sábado, 16 de junho de 2018

Como sói acontecer



José Sérgio Presti, o Zé Sérgio, ponteiro esquerdo do São Paulo no fim dos setenta e começo dos oitenta - e que depois jogou no Santos, no Vasco e no Japão, foi o meu Pelé. De certa forma foi a partir de suas jogadas, de seus dribles e avanços, de seus gols, que comecei a ver o mundo com mais carinho pela esquerda do campo. 

Foi num natal entre 77, e aí deve ter sido Papai Noel, e 79, e aí devem ter sido meus pais, que ganhei os primeiros times de futebol de botão, meus grandes e saudosos camaradas, que me acompanhariam brincadeiras e vida adentro. Eram dois times de botão daqueles de acrílico, de prenda de festa junina, do São Paulo e do Santos. E junto aos times, o Estrelão, o meu Morumbi. Escalo o time que fez a partida inaugural, em voz de repórter de campo: "Valdir, Getúlio, Bezerra, Chicão, Neca, Serginho e... pela ponta esquerda, confirmado, Zé Sérgio, com a ooooonze!". No Santos, tinham Nilton Batata, Rubens Feijão e Juari. O jogo deve ter acabado com vitória tricolor, provavelmente por goleada. Mas, certamente, Zé esmerilhou: fez gol, passou, driblou, bateu lateral, escanteio, foi zagueiro e tudo mais. Eu tinha um caderninho que anotava os jogos e resultados das minhas partidas. Quando o caderninho se fechou, devia estar na faculdade já, o Zé devia ter uns mil gols.

Aquela jaqueta onze foi motivo de sonho. E de dores: Zé teve a carreira abreviada por contusões, por ter quebrado a perna e por um episódio de doping por causa de Naldecon ou dalgum tipo de antigripal similar. Odeio remédios,  abaixo a medicalização! Os zagueiros só paravam o Zé na porrada. Eu chorei quando o Zé, voltando do estaleiro, teve uma recidiva num jogo de meio de semana. Naquela época, na Record, durante o bangue bangue a italiana, os resultados dos jogos do campeonato paulista eram mostrados por pequenos tipos na parte inferior da tela. Os faroestes espaguetes e o Zé Sérgio. Memórias, sempre elas. E trilha do Morricone.

Não importam os analistas econômicos dizerem todos os sacrossantos dos dias que para a economia ir bem temos que ter austeridade, equilíbrio fiscal e aquele monte de discursê sobre competitividade, eficiência, gestão privada e lufts. Para mim, o fato, o dado concreto, o calor do asfalto, Zé Sérgio foi o maior craque que vi jogar. As vezes eu acho que estes comentaristas esportivos, a tal crônica especializada, repete uma série de numerozinhos e obviedades para encaixar realidades em suas teses, para dizer que um  time ou um jogador são melhores que outros. Mas é o bolsa família que tira as pessoas da miséria, que inclui famílias e famílias no tal mercado, é o SUS que possibilita algum tipo de atendimento quando a saúde falha. Planilha boa é a do excel, quando resolve teu dilema ou quando preenche as classificações dos grupos automaticamente depois dos palpites no bolão.

Cristiano Ronaldo é um Zé Sérgio, desconfio. Mas é, em sua intensidade e objetividade, uma aula de economia. Dizem das vaidades de Cristiano, de sua soberba de quem sempre anda de queixo erguido, de seus gols de penal e até dos cremas que passa na face. Mas ali, no petardo, no cotidiano, nos diversos e rotineiros mísseis que viram golos, sempre o vejo abraçando os camaradas de time e sorrindo para algum guri que vive no Tejo...

Uma última notinha, antes d´ir: Hoje, no meu Estrelão, provavelmente o Zé estaria a tabelar com o Cavani, procurando algum jeito de retribuir o Dario Pereyra, o Pablo Forlan, o Lugano e o magnífico Pedro Virgílio Rocha, um Sérgio Leone das quatro linhas. 

16 de junho, 2018. França e Austrália. Argentina e Islândia. Peru e Dinamarca. Nigéria e Croácia.


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