês de todos os tempos, suamos sangue, numa batalha feroz. Banks, o arqueiro inglês, defendeu um testaço de Pelé que faz parte da galeria de imagens para mostrar para extraterrestres para provar as capacidades do engenho humano. Tostão faz um balé na defesa dos saxões antes de achar Pelé no meio da área que merecia feriado, no lance do gol de Jairzinho. E tem a história, pouco contada por aqui, do intervalo, que entre um tempo e outro, num calor de rachar mamona, o time brasileiro esticou sua presença no vestiário até o limite antes de punições, deixando Bobby Moore e companhia debaixo dum sol de escalda pés. Os ingleses choram pelo fair play que não tivemos em todos os documentários até hoje.

Nas semifinais, viramos um jogo contra os uruguaios, o primeiro e último jogo em copa entre as duas seleções depois do Maracanazzo, com direito a uma cotovelada de Pelé, um revide, mas uma cotovelada, que fosse o mundo de hoje com VAR teríamos problemas. Ou não, porque se tivesse VAR não teria a cotovelada, num dilema tostines para discutir em boteco.


E, no jogo final, contra a Itália, pegamos um adversário totalmente destruído por uma semifinal de cinema, que italianos e alemães fizeram dias antes da finalíssima. Quem gosta de futebol tem que assistir aos jogos da copa de 70, mas se tiver que escolher algum jogo que não os do Brasil teria que ser aquela semifinal, num jogo que teve uma prorrogação absolutamente doida, magistral, colossal: jogo normal, 1x1. Prorrogação, Alemanha 2x1. Empate. Virada italiana. Empate. E quando caminhava-se para o fim do mundo, Itália 4x3. Com Beckenbauer jogando toda a prorrogação com uma tala no braço, depois de ter machucado a clavícula! A semifinal exauriu a Itália. Que, provavelmente, não ganharia o jogo final mesmo descansada. Mas não tomaria de quatro, desconfio.

Escrevo estas linhas para desenvolver a tese da semifinal renhida. O time que faz a partida mais dura nas semifinais acaba se desgastando fisicamente, embolando nervos, desgastando-se e, invariavelmente, perde a finalíssima. Lembremos de 82, do jogo entre alemães e franceses em Sevilla, na seminal. Um confronto épico, um 3x3, em partidas lendárias de Rumenigue, pelo lado alemão, e Tresor, pelo lado francês. A Alemanha ganhou nos penais e depois seria derrotada pelos italianos. Lembremos de 98, na semifinal entre Brasil e Holanda, uma partidaça que também foi aos penais fatais, com Taffarel sendo nome de santo. 98, Zidanaço. Na final, França 3x0.

As semifinais são espeto. Os jogos costumam ser feios, burocráticos, cheios de medo, como o Brasil e Suécia de 94 ou o Brasil e Turquia de 2002. Jogos estudados. Quando se tem grandes jogos, não necessariamente pela técnica, a semifinal costuma machucar o vencedor além da conta, tirando o enganche para a partida final...

Nesta copa, ao que tudo indica, é melhor a França colocar as barbas e os moustaches de molho.... Apesar da prorrogação, a Croácia fez a partida onde a diferença técnica entre um time e o outro foi mais evidente desta fase final. Sobrou, num jogo de semifinal. Sim, enfrentou prorrogações, contra dinamarqueses e russos, times que não propunham nada mais do que o empate, mas sobrou nos jogos onde o outro time supostamente se propôs a jogar para vencer. Foi assim com argentinos e foi assim hoje. O jogo croata encaixa nesses jogos. O desgaste físico, evidente. 

Mas, do outro lado, um time que teve que enfrentar argentinos e uruguaios, equipes que tem grau de dedicação ao jogo sanguínea, e os belgas, talvez os de melhor repertório técnico do mundial, não pode se considerar plenamente descansada. E há um certo elixir que sempre surge nesses momentos, que entorpece a razão e infla o salto.


11 de julho, 2018. Croácia e Inglaterra.



  

terça-feira, 10 de julho de 2018

Cruzamento na área


Talvez uma das grandes belezas da vida é rever situações, momentos, vivências e colocá-las em perspectiva, a partir dum ponto depois. Milton Nascimento e Beto Guedes diriam que "nada será como antes, amanhã". E, Cláudio Coutinho, treinador brasileiro em 1978 e muito responsável pelo trio Andrade, Adílio e Zico, no Flamengo dos anos oitenta - o único Flamengo que realmente existiu - criou num linguajar próprio a ideia de "ponto futuro", onde o jogador desenhava a jogada e o passe pensando na posição futura do companheiro de time, jogava a pelota para um lugar no espaço, mas num ponto mais adiantado da história, mudando as possibilidades do jogo e mudando o passado, porque o êxito desta jogada dependia essencialmente da leitura feita a posteriori. A vida, a vida tem o ponto futuro e, o mais bonito, é que este futuro reconstrói, "renarra" e, até, revida.

Olhando para a copa daqui deste fim de terça feira, primeiro jogo das semifinais encerrado, as partidas de Brasil, Bélgica, França, Uruguai, Argentina e México ganham outras cores, outras análises. A partida de hoje, que muitos vão dizer, escrever, beber, repetir, que se tratou de um jogão, uma batalha técnica e tática, foi, na verdade, um jogo infernalmente chato entre duas equipes que ficaram se estudando durante noventa anos, com obviedades de lado a lado, a estagnação das surpresas belgas e a confirmação do amadurecimento do time francês, quase o mesmo que perdeu da Alemanha aqui no Brasil em 2014 e conseguiu a proeza de perder em casa para Portugal, sem Cristiano, uma Eurocopa. Resta, portanto, um gosto amargo. Tivesse o Brasil tido um pouco mais de rebolado contra a Bélgica teríamos chances de bom jogo contra franceses.

Tite falhou no jogo com os belgas. Apesar das escolhas corretas do técnico espanhol do selecionado dos diabos vermelhos, das boas partidas de Kompany, Lukaku, Hazard e De Bruine, Tite errou na manutenção de um esquema de jogo excessivamente compartimentado. A insistência com Gabriel Jesus, como que para provar que era coerente, justo, monogâmico, levou o time a perder uma das três substituições no segundo tempo do jogo. Ao tirar Willian e botar Firmino, o treinador brasileiro teve que trocar Gabriel por Douglas Costa antes dos quinze minutos porque o time não reagia. A manutenção de Willian, a troca de Gabriel, seria a troca mais óbvia. Willian tinha sido peça chave na vitória contra o México, trocando de posições com Neymar, fazendo ações pendulares que tanto faltaram ao time em outros jogos. Gabriel destoava, porque não treinou para ser este jogador pelos lados. E, como centroavante, fez uma copa aquém de suas possibilidades. E, a partida de Neymar e de Coutinho contra os belgas era ruim. Douglas Costa poderia ter entrado no lugar de Neymar, por exemplo, para confundir o time adversário que certamente apostava na manutenção custe o que custar do astro brasileiro. Ou, tirando Coutinho e recuando Neymar para aquela função. Ou, num bumba meu boi final, colocar Douglas, Neymar, Firmino, Coutinho, Lula, Willian, todo mundo para tentar o empate.  Sem contar Paulinho e Fernandinho, que desde o primeiro tempo davam sinais de um desentrosamento perigoso e que o setor precisava de ajustes, ou de Renato Augusto ou de alguma outra opção ali pela volância, essa área nobre do campo que as vezes a gente esquece ou acha desimportante.

Olhando em perspectiva, também, a partida contra o México não foi a beldade que muitos, quase todos, eu incluso, vimos. O México tinha os méritos de ter ganho da Alemanha na estréia, mas tinha o colapso de ter tomado três gols dos suecos... Ou seja, em perspectiva nossos pontos futuros não deram certo.

Isso não quer dizer que foi tudo ruim. A Bélgica escolheu bons caminhos, mereceu a vitória. A partida brasileira poderia ter sido mais inspirada, mas foi uma partida disputada e sem dúvida muito melhor que outras eliminações mais recentes. Neymar fez uma boa copa, não excelente como prometia aquele jogo contra o México. Assim como Coutinho que se apagou na fase eliminatória. Já Miranda e Tiago, mais Tiago, fizeram um copa exemplar. E Casemiro, que tomou um amarelo bocó, é um jogador que se mostrou essencial. O trabalho de Tite foi ruim? Óbvio que não. Mas é evidente que equívocos na convocação, equívocos de leitura de jogo, erro no trato com suas "coerências" não podem ser colocados no escaninho do arquivo morto. Sem contar a chatice napoleônica.

