quarta-feira, 13 de junho de 2018
"Apiiiita o árbitro e rompe-se a inércia do universo"
Pensei muito se deveria ressuscitar este campinho. Por aqui, na última copa, a do Brasil, escrevi pequenos textos, crônicas e observações durante todos os dias do certame. Foi prazeroso e, de certa forma, me reconciliou com o mundial. Há tempos, e muitos, que acho que o futebol é um local de afetos, de reminiscências, de pequenas memórias. Pouco ou nada tem a ver com a seleção. Tem a ver com algo outro, aqui dentro, que faz parte de mim: o menino que ainda chora esperando que a bola do Oscar cruze a linha, que Zoff não alcance a pelota,um abraço do Seu Nilto e que aquele Sarriá seja meu Estrelão.
Minha primeira memória ligada a uma copa do mundo é distante, longinqua. Quintal de minha vó, o rádio da ave maria ligado nas transmissões esportivas e minha torcida pela Argentina, quando todos na casa diziam que devia ganhar a Holanda, que a coisa andava braba pelos lados de nossos vizinhos. Evidente, o menino queria era ser o Kempes e pouca pelota deu para os conselhos alheios, dos mais velhos. Engraçado, que tempos depois eu seria um apaixonado por laranjas mecânicas: Para mim, o gol de Berkcamp contra os argentinos é a prova mais do que suficiente para comprovar a existência de um tempo paralelo, feito só de belezas.
Mas é em 82, século passado, na única copa que realmente existiu, que algumas cousas me chamam pelo nome, me abraçam, me encantam, me fazem chorar. A eliminação naquele jogo contra a Itália, mas mais. Lembro de um radinho de pilha, cor vermelha, que ganhei dos meus pais para ouvir os jogos do São Paulo quando ia ao estádio - o rádio era o melhor tradutor dos fatos. E de levar o rádio escondido na mochila escolar de quarta séria do primário para poder ouvir Espanha e Honduras numa aula de matemática da Tia Meire. Da goleada da Hungria num perdido selecionado de El Salvador, dez tentos a um. E das minhas narrações imaginárias dos jogos imaginários. A Rádio Popular AM fez a melhor cobertura daquela copa. E Renato Pé Murcho, o oito do Tricolor e reserva do Sócrates, marcava o gol do caneco.
Escrevendo aqui pondero se tudo isso realmente aconteceu.... se não foi tudo resultado de minha imaginação, esta mesma que me ajuda agora. Sei que o radinho naquela aula de matemática, entre uma carta de amor nunca respondida da primeira paixão e o caderno de artes, provavelmente só foi escutado baixinho e durante a aula porque a professora tolerou - o menino tirava boas notas e gostava muito de futebol - e não porque tenha sido uma imensa transgressão infantil. Sei também que depois de 82 nunca mais tive uma seleção como aquela, não só porque cresci e perdi interesse, mas, essencialmente, porque minha relação com o futebol passa pelo São Paulo, pelo time que torço e que sem jogadores do meu time, perco tesão. Sou daqueles que acha impossível explicar porque o Zetti não foi titular em 94 e que ainda comemora o gol de penal, de Raí. Nunca entendi Mazinho, nem Taffarel.
A copa é este local, de afetos. Os jogos mais inusitados são sempre poéticos e trágicos, como um Dinamarca e Uruguay, como um Colômbia e Camarões, como um frenético França e Alemanha decidido nas penalidades, depois de viradas heróicas e fantásticas. O gol da Espanha contra a Austrália... que golaço. Mas são nas minhas narrações. Reconciliar-se com a copa é conversar comigo. Me faz bem.
Outro dia lembrei que, na última EuroCopa, procurava ouvir os jogos, no escritório, em estações de rádio dos países que estavam jogando. Ouvi empolgado a alegria de galeses pela BBC e noutra peleja, não entendi nada, mas entendi tudo, uma narração croata na vitória destes contra a Espanha. Quem nunca ouviu um golo de Cristiano narrado pelas rádios portuguesas nunca comeu pastel de belém.
No fundo, o surrado radinho vermelho, sempre ligado nas transmissões da Rádio Popular... AM.
Voltei.
14 de junho, 2018. Rússia e Arábia Saudita.
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