sábado, 14 de dezembro de 2013

Um rumo





Engraçado como o planejamento, o pré-roteiro e as expectativas foram ao longo do dia, instante a instante, descolorindo. O carvão do desenho sumindo e me deixando aqui, neste boteco da zona leste, sem a mínima ideia sobre de que roupas vestir minha crônica.


O fato é que são tantas as abordagens disponíveis que perdi o rumo. Um dia como hoje é como a noite de um insone: os filmes vão se misturando, sobrepondo-se, confundindo-se. E a gente perde o rumo.


Poderia falar das manifestações, das vaias à Presidenta ou das palmas ao Governador. De como os black blocs acabaram por expulsar das ruas seus donos e devolvê-las à violência do Estado. Mas não vou por aí. Porque burguesinhos mascarados me irritam. Mas policiais descendo o porrete me enojam. Não vou por aí.


Não pode ser por aí minha primeira crônica nesta Copa, que nasceu há algumas horas aqui mesmo nesta zona leste.


Aliás, poderia começar pela Arena, que não é linda nem feia, não é organizada nem confusa, não é passado nem futuro, mas um improviso coberto de maquilagem de grife.


Mas não vou por aí, nem vou falar da festa de abertura ou de suas falhas. Nem da cerveja quente ou da ausência de pobres na audiência. Nem da confusão na organização das filas ou do caos no tráfego.


Eu acho que o melhor é cuidar do jogo, o veneno que - das mais diferentes formas - nos mantém meninos, impedidos deliciosamente de crescer.


E, amigos, não é sempre que se vê uma seleção anfitriã estar perdendo por dois a zero antes dos vinte minutos de jogo.


É certo que o primeiro gol, do veterano Darijo Srna, foi tão ilegal que até agora não estou certo se o árbitro deveria ter registrado antes a falta em Thiago Silva ou seu impedimento na jogada.


Também é certo que uma cobrança de falta como a de Luka Modric só ocorre uma vez em cada século: uma bola resvalar na barreira, em Luiz Gustavo e tocar ambas as traves antes de entrar é difícil de engolir até na ficção.


Mas o fato é que o telão em Itaquera apontava 2 X 0 aos dezenove minutos do primeiro tempo.


Mas talvez não seja por aí a abordagem, pois daria a impressão de um domínio croata que não houve. Até por outra: é importante registrar a competência e a elegância de nossa zaga, com Thiago e David, talvez a melhor desde 1994, e a ousadia de Neymar e a precisão de Ganso, que parece ter compreendido que sua chance - nascida do infortúnio sobre Oscar, que Deus o guarde - é única.


Tanto que, no segundo tempo, Neymar - ao empatar a partida, correr às redes, embrulhar a bola e correr, sem comemorar, ao centro - parecia o capitão de uma nau que - a despeito da tormenta - permanece firme em seu rumo.


Diferente de mim, que não encontro a abordagem de que preciso no bagunçado embornal de ideias que me acompanha nesta mesa de boteco da zona leste, incrivelmente vazio após um jogo da seleção.


Talvez devesse trazer aqui a minha experiência neste dia, qual Thompson: as borrachadas, a correria, a alegria de - mais uma vez - cobrir uma Copa, desta vez em casa, e a emoção de estar mais uma vez reunido a um grupo de amigos que já fazia falta. Mas não sei se vou por aí também.


Digo da partidaça que fez Daniel? Digo da necessidade de a seleção buscar uma vibração que encontre a da torcida? Digo da importância de ganhar os próximos jogos após esse empate?


Ainda não achei o rumo para a minha crônica.


Acho que vou por aí. Pra ver se acho.


Brasil 2 X 2 Croácia (Neymar Jr., duas vezes, Darijo Srna e Luka Modric)
São Paulo, 12.06.14

Demétrius Cruz.

Este texto é do Deco. O Dequinho é um cara supimpão. Escritor: dramaturgo e roteirista. Um dia escreveram sobre ele lá nos "Bolonistas": http://osbolonistas.zip.net/arch2005-11-01_2005-11-30.html#2005_11-15_21_42_09-2402205-29

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