A defesa que Lloris, o arqueiro francês, fez numa bola de um dos belgas no primeiro tempo da partida de hoje ganhou a vaga. Assim como a defesa no jogo do Uruguai. Pode parecer que o imenso goleiro belga contra o Brasil tenha sido decisivo para a eliminação. Talvez. Mas as duas defesas de Lloris, em momentos absolutamente chave dos jogos franceses, mantiveram a cidadela francesa em pé quando o gol definiria outra realidade menos morta para uruguaios e belgas...   

Sem contar que o mesmo Coutinho tinha a jogada imortalizada do "overlapping", quando lateral descia trocando de posição com o ponta, jogada que fez uma falta cascuda para os brasileiros e belgas nesta copa: Jorge Wagner, pela esquerda em profundidade, recebe o passe do Hernanes, vai no bico da grande área e cruza para o gol de Borges.

10 de julho, 2018. França e Bélgica.





  

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Maldito cartão que afastou o Casemiro...


Não adianta querer escapar. Quando se é eliminado de uma copa, o assunto, evidentemente, deve ser a eliminação. Vamos escolher nossos culpados, vamos descer a ripa aqui e ali. Uns serão racionais, extrairão do contexto as boas planilhas e levantarão os problemas, pontuais. Outros, descerão o porrete no treinador e no craque do time, que, a rigor, refugaram num jogo importante. Outros insistirão, ainda, na caça à bruxa, com Fernandinho e Gabriel Jesus com postos bem firmes na fogueira da inquisição. O melhor é, sem dúvida, tentar esfriar a cabeça, abrir uma gelada e fazer a mesa redonda futebol debate, necessária para espiar culpas, desopilar fígados e lembrar que só daqui a quatro anos teremos chance de ganhar de algum europeu em fase eliminatória.

A questão central, porém, será quase sempre deixada de lado. Temos um futebol local de lagarta e queremos uma seleção borboleta. É uma equação difícil de ter alguma boa resolução que não seja a desilusão. É preciso mexer no vespeiro. É absolutamente necessário intervir na organização, estrutura, comando da seleção e, sobretudo, do futebol brasileiro. Que se dane a fifa: Por decreto, por ato de governo, fusionar a CBF no ministério da Cultura e reinventar o barco. Notem, o futebol como elemento cultural, nada de ministério de esporte para fingirmos alguma lógica. Não há lógica, há Zizinho, Didi, Mané, Garrincha e Pelé. Há Canhoteiro e Dener. Há Leônidas da Silva.

Vamos insistir, porque temos a convicção histórica dos acordos de acomodação, em manter treinador, jogadores, planilhas, planos. Tenho certeza que o mote agora será um "projeto para 2022". Vão destilar um zilhão de planilhas, conceitos, teorias. Vão querer criar um padrão em todas as seleções, vão ter o discurso do planejamento. Tudo fundamental, é verdade, mas haja rococó. O problema é de estrutura. 

Não interessa, mesmo, mesmíssimo, que o treinador seja fulano, ciclano ou beltrano. Se não revirarmos de ponta cabeça a CBF, se não mandarmos ao ostracismo necessário todos - todos, repito - os atuais dirigentes, não temos como sair deste imbróglio. A seleção devia ser dirigida por um Joel Santana, por um Givanildo, ou por um desses meninos novos que ainda usam fraldas. E devia jogar todo mês numa cidade do Brasil. Sim, um time padrão podia ser trabalhado. Mas alternando nas convocações, sempre, este time padrão com jogadores locais, dos times daqui, que disputam o rame rame daqui. Devíamos tirar o monopólio de transmissões dos campeonatos de uma única emissora, permitindo uma saudável disputa de mercado contra a concentração, alternando emissoras, dando possibilidades para outras linguagens e abordagens. 

Jogadores que estão no exterior deveriam participar de aulas em escolas públicas. Deveriam ser instados a comentar os assuntos do dia, por mais alucinante que fosse a opinião. Este rebanho de ovelhas não nos serve. O proselitismo religioso deveria ser punido com cartão amarelo ou pontos negativos na caderneta, afinal se uma entidade divina é a que guia determinado jogador, time ou resultado esta entidade certamente fará a punição ser desimportante e irrelevante. Ou, melhor ainda, devia ser amplamente liberado sem que se enchesse o saco de quem prefere o curupira à virgem ou ao filho dela. 

Não preciso mencionar que tais medidas não impedirão novas derrotas da seleção em outras copas vindouras. O futebol pressupõe que só um time vença e avance para a fase seguinte. Tais medidas só nos darão é o resto que importa. E, inapelável, a propaganda do Itaú da seleção deve ser retirada do ar, para todo sempre, a não ser que nos transformemos todos em acionistas preferenciais do banco, com a distribuição dos lucros devida a todos e em partes iguais.

E Casemiro? Prometi aqui não falar das obviedades solares, mas tivessem levado o Araruna, tinham alguém para jogar de volante ou de lateral...


06 de junho, 2018. Brasil e Bélgica. Uruguai e França.





terça-feira, 3 de julho de 2018

Chatonildo da Silva Quadros


Já escrevi várias vezes, inúmeras, que a única copa do mundo que realmente existiu foi a de 82. Na copa da Espanha nossas sedes foram Sevilla e Barcelona, tínhamos material esportivo da Topper e um dístico de "Café do Brasil" na camisa. 

Os goleiros foram Waldir Peres, do São Paulo, Paulo Sérgio do Botafogo e Carlos, da Ponte Preta. Waldir ganhou a posição numa série de amistosos na Europa, onde o time de Telê assombrou a Europa numa excursão pelo continente ganhando de Inglaterra, França e da Alemanha, pegando dois penais contra o time germânico. Os laterais eram Leandro, do Flamengo, Edivaldo, do Fluminense, Júnior, do Flamengo, Pedrinho, do Palmeiras. Na zaga, Oscar do São Paulo, Luisinho do Galo, Edinho do Fluminense e Juninho da Ponte Preta. Os volantes eram Cerezzo, do Galo, Batista, do Internacional, Falcão, da Roma, Paulo Izidoro do Grêmio. Os meias, os geniais Sócrates do Corinthians e Zico, do Flamengo, mais Renato do São Paulo e Dirceuzinho da Udinese. No ataque, Serginho do São Paulo, Éder do Galo e Dinamite, do Vasco. Careca, do Guarani, foi cortado por contusão. Telê era o técnico e Gilberto Tim o preparador físico. As narrações de rádio eram de José Silvério na Pan, Osmar Santos na Globo, Fiori na Bandeirantes. E Silvio Luís narrou na rádio Record, porque a Globo teve exclusividade nas transmissões. 

Escrevi as linhas deste texto maltratando o teclado com rapidez, avidez, saudade, até curso de datilografia fiz naqueles tempos. Posso ter errado algum jogador, algum time, não "guglei" nada. Mas o fato é que este selecionado ocupou as minhas fantasias por muitos anos, era o meu time de botão do Brasil, um daqueles bonitos, redondões, azul. Além desses o time também tinha Andrade e Adílio do Flamengo, Mário Sérgio do Internacional - e depois do São Paulo, o Reinaldo do Galo, Paulo César Capeta do São Paulo e o Chicão, que acho que já estava no Galo ou no Santos, mas o Chicão que jogava no meu time era sempre o Chicão de 77, do São Paulo. E, evidentemente, tinha o Zé Sérgio do São Paulo, sempre e sempre, em qualquer jogo. 

Sofro de nostalgias. A defesa de Zoff, no ultimo minuto do Sarriá, defendendo a cabeçada de Oscar mudou o mundo. Tenho absoluta certeza que se aquela bola entra ganhávamos o caneco, a emenda Dante de Oliveira, a das Diretas Já, tinha passado e o Brizola não perdia a eleição de jeito nenhum, o São Paulo teria sido tricampeão paulista, teria filme do 007 com o Roger Moore pelo resto dos anos e, de quebra, Gorbatchov nunca teria ascendido carreira no PC soviético. 

Sou incapaz de dizer quem são os 23 do Tite. Aliás, confesso, seria incapaz de fazer uma convocação alternativa, chamando outros jogadores que não os do São Paulo. Para mim, a seleção era Sidão, Nenê, Liziero, Shaylon, Bruno Alves, Diego Souza e Jucilei. Não assisti a nenhum jogo da eliminatória, só vi os últimos minutos do jogo contra o Peru na Copa América, que perdemos e nos desclassificamos, acho que na primeira fase. Não vi as Olimpíadas, mas sei que Rodrigo Caio foi fundamental para o caneco. O fato, concreto e óbvio, pouco posso opinar sobre escalações, tática, música tema. Posso especular, apenas, e comentar um pouco dos jogos desta copa.

