domingo, 15 de junho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - IV


Há sempre um cagaço monstruoso acerca dos primeiros jogos de uma copa do mundo. Porque o calendário maluco do futebol mundial coloca a copa no final dos campeonatos de quase todo o planeta. Jogadores baleados, contusões a granel, tornozelos no gelo, joelhos na cristaleira. A ausência de jogadores importantes, de raros talentos, ofuscam a competição e tornam alguns jogos verdadeiros festivais de pedrinhas, de muxoxos e de retrancas federais, com o medo do medo: da derrota e do gol.

Os ternos da federação internacional conseguem ver cifras, contas bancárias, sigilos fiscais, mas não conseguem enxergar o óbvio dos óbvios: a copa deveria ser mágica, sempre. Deveriam imaginar que se um extraterrestre escolhesse algum festival, alguma festa, que definisse um povoado como a Terra escolheria a copa, o futebol, a bola na rede, esta febre infantil que faz meninos. E meninas, sim.

Mas não. Esses ternos, do alto de sua capacidade empreendedora, de sua visão privilegiada do mundo dos negócios, com sua altivez de comerciantes modernos, conseguem destruir essas pinturas como rasgando almas, matando índios. E a copa, ora a copa, é só mais um negócio.

A sorte do mundo - e da galáxia - é que a bola é um universo diferente de tudo. Ela tem um próprio, uma vontade alheia ao resto, uma certeza de deusa que cria, gesta, ama, sorri. E é ela que escolhe heróis, histórias, amores, vexames. A bola, por uma dessas estranhezas que só as maravilhas podem explicar, tem com os brasileiros uma relação especial, especialíssima, duradoura. Escolheu uma nação assim, de índios e negros explorados, espoliados, mas que tem quizumbas, quilombos, festa de São João, carnaval, terço, orixás, cristos, sexo e cauim, para amar febrilmente - e, as vezes, sem ter a reciprocidade dos amantes. Uma paixão lasciva como um lançamento de Gérson. Escale a seleção de 38 e note: há ali Leônidas. E há um gol descalço. Um gol descalço, senhoures e senhouras!

Por isso, neste quarto dia de copa, noto uma centelha de esperança. Porque se fizeram o que fizeram e fazem por aí, a dinamitar o Tejo de cada um de nós, a bola vai lá e cochicha ao boleiro: "Camarada, meu caro, a copa é lá na terra de Didi e de Garrincha. Não façam galhofa e tratem a pinimba com esmero.". E Robben, que deve falar a língua da bola, que deve dormir com a menina embaixo do travesseiro, resolve mostrar ao mundo que a retranca, na copa no Brasil, não tem muito sentido, não tem razão alguma. E o medo de perder - notem a grandiosidade desta conclusão absoluta - dá espaço para o prazer do gol. E estamos na melhor média de goles desde a copa de 54, quando os esquemas táticos tinham um monte de numerozinhos, mas cinco atacantes. 

A partidaça de Campbell, da Costa Rica, no jogo de ontem, a beleza de Pirlo, a graciosidade de Giovani dos Santos, a virada comandada por Drogba, só porque ele estava em campo, sem quase tocar na pelota. A copa está na parábola que acabará na cabeça de Van Persie e dará uma cambota nos ares antes de ultrapassar Cassilas. "Goooooool".

E há um sorriso redondo numa moça redonda num mundo redondo.

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