No caminho para Cuiabá fui pensando, muito, no tom da escrita e do relato. Desde a maldita definição de que a Copa do Mundo seria no Brasil sentimentos se misturam, contraditórios. Como todos, alias. Os sentimentos são sempre possíveis.
Por um
lado, carambola cósmica, desde pequeno queria uma copa aqui. E
quando digo aqui, nas minhas memórias, estão os jogos na Rua Javari,
no Canindé, no Pacaembú, no Morumbi, no Palestra e até no Parque
São Jorge. Teríamos jogos em Moça Bonita, na Rua dos Eucaliptos –
que já nem existe mais. Sim, era uma copa de menino que recortava
escudo em revista para colar em botão que ganhara em prenda de festa
junina. Mas, já disse noutras e noutras vezes, futebol são essas
reminiscências.
Por
outro, carambola atômica cor de limão, a nojeira disso tudo. Dos
gastos com uma dinheirama sem fim para os mesmos de sempre do Brasil
Maravilha, das empreiteiras de sempre, dessa gente nojenta de sempre
que vê no Estado uma enorme teta de vaca, sem a vaca, só a teta.
Das corruptelas, das corrupções, das melecas, da funesta relação
entre o público e o privado. Do patrimonialismo, da cara de pau, da
rede Globo e quejandos. Do cinismo do presidente operário que para
se manter mais calmamente no poder fez o pacto com a camarilha de
cima, que em nenhum momento tentou tomar as rédeas do processo de
construção da copa, deixando esta festança para Ricardo Teixeira e
clube e, posteriormente, para a figura enauseante, podre, caquética,
mequetrefe, acaju, do governador biônico paulista, cartola de
sempre.
O
futebol é, sim, daqueles elementos que definem o país. Que nos
caracteriza, define, desenha, molda. É um traço cultural do povo
brasileiro. A Copa é a copa. E por isso, de tão relevantes, não
deviam ser tratadas desta forma patife.
Mas o
jogo é Chile e Austrália. Um calor de matar cactus assombrava
junho. Não houve, como na noite da estreia, manifestações, gás de
pimenta, sururu. Nem vaia. O estádio gritava “Chi-Chi-Chi...
Le-Le-Le”. Vermelho e azul. Estava bonito. De fato, só por este
jogo, meu ceticismo com relação ao certame se desmontava: havia
festa e celebração. Do lado de fora, brasileiros, chilenos e
paraguaios, muitos, sem ingresso, faziam uma festa digna, alegre,
repleta de cores. Dentro do estádio, tomado por uma maioria chilena,
muita cantoria. O estádio veio abaixo quando Bachelet apareceu no
telão. E se gritavam palavras contra Pinochet, para desespero da
FIFA – no telão era possível perceber que as câmeras fugiam das
faixas e camisetas que mandavam à merda o ditador pulha. Arrepiou o
hino chileno. Mesmo. No telão, Salas, Zamorano, Figueroa e Caszely.
Eu fui ao estádio com uma camisa com a cara do Caszely, do filme
“Rebeldes do Futebol”, documentário do Eric Cantona. Sorri.
Sim,
alguns torcedores e torcedoras da Austrália estavam por lá. Mas era
dia de pisco. Sem dúvida.
Bola
rolando e.... do calor, a chuva. Uma quimera. Aparentemente o
sistema de drenagem passara no teste crucial. Mas uma poça na
entrada de uma das áreas e um charco embaixo de um dos arcos –
fazendo lembrar estádios da década de 70 espalhados pela Latino
América – davam um ar de verdade ao “clean” padrão FIFA.
Valdívia
– e camisas do Palestra eram visíveis nas arquibancadas –
arrancou pelo meio, fintou um, dois, três, deu o famoso drible do
chute no ar, o zagueiro caiu ao chão numa imagem que certamente fará
parte das antologias da copa... mas ao entrar na área deu um chute
tão mixo que o goleirão até sorriu antes de pegar a rechonchuda.
Lá
pelas tantas, Alexis, fez um golaço. Bolaça de Valdívia. Encobriu
arqueiro e zagueiro. O Chile mostrava força. Só não contava com a
presepa, aos trinta e sete do segundo tempo. O goleiro escorregou na
poça e a bola sobrou libre para um de camisa amarela – não sei,
confesso, o nome do canguru. Um toquinho sutil, suave, belo até.
Empate.
A
pequena torcida da Austrália fez grande estardalhaço. Voltava o
calor. Lá fora, eram os brasiguaios a cantar e a convencer os
chilenos que contra Espanha e Holanda a sorte sorriria. Faltou vinho
no pantanal.
Chile 1
x 1 Austrália (Alexis Sanches e Archie Thompson)
Cuiabá,
13 de junho de 2014.
Por Fernando Amaral.
Por Fernando Amaral.
Parabéns, chefe. Você consegui fazer chover em junho em Cuiabá. Se bem que o Demetrius já consegui pegar temperaturas negativas por lá.
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