Tite é um excelente técnico. Irritante, até. Os times jogam com uma volúpia que se satisfaz com um gol. Pode parecer chato, quando o assunto é seleção e todo mundo acha que a seleção não é um time e sim uma constelação que tem obrigação de jogar um tal jogo "bonito". Mas é assim, pragmático assim, que Tite fez fama e deitou na cama. Mas isso não o impede de ser um chato imperial, com um papo de motivador pastor que enche os pacovás desde sempre. Mas, acho, pelo que via no Corinthians, que ele devia ser mesmo o treinador.

O time é bom. Fez jogos titênicos: a rigor, na primeira fase passou algum sufoco contra Suíça, depois do gol de empate, e contra a Sérvia, já ganhando de um a zero quando o empate favorecia o time brasileiro. Um time excessivamente compartimentado, entretanto, com jogadores excessivamente fixos exceto Coutinho, que gastou a bola. Com Casemiro, Miranda e Tiago jogando muito bem. 

Contra o México, fizemos, acho, a melhor partida de uma seleção brasileira desde a final de 2002. Ainda que o adversário não fosse um supertime e praticasse um jogo que favorecia o estilo de jogo titênico, o fato é que o time jogou serenamente, bem, firme. Tiago Silva, que eu nunca achei essa maravilha toda, fez uma partida de Scirea, de Canavaro, de Aldair e Márcio Santos. Casemiro é dono de uma faixa do campo e exerce o mandato com uma segurança invejável. Tomou um amarelo meio bocoió e fará falta na próxima fase. Willian foi o jogador que é importante no Chelsea, saindo da ponta direita onde estava sumindo. Trocando de posição com Neymar e Gabriel, Willian se soltou. Foi muito bem.

E Neymar. Minha antipatia por ele certamente afeta qualquer julgamento. Esta antipatia tem muito a ver com o fato dele ser excelente jogador, de fazer o São Paulo perder a hegemonia nos jogos com o Santos, a ponto de termos perdidos todos os jogos eliminatórios nesses anos de Neymar por lá. Uma antipatia que também é despeito. A gente é assim. Acho o Neymar um bolha, o bolha transcendental. E como não vi muitos jogos da seleção com ele, só os da copa passada, acho que ele fez a melhor partida dele na seleção. Jogou para o time, foi abusado onde devia ser. Talvez, individualmente, uma exibição pela seleção que permite colocá-lo no mesmo palco de Romário, Ronaldo e Rivaldo. Vou continuar torcendo contra ele nos confrontos do Paris St. German, no Real Madri, ou para onde ele for. Vou seguir achando que Cristiano e Messi, e Nenê, são melhores que ele. 

Mas que faça os meninos aqui de casa sorrirem e, quem sabe, escalarem ele nos times de botão. Mas, com sorte, Aguirre ponha o menino Toró no time titular que vai ganhar o sétimo caneco e pronto: a dez vai ser dele.


02 de junho, 2018. Brasil e México. Bélgica e Japão.







sábado, 30 de junho de 2018

Silêncio sorridente



Outro dia vi um vídeo filmado em Beirute, no Líbano. Era uma espécie de cortejo, onde as pessoas levavam um caixão com a bandeira da Alemanha, como num cortejo fúnebre. Mas repleto de buzinas e um tambor. E quem acompanhava o cortejo eram pessoas vestidas com a camisa da seleção brasileira, portando bandeiras do Brasil. O vídeo foi filmado no dia dos jogos de Brasil e Alemanha, na data de desclassificação dos alemães desta copa da Rússia.

Por aqui a gente não tem a menor noção do que representa a seleção brasileira de futebol. Não tem a ver com a CBF, com o governo de ocasião, com a patrocinadora da camisa. Em países como Bangladesh, Índia e Haiti foram relatadas histórias comoventes, emocionantes, bárbaras, de torcidas pelo Brasil, com gente pintando rua, fazendo oferenda, arrumando confusão com vizinho. Há uma identificação com a seleção, que é política, cultural, esportiva, lúdica. As matérias foram publicadas nos grandes portais e nos excelentes portais de futebol, como o Trivela. Ouso aqui uma digressão de boteco: a química entre a seleção brasileira é comparável às torcidas dos grandes e ricos times europeus, mas com uma dimensão fantástica, por ser uma aproximação por afinidades culturais, esportivas, política. Sim, politica no sentido de um reconhecimento da mágica que é um país pobre, miserável, com uma história repleta de assaltos, ganhando por cinco vezes o torneio mundial de futebol. 

Argentina, Uruguai e Brasil desafiam a lógica no assunto futebol. No esporte que todos os povos praticam e gostam, três países periféricos conseguiram feitos impressionantes e rotineiros. Enfrentam ombro a ombro e com vantagens, muitas vezes, os colonizadores, desafiam as potências, fazem os Estados Unidos parecem uma republiqueta de merda, como o cinema americano adora e reiteradamente retrata os países mais pobres de todo o mundo. E, o Brasil, o Brasil, meus caros, é a seleção que está sempre lá, que todos sabem que pode ganhar o caneco. Não faço aqui uma patriotada qualquer, que patriotismo é uma ideia idiota, feita para alimentar ódios que afastam o pensar daquilo que realmente importa. Falo de uma importante questão de estima, de levantar cabeça, de sonhar. A capacidade de sonhar.

Estamos sendo negligentes, muito, com o futebol como este elemento simbólico do Brasil como civilização. Entregamos o futebol ao negócio, deixamos um falso discurso de que são negócios privados os agentes que regulamentam o esporte. Perdemos a imensa oportunidade na copa passada, realizada aqui, de transformar o nosso mundo. Deixamos que um cafajeste como o Marin, algoz de Vlado, colaborador ativo da ditadura militar, fosse o "organizador" da Copa, presidindo a CBF. Deixamos a federação internacional de futebol associação criar leis, regras, conveniências. Fomos covardes. Continuamos sendo. Nunca que a fifa seria mais forte do que nós numa quebra de braço sobre os rumos do mundial, porque o mundial não pertence à fifa, embora queiram narrar assim. O mundial é aquele vídeo de Beirute. O mundial é o gol do Panamá e a festa do primeiro gol em copas num jogo onde tomavam de seis. Os donos do mundo cagam as regras nas nossas cabeças porque a gente não reconhece o nosso lugar, nossa força, nossa vitalidade. A gente prefere alimentar uma "rivalidade" com a Argentina ao invés de organizar um campeonato com o hermanos em Bangladesh, na Palestina, no meio do Kosovo ou participar da Copa da África como país convidado.

Não foi por acaso que instrumentalizaram o uso da camisa da seleção para os eventos patéticos que jogaram o país nesta selva de desesperança. Porque reconhecem a força simbólica e querem domá-la, para longe de nossas "Bangladeshes".

Tem um filme lindo chamado "Shooting for Sócrates", que conta a história da Irlanda do Norte na perspectiva de um menino que adora futebol e do jogo entre irlandeses e brasileiros na copa de 1986, no México - aquele jogo do gol do Josimar. A seleção brasileira é um instrumento que produz sonhos. E é esta a capacidade, a de sonhar, que nos transforma, a todos. Mais do que torcer pela seleção a gente precisa recuperar o que é nosso. 

Esta sexta que passou, primeiro dia sem jogos na copa da Rússia, fez aniversário de 60 anos do caneco na Suécia. Devia ser feriado nacional. E não estou brincando.

29 de junho, 2018. dia sem jogo, véspera das oitavas. Sobre o filme: http://www.cafecomfilme.com.br/filmes/driblando-a-guerra




quinta-feira, 28 de junho de 2018

"Lateral é meio gol!!!"


Na TV Gazeta, antes do maravilhoso programa do Ronnie Von, muito antes, num tempo onde as tardes eram ocupadas pelo "Mulheres em Desfile", apresentação de Ione Borges e Claudete Troiano, um verdadeiro percursor de tudo o que é programa vespertino de televisão, o grande barato eram os programas de mesa redonda de futebol. 

O formato era descaradamente clubista, com todos os apresentadores representando ao menos um dos grandes times paulistas. Peirão de Castro, santista. Alfredo Borba, corintiano. Milton Peruzzi, palestra. Luis Noriega, São Paulo. Desconfio que o Fernando Solera também era São Paulo. E tinha o Orlando Duarte, Portuguesa. Não lembro se Orlando estava nas mesas redondas ou só ocupava as transmissões da Pan, como comentarista dos jogos narrados pelo estupendo José Silvério, quando a Pan era uma rádio de verdade e não esta sucursal da estupidez galopante e hidrófoba que é hoje. 

