Engraçado
como o planejamento, o pré-roteiro e as expectativas foram ao longo
do dia, instante a instante, descolorindo. O carvão do desenho
sumindo e me deixando aqui, neste boteco da zona leste, sem a mínima
ideia sobre de que roupas vestir minha crônica.
O
fato é que são tantas as abordagens disponíveis que perdi o rumo.
Um dia como hoje é como a noite de um insone: os filmes vão se
misturando, sobrepondo-se, confundindo-se. E a gente perde o rumo.
Poderia
falar das manifestações, das vaias à Presidenta ou das palmas ao
Governador. De como os black blocs acabaram por expulsar das ruas
seus donos e devolvê-las à violência do Estado. Mas não vou por
aí. Porque burguesinhos mascarados me irritam. Mas policiais
descendo o porrete me enojam. Não vou por aí.
Não
pode ser por aí minha primeira crônica nesta Copa, que nasceu há
algumas horas aqui mesmo nesta zona leste.
Aliás,
poderia começar pela Arena, que não é linda nem feia, não é
organizada nem confusa, não é passado nem futuro, mas um improviso
coberto de maquilagem de grife.
Mas
não vou por aí, nem vou falar da festa de abertura ou de suas
falhas. Nem da cerveja quente ou da ausência de pobres na audiência.
Nem da confusão na organização das filas ou do caos no tráfego.
Eu
acho que o melhor é cuidar do jogo, o veneno que - das mais
diferentes formas - nos mantém meninos, impedidos deliciosamente de
crescer.
E,
amigos, não é sempre que se vê uma seleção anfitriã estar
perdendo por dois a zero antes dos vinte minutos de jogo.
É
certo que o primeiro gol, do veterano Darijo Srna, foi tão ilegal
que até agora não estou certo se o árbitro deveria ter registrado
antes a falta em Thiago Silva ou seu impedimento na jogada.
Também
é certo que uma cobrança de falta como a de Luka Modric só ocorre
uma vez em cada século: uma bola resvalar na barreira, em Luiz
Gustavo e tocar ambas as traves antes de entrar é difícil de
engolir até na ficção.
Mas
o fato é que o telão em Itaquera apontava 2 X 0 aos dezenove
minutos do primeiro tempo.
Mas
talvez não seja por aí a abordagem, pois daria a impressão de um
domínio croata que não houve. Até por outra: é importante
registrar a competência e a elegância de nossa zaga, com Thiago e
David, talvez a melhor desde 1994, e a ousadia de Neymar e a precisão
de Ganso, que parece ter compreendido que sua chance - nascida do
infortúnio sobre Oscar, que Deus o guarde - é única.
Tanto
que, no segundo tempo, Neymar - ao empatar a partida, correr às
redes, embrulhar a bola e correr, sem comemorar, ao centro - parecia
o capitão de uma nau que - a despeito da tormenta - permanece firme
em seu rumo.
Diferente
de mim, que não encontro a abordagem de que preciso no bagunçado
embornal de ideias que me acompanha nesta mesa de boteco da zona
leste, incrivelmente vazio após um jogo da seleção.
Talvez
devesse trazer aqui a minha experiência neste dia, qual Thompson: as
borrachadas, a correria, a alegria de - mais uma vez - cobrir uma
Copa, desta vez em casa, e a emoção de estar mais uma vez reunido a
um grupo de amigos que já fazia falta. Mas não sei se vou por aí
também.
Digo
da partidaça que fez Daniel? Digo da necessidade de a seleção
buscar uma vibração que encontre a da torcida? Digo da importância
de ganhar os próximos jogos após esse empate?
Ainda
não achei o rumo para a minha crônica.
Acho
que vou por aí. Pra ver se acho.
Brasil
2 X 2 Croácia (Neymar Jr., duas vezes, Darijo Srna e Luka Modric)
São
Paulo, 12.06.14
Demétrius Cruz.
Este texto é do Deco. O Dequinho é um cara supimpão. Escritor: dramaturgo e roteirista. Um dia escreveram sobre ele lá nos "Bolonistas": http://osbolonistas.zip.net/arch2005-11-01_2005-11-30.html#2005_11-15_21_42_09-2402205-29
Começou mui bem nossa Copa! Que jogo!
ResponderExcluirChefe, tô indo pra Fortaleza. Mujica, Lugano e tals. Deco
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