Sobre
caranguejos e vitórias.
Cheguei ontem em Fortaleza, capital
que não conhecia, um curto discurso bem ensaiado contra a pergunta do taxista:
“Para qual hotel, senhor?”
“Nada de hotel: caranguejo”.
“Opa, qual restaurante, senhor?”
“Algum bom, barato e feio”.
Não me arrependi: passei minhas
primeiras horas em terras de Iracema no Marcão das Ostras, atacando a golpes de
martelo infortunados crustáceos.
Porque, senhores, comer caranguejo
é a ação mais brutal, constrangedora e prazerosa que podemos fazer vestidos.
Marretinha em punho, desferindo pauladas e lançando rubras cascas pontiagudas
contra vizinhos de mesa; sugando feito um tamanduá disfuncional a parca e
deliciosa carne branca do interior de perninhas cabeludas; abrindo a cabeça do
bicho e devorando, misturada à farinha, uma gosma marrom, meio gordura meio
cocô. É talvez a única refeição em que temos de matar – com crueldade
indescritível – o animal depois de cozido.
Acredito que se os extraterrestres,
ao invadirem a terra em busca de tesouros escondidos, toparem com um camarada
atacando um caranguejo, voltam imediatamente, aterrorizados.
Mas não é pelos caranguejos que
estou aqui nesta linda capital, onde todos os nativos – à exceção dos
comediantes profissionais – são engraçadíssimos. O que me traz aqui, senhores,
é a peleja entre Uruguai e Costa Rica, válida pelo inacreditável grupo D desta
Copa.
A euforia que cerca a seleção
celeste, sensível em cada boteco, em cada banca de jornal, em cada padaria, na
calçada que beira Iracema, ultrapassa a maiúscula campanha de 2010 ou a fase
atual de Cavani. A euforia ultrapassa esta Copa e o próprio futebol. Ultrapassa
o fantasma de 50. A euforia, senhores, chama-se Mujica.
A simples possibilidade de Pepe
comparecer ao jogo, anunciada com alarde pela imprensa, fez a cidade ferver.
Todos querem conhecer o velho guerrilheiro, tocar aquela aura que une a bravura
desmesurada à doçura dos que já sabem o caminho certo. O homem, que vem
transformando de forma tão linda seu pequeno país, também tem mantido vivas as
hortinhas de sonhos de que há muito não cuidávamos.
Entonces, no dia do jogo, lá estava
eu, a caminho do Castelão: uma leveza unia a multidão que caminhava a pé. Jovens
senhores esquerdistas de camisetas vermelhas; jovens felizes de camisetas
coloridas de amarelo, verde e preto; senhores austeros de camiseta azul. Uma
leveza nos unia.
E o jogo não decepcionou.
Suárez e Cavani experimentam de
fato um momento mágico. Diego, um capitão que empresta coragem à equipe a cada
grito, chutão ou botinada. Do lado costarriquenho, a dignidade do coadjuvante
que entende sua situação e só almeja não aprontar na festa alheia. Ruiz não
jogou mal, assim como Bolaños ou Saborío. Jogaram bem, mas não alcançavam a
dimensão de sonho que aquela partida exigia.
E enquanto procurávamos por Pepe na
audiência, a Celeste marcava seus três primeiros gols nesta Copa. O craque do
Liverpool marcou um; o do PSG, os outros dois - desde já se inscrevendo para o
título de artilheiro da competição.
A Celeste poderia ter marcado
outros tantos. Poderia, teve chances. Mas não o fez. Os 3 X 0 foram suficientes
para mostrar que Itália e Inglaterra têm com o que se preocupar.
E mostraram ainda mais: que é
importante avançar. Que é fundamental a vanguarda. Mas que também é importante
dosar o ritmo da luta, de forma a garantir cada conquista com a benção popular.
É a única forma de não acabar cedendo ao atraso e comprometendo as vitórias que
importam. O avanço inegociável. A benção da rua.
Soubemos mais tarde que Pepe não
compareceu à partida. Soltou uma daquelas suas curtas e mortais tiradas sobre o
preço dos ingressos. E foi visto, com sua adorável Lucía, jantando na Palhoça do Caranguejo. Não usava o
martelo, mas aquele alicate que permite dosar cuidadosamente a força.
Demetrius Cruz
Uruguai 3 X O Costa Rica (Edinson Cavani, duas vezes, e Luis Suárez)
Fortaleza, 14.06.14
caceta, Deco. Invejei. Queria ter escrito este texto. Ou ao menos esta frase: "O homem, que vem transformando de forma tão linda seu pequeno país, também tem mantido vivas as hortinhas de sonhos de que há muito não cuidávamos."
ResponderExcluirbeijo!
Amarales
Brigado, chefe. Amanhã, tenho de voltar pra casa. Escrevo umas linhas sobre Equador e Suiça. Se o Amigão não estiver aberto. Beijos.
ExcluirTemos de levar o Pepe a um jogo conosco.
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