Eram duas versões, que me lembre, e as memórias são sempre isso, um afeto e nunca um teipe completo que repete os exatos: uma noturna, aos domingos, depois do Gigantes do Ringue - um desses vale tudo fantasia, avô bastardo dos MMAs que hoje ganham o mundo com regras e muitos dólares, e antes do videoteipe do jogo da rodada - a Gazeta não transmitia os jogos ao vivo, transmitia um videoteipe, com narração do Peirão ou do Solera - e uma versão diária, matinal, na hora do almoço. Cabulei aula, no meu primeiro ano de colegial, ou ensino médio para os mais atualizados, ou clássico e científico para os mais de antanho, várias vezes para ver o programa da Gazeta, que era no prédio onde eu estudava. Gazeta na gazeta, devia ser o nome do programa dos estudantes. 

No fundo, camaradas, somos todos torcedores, na dor, no amor, na economia, na cerveja, na política, no futebol e na porrinha. O formato descaradamente clubista do programa garantia bons debates, quebra paus homéricos. Mas evitava esse tipo de "isenção" ou "neutralidade" que tanto cagam e mancham de cocô as análises do suposto jornalismo brasileiro. Aparentemente aquilo podia ser simples ou simplista, não tinham os gráficos, as análises de desempenho, os números de passes certos, os números de gols onde o chute foi no meio do gol, não tinha "mapa" de calor para mostrar a movimentação dos jogadores em campo. Mas a gente sabia que o Dicá era mais preciso nos lançamentos, que Andrade nunca errava passe, que Paulo César Capeta dava um calor dos infernos nos laterais esquerdos, que os times do Telê gostavam de ter mais a posse de bola e que os times do Minelli eram fechados, bem armados, prontos para um golpe letal. Ninguém enchia o saco com as estatísticas de quantas vezes a chuteira do pé direito de fulano tocava na bola e nem das oitenta vezes que o time que jogava de azul conseguia a virada quando chovia em Estrasburgo. O dois a zero era um resultado perigoso e onde passava um boi passava uma boiada, eram as filosofias certeiras do Juarez Soares, que só não participava como mais um corintiano na mesa redonda porque era de outra emissora.

O grande problema das análises do time de Tite é que poucos dizem os óbvios, aqueles óbvios que são ditos por torcedores comendo pernil. Tentam dar planilhas onde deviam dar mortadela. O time de Tite é bom, ganhou três jogos e a rigor passou apuro um pouquinho contra a Suíça, depois do gol, e um pouquinho no segundo tempo contra a Sérvia. No resto foi o Tite de sempre. O técnico é o Tite, os times dele jogam assim, na segurança, a volúpia do um a zero. Se Coutinho e Casemiro estão a gastar a pelota, sendo Coutinho o super trunfo do pacote, o time tem presepadas. Falta ao time do Tite rebolado, gente que se mexe, alterna de posições no ataque. Que se libere Marcelo para flutuar e viver a vida loca de Real e que Tiago e Miranda se virem para dar cobertura. Que Neymar deve as vezes trocar com Willian de posição e que Willian, pelo amor de todos os deuses e deusas do universo, não pode ficar só no lado direito do campo, porque qualquer hora ele sai pela linha lateral e ninguém vai perceber. Aliás, pelo talento que tem, Neymar pode inclusive jogar de centro avante, trocando com Gabriel, e pelo meio, trocando com Coutinho. É um desperdício confinar o onze santista num lado só do campo, mesmo quando ele ziguezagueia pro meio parte de um lado só. E tem Firmino, entra Firmino. Enfim, mais remelexo menos missa. E que Tite convocou errado...

Não levar o Reinaldo do São Paulo fez o Brasil perder aquele lance de gol gerado pelo lateral batido lá no meio da área, para um bumba meu boi deus nos acuda na área adversária. O leitor pode rir, mas com um a zero, precisando empatar, quarenta e dois do segundo tempo, tem mais chance quem se desespera sem pudor, um beijo de batom vermelho e com mais bola na área saravá meus orixás.

27 de junho, 2018. Brasil e Sérvia. Costa Rica e Suíça. Suécia e México. Coréia do Sul e Alemanha.








domingo, 24 de junho de 2018

Amarrações para o amor


Muito e muito se fala do drama argentino nesta copa. Do drama brasileiro, menos dramático, mais novela das oito, mas drama. O drama alemão, atenuado no milésimo final de uma partida em que a toalha já teria sido jogada fossem outros dramas. O drama italiano, que nem para copa veio. E todo jogo da Celeste é um drama. Queria falar de outro drama, porém, que parece não existir nos cérebros mais retilíneos. Mas existe, com a força repleta de ancestralidades...

No fim do jogo entre alemães e suecos, o juizão dando cinco minutos de acréscimos, pensei duas cousas: a primeira, era muito tempo para a Suécia se segurar. A segunda, caçarola, o México, vai sobrar para o México. Osório é nesta copa o São Paulo Futebol Clube de "sombrero", sabemos.

O gol alemão no fim, do cara que nunca erra passe e quando erra passe faz gol no último milésimo e se redime zerando a estatística, colocou água na tequila do grupo. O México fez uma partida muito linda contra a Alemanha e ganhou dos coreanos do sul numa partida relativamente tranquila. Mas tomou um gol no fim, diminuindo saldo. Vai para a rodada final com saldo de dois gols, seis pontos. E pega a Suécia, um time burocrático, mas saidinho - foram os suecos que eliminaram os italianos da copa e quem elimina a Itália merece o benefício da dúvida, sempre. A Suécia tem saldo zero, três pontos. Na outra ponta, Alemanha, três pontos e zero de saldo, contra a Coréia do Sul, zero ponto e dois negativos de saldo. Em tese, todos com chances. Mas com um olhar otimista para os mexicanos. E aí reside o drama, no otimismo. O otimismo é para os latino americanos o equivalente ao "só que não" das redes sociais.

Dos povos que tem o futebol como segunda pele, é o México que carrega o fardo mais pesado de falhar em momentos agudos. Os de memória mais pródiga vão lembrar de eliminações impossíveis, como a da copa passada, quando o México perdeu o jogo das oitavas para a Holanda numa reviravolta inacreditável, num jogo onde parecia impossível que perdessem. E notem, passando pelos holandeses, enfrentariam pelas quartas a Costa Rica, um adversário que o México enfrenta todo ano, conhece esquema, capital, aeroporto, pina colada. Era caixa a vaga na semifinal. 

O fato é que México e Suécia tem tudo para ser o jogo mais dramático de todos os tempos. A Alemanha ganhando da Coréia e fazendo saldo, e no jogo de cá aquele empate com bola na trave, juiz errando penalti, o VAR mais complicando que ajudando, torcida gritando. E Osório lá, pensando no que fazer. Osório, o profe, é o único capaz de levar o México ao delírio supremo: não descarto sequer o caneco. Mas, sei lá, num rompante tira o lateral mete um centro avante, recua o ponta para marcar e transforma em autopista libre de percalços uma das alas do campo...

Osório, um empatezinho e estamos lá. Só um empate. De qualquer forma já vou amarrar umas revistas suecas antigas e fechar as amarras num cadeado velho.


23 de junho, 2018. Alemanha e Suécia. México e Coréia. Bélgica e Tunísia.





sexta-feira, 22 de junho de 2018

Os orixás da bola



O primeiro gol da Nigéria, na partida de hoje contra a Islândia, é a explicação mais evidente das razões que fazem o futebol ser imortal. Até o milésimo de segundo anterior ao início da correria do lateral - ou ponta, meia, atacante, zagueiro, tanto faz - que lançou a bola para o domínio de Musa, na área islandesa, noventa por cento do mundo imaginava que a Islândia acabaria achando seu golzinho, se fecharia em copas, quase carimbando a vaga para a segunda fase.

