segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"O el asilo contra la opresión..."


No caminho para Cuiabá fui pensando, muito, no tom da escrita e do relato. Desde a maldita definição de que a Copa do Mundo seria no Brasil sentimentos se misturam, contraditórios. Como todos, alias. Os sentimentos são sempre possíveis.

Por um lado, carambola cósmica, desde pequeno queria uma copa aqui. E quando digo aqui, nas minhas memórias, estão os jogos na Rua Javari, no Canindé, no Pacaembú, no Morumbi, no Palestra e até no Parque São Jorge. Teríamos jogos em Moça Bonita, na Rua dos Eucaliptos – que já nem existe mais. Sim, era uma copa de menino que recortava escudo em revista para colar em botão que ganhara em prenda de festa junina. Mas, já disse noutras e noutras vezes, futebol são essas reminiscências.

Por outro, carambola atômica cor de limão, a nojeira disso tudo. Dos gastos com uma dinheirama sem fim para os mesmos de sempre do Brasil Maravilha, das empreiteiras de sempre, dessa gente nojenta de sempre que vê no Estado uma enorme teta de vaca, sem a vaca, só a teta. Das corruptelas, das corrupções, das melecas, da funesta relação entre o público e o privado. Do patrimonialismo, da cara de pau, da rede Globo e quejandos. Do cinismo do presidente operário que para se manter mais calmamente no poder fez o pacto com a camarilha de cima, que em nenhum momento tentou tomar as rédeas do processo de construção da copa, deixando esta festança para Ricardo Teixeira e clube e, posteriormente, para a figura enauseante, podre, caquética, mequetrefe, acaju, do governador biônico paulista, cartola de sempre.

O futebol é, sim, daqueles elementos que definem o país. Que nos caracteriza, define, desenha, molda. É um traço cultural do povo brasileiro. A Copa é a copa. E por isso, de tão relevantes, não deviam ser tratadas desta forma patife.

Mas o jogo é Chile e Austrália. Um calor de matar cactus assombrava junho. Não houve, como na noite da estreia, manifestações, gás de pimenta, sururu. Nem vaia. O estádio gritava “Chi-Chi-Chi... Le-Le-Le”. Vermelho e azul. Estava bonito. De fato, só por este jogo, meu ceticismo com relação ao certame se desmontava: havia festa e celebração. Do lado de fora, brasileiros, chilenos e paraguaios, muitos, sem ingresso, faziam uma festa digna, alegre, repleta de cores. Dentro do estádio, tomado por uma maioria chilena, muita cantoria. O estádio veio abaixo quando Bachelet apareceu no telão. E se gritavam palavras contra Pinochet, para desespero da FIFA – no telão era possível perceber que as câmeras fugiam das faixas e camisetas que mandavam à merda o ditador pulha. Arrepiou o hino chileno. Mesmo. No telão, Salas, Zamorano, Figueroa e Caszely. Eu fui ao estádio com uma camisa com a cara do Caszely, do filme “Rebeldes do Futebol”, documentário do Eric Cantona. Sorri.

Sim, alguns torcedores e torcedoras da Austrália estavam por lá. Mas era dia de pisco. Sem dúvida.

Bola rolando e.... do calor, a chuva. Uma quimera. Aparentemente o sistema de drenagem passara no teste crucial. Mas uma poça na entrada de uma das áreas e um charco embaixo de um dos arcos – fazendo lembrar estádios da década de 70 espalhados pela Latino América – davam um ar de verdade ao “clean” padrão FIFA.

Valdívia – e camisas do Palestra eram visíveis nas arquibancadas – arrancou pelo meio, fintou um, dois, três, deu o famoso drible do chute no ar, o zagueiro caiu ao chão numa imagem que certamente fará parte das antologias da copa... mas ao entrar na área deu um chute tão mixo que o goleirão até sorriu antes de pegar a rechonchuda.

Lá pelas tantas, Alexis, fez um golaço. Bolaça de Valdívia. Encobriu arqueiro e zagueiro. O Chile mostrava força. Só não contava com a presepa, aos trinta e sete do segundo tempo. O goleiro escorregou na poça e a bola sobrou libre para um de camisa amarela – não sei, confesso, o nome do canguru. Um toquinho sutil, suave, belo até. Empate.

A pequena torcida da Austrália fez grande estardalhaço. Voltava o calor. Lá fora, eram os brasiguaios a cantar e a convencer os chilenos que contra Espanha e Holanda a sorte sorriria. Faltou vinho no pantanal.

Chile 1 x 1 Austrália (Alexis Sanches e Archie Thompson)
Cuiabá, 13 de junho de 2014.

Por Fernando Amaral.

Um comentário:

  1. Parabéns, chefe. Você consegui fazer chover em junho em Cuiabá. Se bem que o Demetrius já consegui pegar temperaturas negativas por lá.

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