terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Os calouros e as meretrizes idosas.




Descendo as escadas de meu avião no Santos Dumont, o mais charmoso aeroporto do mundo suspiro e me pergunto pela centésima vez se aquela é a primeira jornada até a realização de um de meus maiores sonhos: testemunhar uma final de Copa do Mundo entre o escrete canarinho e nuestros hermanos argentinos?

 
Sem tempo para perder, me mandei para o velho Adonis, afinal de contas, o Rio, mesmo no frio é quente. O Benfica, onde o Rio é mais português, fervilhava de gente naquela tarde, e eu, trajado com a minha camiseta do meu querido Rosário Central tratei de me perder numa mistura de carregadores da CADEG (um deslumbrante entreposto de secos e molhados) de folga, velhos frequentadores e um grupo de peladeiros do São Cristóvão, campeão carioca de 1926. Caldeiretas, bagaceiras e bolinhos de bacalhau eram consumidos e eu tentava me lembrar que a minha razão de estar lá era cobrir a estréia da poderosa Argentina contra a estreante Bósnia e Herzegovina, no fim de tarde, no templo-mor do futebol.

 
Com o torpor causado pelo engasgagato português que bebia, flashes vinham à minha cabeça sobre esquadrões argentinos repletos de heróis que eu já tinha visto em outras copas, que tinham me emocionado e que num lapso de segundo.....tinham naufragado. Maradona, Caniggia, Redondo, Verón, Saviola, Aimar, Simeone, Batistuta, entre outros, sempre eram soberbos, divinos, até serem derrubados por algo aparentemente inexplicável.

 
O panorama agora era bem menos alentador; Messi era basicamente toda a esperança de um time que tinha o inseguro Romero no gol, a defesa sendo sustentada pelo jurássico Coloccini, um meio de campo razoável com Mascherano, Gago, Di Maria e Pastore e no ataque, ele, Lionel e o vascilante Kun Aguero.

 
Quando o cheiro da bagaceira já era insuportável, tomei o rumo do velho Maraca com direito a uma paradinha na Salete para comer uma empadinha de camarão e tirar a nhaca. Entrando no bar escuto uma saudação “canalla cagón”, bradada por um argentino imenso com a camisa do Boca no meio de um bando enlouquecido. O susto foi aquietado por um largo sorriso e um abraço caloroso. Agora eu era parte de uma trupe que ia junta para o estádio.

 
Uma massa humana bizarra se formava e se transformava numa mancha imensa na frente do Maraca. De todas as partes surgiam camisetas e adereços de Boca, River, Independiente, Racing, Quilmes, Vélez e muitos outros times, criando um mosaico humano fabuloso, que cantava musicas como mantras.

 
Dentro do estádio, uma curiosidade natural com a seleção da Bósnia e Herzegovina, a única seleção caloura deste mundial; a seleção de um país surgido após uma guerra genocida ainda na década de 90 e que por isso povoa mais o imaginário de todos com sua dor do que com a sua beleza.

 
Começa o jogo e o que se vê é uma seleção Bósnia marcando de maneira muito forte a seleção Argentina, que permanece encurralada por 20 minutos em seu campo de jogo até que em uma troca de passes entre Messi e Gago, Messi deixa Di Maria livre para fazer Argentina 1x0. Mal recomeça o jogo e, numa arrancada brusca, Lionel sente uma forte fisgada e tem que ser substituído por Lavezzi. Pressão fortíssima da Bósnia até que num cruzamento perfeito, Dzeko sobe mais do que Zabaleta e empata o jogo, 1x1. Comemoração tímida da maior parte do estádio, brasileira e uma centena de bósnios.

 
Rola o segundo tempo e a Argentina, mesmo sem Lionel, com o alento de sua torcida, toma conta do jogo. Mascherano marca duramente Pjanic e a bola rola de pé em pé no meio campo platino, evocando por alguns instantes os espíritos de Lousteau, Di Stéfano e Pedernera. Faltava, entretanto o gol, a finalização, o cara. Nessa hora, num lance apoteótico, recebendo a bola de Lavezzi, Aguero entortou dois defensores e fuzilou a meta bósnia marcando 2x1 para a Argentina. Quatro minutos mais tarde, aproveitando uma bola mal espalmada pelo arqueiro bósnio, o mesmo Kun tocou com tranqüilidade para sacramentar o resultado final de 3x1 e, em seguida se dirigiu para a tribuna em que estava seu ex-sogro e desafeto Maradona, fazendo sinal de silêncio. O jogo, no fundo tinha sido mequetrefe, mas a ordem natural dos fatos não tinha sido mexida.

 
Final do jogo e a torcida cantava a plenos pulmões, parecendo nem se lembrar mais da tíbia situação de seu maior ídolo, Messi. O mantra tomava conta do Maracanã e, enquanto os brasileiros iam embora, acabei me encontrando com o meu desconhecido amigo com a camisa do Boca e sua turma. Descobri que se chamava Juan Domingo e combinamos de ir festejar na feira de São Cristóvão.

 
A noite já corria, o forró tocava com força, os argentinos cantavam, bebiam e enfiavam a cara na cachaça, quando eu percebo a chegada de dez sujeitos vestidos com a camisa do Vasco da Gama que, pasmem, se juntaram à bagunça e conosco festejaram. O mundo, meus amigos, tem jeito sim.



Resultado final : Argentina 3x1 Bósnia e Herzegovina 
(Di Maria, Aguero, duas vezes e Dzeko) . Maracanã. 
15.06.2014

Álvaro Larrabure Costa Corrêa
(Um dia poemaram para nosso Ogrito, lá nos Bolonistas... Um cordel tão lindo quanto o cara: http://osbolonistas.zip.net/arch2005-11-01_2005-11-30.html#2005_11-18_16_52_04-5048921-29  

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