Ocorre que a bola tinha outros planos. Gosto de pensar na redonda como um ente mágico. Mas inerte, quase sempre. Mas um carinho, um afago, um sopro, uma canelada, uma matada no peito ou uma desengonçada cabeçada podem despertá-la. Desconfio que foi o que ocorreu quando o jaqueta onze na Nigéria se lançou ao universo em direção a linha de fundo. O lançamento. A parte de fora do pé de Musa. E ela se recolhendo ao campo do chute, matreiramente, dando um quique que a deixou exatamente da ponta da chuteira do sete africano. E vai descansar gostosa no fundo da meta, para um mundo atônito. A beleza, plástica, mas do efêmero: A Nigéria voltava para a copa, trazia a Argentina de volta ao baile e, trazendo a Argentina, acolhe novamente a Messi. A Nigéria, que ao lado dos Camarões de Roger Milla, embala a mais tempo o sonho de um caneco inédito africano. Se a dança senegalesa emociona e nos redime, a Nigéria de volta ao sonho é um parque de diversões onírico. Com um gol desses... um gol que explica tudo.

A grande copa de Neymar seria a de 2010. Lá naquele antes, em terras sulafricanas, o menino já ensaiava seus passos de virtuose e ballet no Santos de Pelé. Não foi convocado, porque Dunga, um dos melhores volantes volantes que o mundo já viu, é um eterno ressentido - queria ter sido meia desconfio. O time de 2010 chegou na África do Sul super favorito. Ganhou de todo mundo na véspera. Com contragolpes fatais. Mas no torneio foi mal, muito mal. A contusão de Kaká matou o esquema de Dunga e sem Kaká o time se revelou excessivamente quadrado. Neymar ali seria a chance das geometrias, era um ilustre desconhecido e faria do mundo mais um zagueiro joão. Hoje,oito anos depois, Neymar é mais conhecido e manjado que muito artista de cinema americano, desfila, se exibe, demanda. É brilhante, mas não tem mais aquele frescor que o deixava incólume perante as vicissitudes e as labaredas do mundo, as nossas e, também e também, as dele.

Um ano antes da copa de 2010, na Nigéria, num mundial de quase meninos, chamado oficialmente de Sub/17, houve uma partida entre Suíça e Brasil, no Estádio Nacional de Abuja. O Brasil tinha Alisson no gol, tinha Casemiro, tinha Coutinho e tinha Neymar. Um timaço. A Suíça tinha Seferovich, Rodriguez e Granit Xhaka, que são titulares do time nesta copa do mundo e estiveram em campo no empate inaugural da semana passada. A partida acabou 1x0 para a Suíça, o Brasil foi desclassificado na fase de grupos. 

Aliás, o gol de Xhaka, hoje contra a Sérvia, foi um golaço de marca, um pelotaço com raiva de fora da área. Daqueles gols que ecoam. A Suíça pode não ir longe nesta copa, mas em 2009, foi quem levantou a taça. Vencendo a Nigéria na finalíssima.

22 de junho, 2018. Brasil e Costa Rica. Suíça e Sérvia. Islândia e Nigéria.






  

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Juiz ladrão!!!!


Uma das piores invenções da humanidade é o árbitro de vídeo nas partidas de futebol. Aquele um que fica no ar condicionado, bedel de costumes e analisador de lances polêmicos, distante do calor do campo, presente no imaginário como o que vai sarar a injustiça no campo. Trata-se de grande besteira. Enorme, retumbante, fascinante.

Eu sempre escrevo que futebol são reminiscências. Muito, mas muito mesmo, do que acontece ali no campo tem pouca ou nenhuma importância. Aliás, pensando bem e que mal tem, o jogo dentro do campo inúmeras vezes é a coisa mais chata do futebol. Há uma transcendência no jogo, uma esfera confusa, contraditória, maravilhosa, dolorida, alegre, efusiva, desastrosa. O gol na data do casamento, a derrota na véspera daquela prova de química, os cantos dentro do ônibus a caminho do estádio, o sanduba de mortadela, o pernil, a namorada que foi com você no jogo. O cantar da torcida, o frio absurdo do cimento do gélido Morumbi, você e mais quinhentas testemunhas numa quarta feira de noite infame e sem condução, tendo que andar até a Rebouças para encontrar algum jeito de ir para casa. Sim, tem o campeonato, tem a briga, tem o quiprocó, tem o erro da arbitragem, tem a pantomima dum chute horroroso. Tem nó tático, tem vitória nos acréscimos, tem derrota humilhante e tem tirar pontos do campeão invicto. Tem rocambole, pipoca doce de isopor, cerveja quente. Tem Nélson Rodrigues, tem "O drible" do Sérgio Rodrigues. Tem Luis Airão, Chico Buarque, Nick Hornby e até o Iron Maiden. Tem o grupo de amigos no uátizapi. Tem o não dormir porque o time perdeu, xingando técnico, jogadores, preparador físico, diretor de futebol e o presidente da república, com azia e má digestão. 

O diabo, e o mau diabo, porque o bom gosta de sambar, é que de uns tempos para cá resolvemos emprestar ao futebol os sentidos morais de uma vida cheia de virtudes. O futebol deixando de ser válvula, arte, música, brincadeira, para ser um simulacro das boas relações sociais, quase que uma reedição dos dez mandamentos. Não roubarás, não matarás, não simulará nem penal nem cusparada. E como nas relações sociais, na vida em concreto, a gente não consegue reproduzir a totalidade dos mandamentos sem dar uma escorregada no quiabo de vez em quando, resolvemos escolher o futebol como lugar do "justo".

Não, evidentemente que não. Não é lícito, legítimo, correto, desejado, vencer uma partida com um gol ilegal. Não vale tudo. Mas a linha onde se constata a má-fé, a blasfêmia, a injúria não é tão firme e resoluta assim. Temos mania de dar como exemplo de mau caratismo o gol de mão de Maradona contra a Inglaterra. Um gol de mão, da Argentina contra a Inglaterra, cazzo! Esquecemos tudo o que ao redor daquele gol se encerra. E julgamos com nossas virtudes todas de quem nunca esquece de escovar os dentes. Mas o penalti que Nilton Santos fez contra a Espanha na copa do Chile e pulou para fora da área, para enganar o juiz, foi o que? A cotovelada de Pelé? Ou o esperar no vestiário, excedendo os quinze minutos entre um tempo e outro, deixando os ingleses debaixo de um sol asteca de mil deuses no cucuruto, na partida mais difícil de 70? A nossa dupla moral, que a gente veste conforme o calor que está lá fora: ora um terno modelinho básico de boa costura ora uma sunga de crochê.

Miranda foi empurrado pelo suíço? Aaaaaah.... por favor.... qualquer jogada de área tem destas. Tem juiz que marca, tem juiz que não marca, tem zagueiro que reclama e tem zagueiro que não dá a mínima, porque puxou o calção do centroavante no lance anterior. Aí, o vestal, lá da cabine com ar condicionado, decide chamar o juizão para lhe dar conselhos ou veredictos. Não sei, mesmo, se me convenço da utilidade disso. "Segue o jogo!".

O futebol é lugar para reminiscências, saudades, memórias, lembranças - muitas delas infantis. Mas me parece que, ao contrário de buscarmos nisso toda a beleza e a infinitude do jogo, estamos é infantilizando a disputa: não se tolera mais a frustração, não se pode deixar espaço para o dúbio, vamos aplicar um corretivo para quem fez feio, menino mau. E como crianças que precisam de distrações para não pensar e questionar a merda de escola que lhes é oferecida nós deixamos que todo o debate sobre o jogo fique nisso de juiz ladrão, gastamos horas e horas nisso, fazemos discurso, fincamos o pé, birra e mais birra. Estamos todos impedidos.  



18 de junho, 2018. Suécia e Coréia do Sul. Inglaterra e Tunísia. Bélgica e Panamá.



Para quem não conhece, ou para quem quer se lembrar, uma cena antológica do filme "Boleiros" do Ugo Giorgetti, com o magnífico Otávio Augusto:

https://www.youtube.com/watch?v=E2Q2icAoKrQ



domingo, 17 de junho de 2018

Zétti, De Sordi, Oscar, Mauro e Noronha. Rui, Bauer e Zizinho. Muller, Leônidas e Careca.



A camisa que tenho da seleção do Brasil é a branca, de 1950. Comprei numa dessas lojas que vendem camisa "retrô". Depois do Maracanazzo nunca mais o Brasil jogou de branco. Gosto de pensar que a minha camisa era a do Bauer, centrocampista que teve a alcunha de "Monstro do Maracanã", um dos poucos que se "salvou" da tragédia. Bauer faz parte de um dos poemas mais bonitos do ludopédio: Rui, Bauer e Noronha, linha média do São Paulo dos anos quarenta.

A camisa branca também podia ser também do Mestre Ziza, o Zizinho, o dez de cinquenta. O mestre foi o Zé Sérgio do Édson Arantes, li certa vez. Comparado a Picasso e a Da Vinci, Zizinho foi um jogador espetacular, capaz de proezas múltiplas. Vindo do Bangu, do estádio de Moça Bonita, que tem como nome oficial, de batismo, "Proletário Guilherme da Silveira" - só pelo nome do estádio o Bangu devia ser campeão todo ano -, Zizinho foi o maestro do time campeão paulista de 1957 e até hoje o Pacaembú nunca mais viu um time tão espetacular. Tinha o mestre mais de trinta e cinco em 58 e por isso, provavelmente, não foi cotado para compor o selecionado de 1958, o primeiro campeonato brasileiro da Jules Rimet, num time potencialmente impossível: Pelé, Garrincha e Didi. Fosse Zizinho um aninho mais novo e o menino Pelé talvez não fosse para a Suécia. 

Em 58, jogamos de azul. Ao menos a final foi de azul. Era a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida, segundo um dos dirigentes. Nos teipes, nas gravações de rádio, nas letras de Nélson, no Museu do Futebol, o time de cinquenta e oito é um estupendo avanço civilizatório, uma alegoria da imensidão que o Brasil poderia ter sido, entre acordes de bossa nova e a folha seca de Didi. O amarelo, portanto, vem depois. 

O amarelo tem causado muita crise existencial,sabemos, de uns tempos para cá. Houve uma apropriação indevida da camisa, da cor e da história e esta tristeza entope as coronárias. Mas quem nunca se emocionou com a mão levantada de Reinaldo e seu gol contra a Suécia? Ou no soco no ar de Pelé? Ou o Doutor, naquele lindo gol contra a Itália? O cacete da história é que a composição de narrativas contraditórias por vezes nos fazem esquecer das essências das cousas. Desde Fried, depois com Leônidas da Silva, da rádio Nacional, das narrações de Ari Barroso, o futebol e a seleção são nossos marcos de identificação cultural e de história, como definidor de nossa gente, como Pixinguinha, Tom Jobim, Milton Santos, Machado de Assis, o samba, os memes. Não temos as Ilíadas, por falta de idade e porque mataram nossos índios ancestrais. Mas temos o chapéu de Pelé no atônito zagueiro galês. Ou o gol de pé descalço contra a Polônia, do nosso Diamante debaixo duma chuva de dilúvio.

No sábado, Marco e Leonel, meus filhos, me pediram para comprar camisas da seleção. E ainda por cima questionaram a minha falta de simpatia, para ser eufêmico, com o time brasileiro. Não adiantou muito qualquer argumento. A simples lembrança do time de Telê e dos abraços que dei em meu pai durante os jogos de 82, me derreteram. Eu tenho direito de negar aos dois este picolé, este chicabon, esta groselha com gelinho na praia em dia de sol? 

Compramos as camisas, no museu do futebol, no mítico Pacaembu. Uma preta de goleiro, uma azul de treino. Sem patrocínios, nem oba oba. E vestimos hoje, eu com a velha camisa branca.

Durante a partida, lá pelas tantas, televisor com som desligado e rádio no talo, daquelas alegrias sem preço, depois de um pombo sem asa e sem direção de algum jogador do time de Tite: "Pai, tenho certeza que se fosse o Shaylon tinha sido gol". 

E concordamos de forma inequívoca que Sidão não tomaria nunca aquele gol de empate.


17 de junho, 2018. Brasil e Suíça. Alemanha e México. Sérvia e Costa Rica.




sábado, 12 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Trinta e Um


Leônidas da Silva é o meu Pelé. Sim, não tenho nenhuma dúvida em afirmar que o Diamante foi o melhor, mais assombroso, mais gigante, mais espetacular, mais Pelé jogador de futebol de todos os tempos. Alguns vão dizer que ele nunca ganhou copa e aquele mesa toda, no que replico que antes do teipe Leônidas fez gol descalço, em Copa. Em Copa! A de 38, um dos melhores escretes nacionais de todos os tempos, que além de Leônidas tinha Domingos da Guia, outra legenda.

Leônidas jogou no São Paulo. Sua estreia foi durante anos e anos o maior público de futebol de uma partida de futebol no planeta onde se joga futebol. É muito emblemático este episódio. Chamaram o craque de bonde, porque chegava ao Mais Querido já velho e cousas do gênero dos beócios. Leônidas arrebentou com o jogo. E depois cansou de ganhar canecos. Foi cronista esportivo, da Pan, na década de sessenta. Tinha fama de ranzinza, mas entupiu a estante com prêmios Roquete Pinto, o Oscar, Emmy, Juca Pato, do rádio nacional em décadas pretéritas.

"Mas você nunca viu o Leônidas jogar!". Este argumento é de um estupor de ausência espiritual, material, sobrenatural. Os fatos divinos, senhoures, senhouras, prescindem de provas. Não é dogmatismo, religião, misticismo, política, groselha ou macarrão com queijo, é a bicicleta, o gol impossível descalço, é a copa de 38, o título magistral de 43, o título épico de 45, o magistral bicampeonato de 46, o caneco espetacular de 48 e o fantástico bicampeonato de 49. E voltando a 38, foi eleito pela crônica mundial, numa copa na Zoropa e tudo, o melhor daquela Copa. O melhor. 

Um dos lugares mais legais da cidade de São Paulo é o Museu do Futebol, que fica ali no Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. Lá temos um memorial de histórias do nosso futebol, das copas, dos jogadores, dos clubes. Leônidas está lá. Na galeria dos imortais. E logo na entrada há umas cabinas com locuções de rádio de diversos gols. Lá é meu canto preferido do museu, porque tem uma locução do Geraldo José de Almeida de um gol de Leônidas, de "bicicleta", o "bonde num gol gol de bicicleta". É de uma lindeza aquilo... 

Hoje fui ao Museu. Levei os meninos. Passeamos. O Pequeno me perguntou de Zizinho, o craque que Pelé idolatrava quando menino, o Pelé do Pelé. E todo feliz mostrei pra ele que Mestre Ziza jogou na copa de 50, que perdemos, e fez parte do time maravilhoso do São Paulo de 1957. Aquele do gol do Maurinho. Mostrei para o grande o genial Didi da Guiomar, contei que foi Didi o Pelé da Copa de 58, embora o menino rei tenha feito os gols mais espetaculares daquele certame. Os dois se encantaram por Mané, nosso mais genial Pelé. Com um pai babão que mostrou que o time deles teve seu Mané, canhoto: Canhoteiro. Tem gol de Rogério no museu. Não foi a primeira vez que fomos. Os meninos sabiam que na sala escura tinha o silêncio do Maracanã, logo depois do gol de Friaça. Sabiam que o pai mostraria Leônidas. E que falaria do lançamento de Gérson como parábola de uma viagem à Lua, Gérson, o Pelé da copa de setenta.

O que eles não sabiam, sequer desconfiavam, foi que desta vez foi muito triste, muito triste, sair daquele museu... Por mim ficava lá, virava Canal 100.
A dor mais dolorida na derrota de sete não foram os gols, os erros, o vexame no campo, que os números dizem ser a maior piaba na história de todas as copas. A maior dor, a que machuca mais, e que infelizmente tem pouco de novidade e pouco a ver com o jogo dos sete foram as declarações de Parreira, de Luis Felipe, dos dirigentes, as explicações da pane, do acidente, a maldita conversa "vazada" entre o treinador e o zagueiro capitão que não jogou contando uma verdade paralela para amainar o sono bovino, a entrevista de Neimar... 

Porque para essa gente não há Leônidas nem Domingos, não há Zizinho nem Didi, não há Mané tampouco Canhoteiro. O lançamento do Gérson é só uma imagem velha de videoteipe... Não há nem Pelé.

Quando a gente diz e luta e afirma que é preciso abrir os arquivos da ditadura militar, para recontar, conhecer e compreender nossa história, que é preciso, sim, julgar torturadores, agentes de estado e financiadores de um sistema macabro que matou e desapareceu com homens e mulheres, estamos querendo compreender quem somos, nossa história, nossa sina, nossos caminhos a percorrer e os a evitar. Negar ou esconder a história, condenar ao esquecimento, nos diminui como estado, como país, como civilização.

Não é a toa que Marin é o presidente da CBF. Herzog também devia gostar de futebol.

Hoje foi triste. E nem tinha sido o jogo com a Holanda...



sexta-feira, 11 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Trintézimo


São pequenos rituais que por muitas e inúmeras vezes fazem a vida da gente ter uma dimensão gigante, maior que tudo. Moramos, quem sabe, na contradição.

Tomo café no mesmo local. Na verdade em três locais. Vou mudando conforme a vontade da broa ou do pão de queijo, se chuva ou se sol, se chegada, almoço ou partida. Tomo mais de um expresso por dia. Esta rotina faz com que em dias funestos, quando aquele prazo horroroso, aquela notícia ruim que terei que dar para um cliente, aquela falta de vontade de ver e ler processos, eu consiga respirar, encontrar calma, apreço pelas cousas. É este apreço, desconfio, que mantém outras rotinas possíveis.

Gosto de fazer minha loteria, minha fézinha, todos os dias. E se não faço fico mal, passado, injuriado. É como não tomar café da manhã ou como deixar de dormir do mesmo lado da cama - só faz bem se foi esbórnia. Quase sempre na mesma lotérica, perto do escritório. Os mesmos jogos, mesmos números, mesmo bicho. Na contravenção deixei de apostar, muito pela preguiça de aprender o milhar e muito mais por uma pseudo culpa militante, quase cristã, das consequências do negócio ilícito. Mas ainda hoje sei o nome da apontadora, a mesma, há anos, no mesmo local, na frente escancarada da galeria. Na lotérica sabem o meu nome, fazem fiado, apostam por mim nos bolões que sempre pago, conhecem o Grande e o Pequeno, sabem que fui casado, que me divorciei, que casei ajuntado de novo, que time torço, quando é segunda feira maneiram nas conversas e quando é sexta me desejam "juízo", algo que recomendo todos os santos dias para elas. São mulheres, exceto o filho do dono, que trabalham na lotérica.

Tem um louquinho que sempre converso. Um homem elegante, negro, forte, com aqueles cabelos lindos que só os negros tem. Veste trapos, mas sempre bagunçadamente em ordem e com uma estranha combinação, sempre melhores e mais bonitas que as minhas gravatas de protozoário. Mora em algum lugar do centro, dizem que num estacionamento, dizem que ficou assim por causa de uma desilusão amorosa e sei que o filho dele, um rapaz também bonito, as vezes pergunta por ele e que respeita a opção do pai - mas isso ouvi dizer, não sei. Gosto dele, do louquinho. Também não sei se ele sabe quem eu sou, se lembra de mim, se me reconhece. Mas me chama toda vez de doutor, eu o corrijo, digo que doutor é médico, ele sorri, se diz de escorpião e joga na quina, sempre o mesmo volante amassado - como os meus. É amável, nunca o vi numa descortesia ou numa brabeza, apesar das gentes que desviam dele, que o olham torto, medo ou repulsa. Carrega milhares de tranqueiras em sacos de lixo, com papéis, formulários, embalagens e lembranças de um tempo distante, talvez. As vezes pago um café, quando o encontro não na fila da lotérica, mas no balcão do cafezinho, mas ele sempre está com pressa e sorrindo. Veste sempre calças coloridas, pelos retalhos diversos: "Ele mesmo que costura", já ouvi dizerem.

Ele sabe que os bancos não recebem mais contas de luz de quem não é correntista e diz isso com aflição, a única que percebo em sua voz: "aumenta a fila aqui na lotérica." Nunca conversamos de futebol. Mas hoje, depois do habitual "deus te abençoe" e "boa sorte no joguinho" - no que retribuo, "no seu também" - ele mandou de bate pronto: "perder de sete é muito, muito ruim". Sorrimos.

Já tinha tomado meu café e caminhando de volta ao escritório, entretanto, matutei sozinho e falei diverso: "Não sei, depende se virar rotina...".



quinta-feira, 10 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XXIX


Odeio esse negócio de clubismo. Acho um saco. Já disse isso aqui e como sou um cara obsessivamente repetitivo, repito.

Acho o fim da picada esse negócio de analisar seleção pensando no clube. Se tem alguém do time, vermute, limão e gelo no copo. Não tem, aquele azedume azedo e cara feia e mau humor. Que coisa...

Mas tem um "clubismo" piorado quando a gente fala de copa e de seleção. É aquele que define quem é quem na copa, nas infindáveis listas dos melhores e eteceteras e tals. Porque aí, mesmo um time moribundo, porque é o nosso país e cousa e lousa, tem sempre um queridinho da seleção do torneio. Um prêmio de consolação para as mágoas. Acho isso o fim da goiabada, cascão e com muito queijo. E neste caso, sem beijo da mulata.

A derrota de sete tem lá suas virtudes, neste vesparéu todo. Ninguém vai colocar ninguém do time brasileiro na esquadra do mundial. Quando a gente perde o rebolado, melhor perder de vez as vergonhas todas, mas mantendo a classe.

Nossos zagueiros podiam estar na lista, alguns resistentes ainda dirão. No que respondo que um sacode de sete, cabal e cabalístico, não permite galhofas. "Mas e o Tiago?". Ora pro nóbis, Tiago tomou o amarelo mais bunda da história dos amarelos. "Mas o juiz foi rigoroso, ele não viu o goleirão Ospina." Bom, duendes existem e ele empurrar a menina pelota para o gol vazio, jogada parada, vale o amarelo só de pirraça. 

Feitas estas observações singulares e sempre isentas - um traço de personalidade feroz deste que vos escreve - escalo minha seleção do mundial de 2014. Antes da final, que quem escala depois da final é um pouquinho como comentarista de arbitragem depois do décimo vetê tira teima leima leiba.

Anotem os clássicos.

Na defesa: Navas, da Costa Rica no gol. O alemão e capitão multi funcional Lahn na lateral direita. O zagueiro, também germânico, Hummels, de um lado. E o costa riquenho Gonzales na outra. Na lateral esquerda, um indiscutível Álvaro Pereira do Uruguay. Aliás, tivesse o Uruguay ido mais longe o lateral sin duda ninguna era candidatérrimo à bola de ouro.

Na linha média, onde o agrião deveria ser cultivado: Mascherano, da Argentina. Tony Kross, da Alemanha. Lionel Messi, de todos nós. E James Rodrigues, da Colômbia.

No ataque, onde o agrião é zona: Robben, da Holanda. E Muller, da Alemanha. Opa... goool da Alemanha.

O melhor do torneio? Putz... divido o prêmio em dois, que sou chegado numa confusão de conceitos: O jogador mais importante do torneio, Mascherano. Por razões óbvias. E o melhor jogador da copa, o Kross da Alemanha. O que ele fez na terça foi só a cereja.

É isso. E... Vou ao sal de fruta... deu uma azia leve aqui. De novo.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Vintoito


Resolvi que hoje era dia de vestir cinquenta. Sim, a camisa branca e azul da seleção de 50. A do Maracanazo. A camisa de Bauer. Bauer, para quem não sabe, fez parte da linha média mais soberba da história de todos os torneios de futebol de todos os tempos, sem exageros. A linha média era um poema assim: Rui, Bauer e Noronha. E estava naquele time de cinquenta, ao lado de Zizinho, um outro desses nossos deuses.

O Grande me perguntou, meio estupefacto, porque vestir uma camisa do Brasil logo hoje. "Porque hoje é necessário."
Quando o Grande chorou ontem, chorou chorado choroso lágrimão, depois do quarto tento, a única cousa que queria era encontrar palavras que servissem de abraço. Para além do abraço, do cafuné, de dar as mãos. Porque sei que frustrações assim serão inevitáveis. E apesar de reconhecer a dimensão mágica do futebol, também reconheço que decepções existem, perambulam, assombram. Dar tratos a bola, como diriam os antigos. Cuidar da gente e de nossos fantasmas.

A reação do Pequeno ao choro do irmão foi imediata. Se assustou, amuou, ficou no meu abraço. Ficamos assim. Nós três. E a Rerrê, que também precisou de acalanto. Quatro a zero era, de fato, demais.

Esbravejei com o time. E com Felipão. Me perguntei quantas e quantas vezes aquele time tinha treinado junto, com o agravante de ter trocado o zagueiro de lado, justo o zagueiro que era esteio do time. Era semifinal, poxa... Mas logo logo desisti de explicações. Pouco ia mudar a moviola e todos iriam buscar suas explicações. Mas a derrota já era inexorável, incontestável, acachapante. Fiquei então pensando neles. E agora?

A resposta veio rápida. Os dois foram bater bola no quintal junto ao primo mais novinho. Chutes nas paredes. Toques. Suores. Provavelmente ali tratavam do jogo, de encontrar um empate. E embora o assunto tenha sido o jogo, ontem e hoje, as mirabolantes discussões do porquê, as milhares de alternativas para outros desfechos, a bola chutada contra a parede foi a melhor das melhores respostas. Devia ter ido lá no segundo tempo, com eles e a Rê.

E hoje eu era o Bauer. O "Monstro do Maracanã", apelido dado por suas partidas memoráveis no mundial de cinquenta. Há tragédias, há vexames, há cousas horríveis. Mas tem a bola no quintal. E quem tem Bauer no time, mais o Zizinho, não precisa e não deve ficar a sofrer infinitos: lamber as crias, lamber feridas, tratar a bola, que rola, até o apito final.





 


Nota de rodapé: E recomendo vivamente o Sesc Pompéia, que tem uma exposição sobre músicas de futebol até o próximo domingo, data da final desta nossa bela copa. Tem até narrações de gols brasileiros de outras copas.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Vinte e Sete


É... o fato é qualquer bobagem que escrevamos - e já dissemos, pensamos e brotamos porque o jogo findou desde muito - será exagerada. Agora, agorinha ainda, que nada esfriou, haverá muita mágoa e ressentimento. Muita. Nestas horas, sei lá, o silêncio nos faz cafunés e é possível apaziguar, acalmar, serenar. Refletir.

Muito se falará da trombada. Haverá um apocalipse e não há racionalidade possível nesta hora. Simplesmente, não há. Há fragmentos. Pequenas construções que podem virar algo mais bonito. Mas hoje, hoje são só pecinhas daqueles brinquedos de montar, que quando a gente pisa neles soltos dói até fio de cabelo mais remoto.

Há certas obviedades: da escalação, da falta de treino, da obtusidade do treinador, da preparação inadequada. Há os erros no campo. Há o fracasso. Sabemos. Provavelmente escolhemos já nossos culpados, o treinador, o centro avante, o beque. É provável. E este canto, infelizmente, já conhecemos. Não termina nunca. E não é bonito.

Quando o São Paulo tomou de sete da Portuguesa, numa partida memorável de Leandro Amaral, morri. Os sete goles, um a um, como adagas feriam. O fim do domingo, daqueles martírios agonizantes, ganhava proporções de histeria. Não durmi. Não comi. E se comi, passei mal. A segunda feira, cruz em credo e tudo, ao aguentar as gozações, as pilhérias, os infortúnios. Era como a pior das ressacas: nunca mais quero futebol. Nunca mais. Este drama. No domingo seguinte estava lá, como se nada tivesse acontecido, xingando de novo o maldito zagueiro. Perdemos depois para o Corínthians, anos depois, de cinco, num Pacaembú em festa. Perder para a Portuguesa é uma cousa, perder para o Timão é outra. Bem pior. Mais dor. Mais morte. Mais drama. E naquele dia, para piorar o impossível, teve falha do Rogério, nosso capitão. Para o sãopaulino uma falha do Rogério, ainda mais porque ele tem dificuldades como todos nós mortais em admitir cagadas, tem o mesmo efeito que uma dor de dente na alma, na raiz do dente. É tanto sofrimento, tanta humilhação, que sentimos inveja dos avestruzes. É assim.

Sim, usei "morte". Uma morte figurada evidentemente. Porque no domingo seguinte, estávamos lá, ou no estádio, ou no rádio, ou na tv. Seleção, felizmente, é diferente. Nossa ligação com o clube é mais ao fígado e quem acha o contrário, desculpe, não sabe a dimensão que tem uma derrota de cinco, de seis, de sete. Vai ficar no tanto faz.

O problema da seleção é que ela ataca ou age num sentimento coletivo, um ser anômalo, uma estima. Num país tão novinho como o nosso a seleção é a que fez glórias, conquistou mundos, nos deu voz, altivez, história. A derrota de ontem - e já é ontem, notem - é um golpe duríssimo nesta história. Perdemos um pedaço de nós que nos orgulhamos, que nos molda, nos define. Nos? Nós, brasileiros. É necessário entender um pouco estas dimensões do futebol e reconhecer como temos sido negligentes com isso. Como temos deixado, impunemente, que canalhas administrem a seleção. Como pudemos, em tão pouco tempo, desmontar elos, pontes, carinhos. E não falo desta seleção, por favor. Vamos olhar no tempo. Vamos reconhecer este distanciamento cada vez mais enorme - uma relação circunstancial que aparece de quatro em quatro anos. Circunstancial e perversa, porque a seleção não é clube. A seleção é história, com agá de povo, povo com pê de cultura. E não há, miseravelmente, gloriosamente, o próximo domingo, aquele que nos ensina que no jogo de futebol se perde e se ganha, se ganha lindamente algumas vezes, se ganha mais ou menos em muitas, se ganha por acaso e se perde, se perde até de forma vexatória, horrível, se morre.

Morremos um pouco, um muito hoje. Seria talvez um próximo domingo que, ao invés de cuspir marimbondos em nossos jogadores, nosso treinador - e não que alguns não os mereçam, por favor, de novo - escolhêssemos esta gente inútil que administra o nosso futebol para dar nossas catarradas.

Acabo de ler que Marin, o seboso, não deixou que Cafu ficasse no vestiário dos jogadores brasileiros depois da tunda. A alegação é a de que não queria estranhos no vestiário. Marin já elegeu seu sucessor na CBF, a dona desta seleção, e ele se chama Marco Polo Del Nero. O domingo está aí, senhoures e senhouras, bem ali...



segunda-feira, 7 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XXVI


Talvez a beleza desta Alemanha e desta Holanda, nas semifinais do Mundial, esteja numa leveza estranhamente inquietante para nossos padrões chauvinistas no trato com o ludopédio.

Carregamos, brasileiros e argentinos, uma culpa infinita nas costas. E por isso inventamos as concentrações, com suas regras, seus pactos, suas futricas. Carregamos a responsabilidade de sermos um time, mas uma nação. Convenhamos, esse caldo desandar é mais fácil que creme de leite passar do ponto na hora de esquentar o estrogonofe. Basta escapulir atenção e pronto.
Deixamos fazer crer e acreditar que uma vitória no futebol - e, em especial, num mundial - é uma efeméride ainda maior que nossas próprias civilizações. O futebol redimirá nossos pecados. 

Já alemães e holandeses desfilam suas alegrias pelas praias da Bahia e do Rio de Janeiro. Tiram fotos. Cantam hinos de clubes brasileiros. Dançam. Trazem crianças para o campo de jogo. Se divertem. Sorriem. Estripulias. Cantam. Há uma alegria ali, que provavelmente um dia foi nossa, pela disputa em si, como num jogo de traves improvisadas. Sim, devem estar pressionados e o futebol, essencialmente na Alemanha, é, sim, uma questão de estado. Mas o futebol é mais um elemento no caldo. Um tempero. Para nós, não. 

Por mais que Gaal seja arrogante, prepotente, há uma diferença com as bigodadas de Scolari. Felipão trata a questão como um problema de estado, os traidores, os desgraçados, os do contra. Gaal é só chato, mas trata do futebol, espinafra a fifa, coloca o pingo no i, briga com os jornalistas, mas não temos a pátria em questão. Há um limite. Um limite interessante se conseguirmos observar de longe. As diatribes do treinador holandês dentro do campo do jogo tem um tipo de cálculo em que é o jogo que importa, tabuleiro. Nossas peripécias são outras: não nos esqueçamos, nunca, da bola arremessada pelo nosso banco de suplentes em direção ao campo do jogo, para atrapalhar uma jogada, para ter duas bolas em campo. Não podemos perder, em hipótese alguma.

A Alemanha, sisuda, sorri. O Brasil, que dizem alegre, sofre um calvário digno de um dramalhão, intenso, mas perverso. Sim, os hermanos estão no nosso barco também. Talvez esta intensidade seja um segredo e nos faça produzir outros tipos de combinações orgânicas estranhas aos demais praticantes do desporto que redundem em paixão no campo, aquela dedicação que trará um gol improvável, a superação, a vaga nas finais. Mas deveríamos aprender com os terceiro e quarto colocados do Mundial e buscar esta leveza. Com paixão e leveza poderíamos flutuar, voar e nunca mais perder um mundial. O problema é saber quem terá esta receita antes, se brasileiros ou argentinos... E, porque não, os uruguaios.

Não cogito a hipótese de ser outra final que não a de Brasil e Argentina. Há um enredo desenhado que exige sofrimentos, agonias, dores. A única pulga que me azucrina é que Alemanha e Holanda estão em campo com doces lascividades, tão belamente inspiradoras. 

O perigo é este feitiço: o lúbrico sempre e sempre pode produzir encantamentos...