Talvez
a beleza desta Alemanha e desta Holanda, nas semifinais do Mundial,
esteja numa leveza estranhamente inquietante para nossos padrões
chauvinistas no trato com o ludopédio.
Carregamos, brasileiros e
argentinos, uma culpa infinita nas costas. E por isso inventamos as
concentrações, com suas regras, seus pactos, suas futricas. Carregamos a
responsabilidade de sermos um time, mas uma nação. Convenhamos, esse
caldo desandar é mais fácil que creme de leite passar do ponto na hora
de esquentar o estrogonofe. Basta escapulir atenção e pronto.
Deixamos fazer crer e acreditar que uma vitória no futebol - e, em
especial, num mundial - é uma efeméride ainda maior que nossas próprias
civilizações. O futebol redimirá nossos pecados.
Já alemães e
holandeses desfilam suas alegrias pelas praias da Bahia e do Rio de
Janeiro. Tiram fotos. Cantam hinos de clubes brasileiros. Dançam. Trazem
crianças para o campo de jogo. Se divertem. Sorriem. Estripulias.
Cantam. Há uma alegria ali, que provavelmente um dia foi nossa, pela
disputa em si, como num jogo de traves improvisadas. Sim, devem estar
pressionados e o futebol, essencialmente na Alemanha, é, sim, uma
questão de estado. Mas o futebol é mais um elemento no caldo. Um
tempero. Para nós, não.
Por mais que Gaal seja arrogante,
prepotente, há uma diferença com as bigodadas de Scolari. Felipão trata a
questão como um problema de estado, os traidores, os desgraçados, os do
contra. Gaal é só chato, mas trata do futebol, espinafra a fifa, coloca
o pingo no i, briga com os jornalistas, mas não temos a pátria em
questão. Há um limite. Um limite interessante se conseguirmos observar
de longe. As diatribes do treinador holandês dentro do campo do jogo tem
um tipo de cálculo em que é o jogo que importa, tabuleiro. Nossas
peripécias são outras: não nos esqueçamos, nunca, da bola arremessada
pelo nosso banco de suplentes em direção ao campo do jogo, para
atrapalhar uma jogada, para ter duas bolas em campo. Não podemos perder,
em hipótese alguma.
A Alemanha, sisuda, sorri. O Brasil, que
dizem alegre, sofre um calvário digno de um dramalhão, intenso, mas
perverso. Sim, os hermanos estão no nosso barco também. Talvez esta
intensidade seja um segredo e nos faça produzir outros tipos de
combinações orgânicas estranhas aos demais praticantes do desporto que
redundem em paixão no campo, aquela dedicação que trará um gol
improvável, a superação, a vaga nas finais. Mas deveríamos aprender com
os terceiro e quarto colocados do Mundial e buscar esta leveza. Com
paixão e leveza poderíamos flutuar, voar e nunca mais perder um mundial.
O problema é saber quem terá esta receita antes, se brasileiros ou
argentinos... E, porque não, os uruguaios.
Não cogito a hipótese
de ser outra final que não a de Brasil e Argentina. Há um enredo
desenhado que exige sofrimentos, agonias, dores. A única pulga que me
azucrina é que Alemanha e Holanda estão em campo com doces lascividades,
tão belamente inspiradoras.
O perigo é este feitiço: o lúbrico sempre e sempre pode produzir encantamentos...
Talvez
a grande função mítica do domingo seja a de discutir o futebol. Uma
imensa mesa redonda. Sim, é verdade que escolhem os domingos para festas
pagãs, como dia disso, dia daquilo, dia daquilo outro. Também é verdade
que as forças do atraso escolhem o domingo para infestarem aparelhos de
televisão com aleivosias, bundas, peitos, machismos todos. E tem a
visita aos parentes, no domingo. E tem também o jogo das quatro da tarde
– menos na Copa que esse negócio de fazer tabela e olhar para as
escrituras não combina com "fifa standards". Mas, deitado no jardim,
olhando as belezuras todas, aposto e guardo: O homem estava pensando se
vale a pena jogar com ou sem pontas de ofício.
Dito isso, mais
uma verdade máxima, queria fazer pequenas digressões sobre o time
nacional. Gosto dos poemas, das histórias outras que envolvem o jogo e
tenho cá com meus botões que o jogo no campo, lá embaixo, é só uma
grande desculpa para o resto. E por isso costumo ser péssimo em
avaliações táticas, em quatro quatro três, quatro três dois um zero.
Erro a conta, sempre. Mas gosto de bancar algum entendimento, como
todos, aliás. Para mim o futebol mais simples do mundo – e eficiente – é
aquele que tem gente certa no lugar certo. Tipo Valdir, Getúlio, Oscar,
Dario e Marinho, Almir, Renato e Everton ou Heriberto ou Assis, Paulo
César, Serginho e Zé Sérgio. Com o Zé ganhando o motorádio. Simples,
bonito e batata.
Mas vamos ao esférico. No campo fizemos jogos
regulares, e só. A primeira partida foi bem razoável se pensarmos que
era estreia e teve Oscar fazendo uma boa exibição. Pela ponta, no
ataque. E no meio, compondo, marcando, sendo. Foi naquele jogo a
diferença e o parceiro para Neimar, que fez uma partida tranquila, mas
chamando a responsabilidade. Se Paulinho não foi bem e Daniel, idem, se
a impressão deixada é a de poderíamos melhorar, o fato é que contra os
croatas mostramos credenciais: sorte, talento e alguma esperança. A nota
fatídica, e se mostraria fatal durante o torneio, foi a apitada amiga
do juizão na penalidade de Fred, cônico no mais. Depois daquele trinar
as arbitragens foram nossas piores inimigas, para o bem e para o mal.
Contra o México tivemos uma exibição pífia e medrosa. Mas Neimar
destilou aquele veneno da confiança e seu talento ficou ali nuzinho da
silva como o acalanto: uma hora ele decide. Contra os Camarões tivemos
uma exibição... fugaz. O time camaronês era de uma ruindade cósmica e
qualquer resultado que não fosse uma boa vitória seria frouxidão.
Passamos por cima, com sustos – porque o empate africano ainda teve bola
na trava na sequencia. Mas com Neimar fazendo dois goles e assumindo o
tal protagonismo. Mas a verdade é que Paulinho, Daniel e Oscar
desapareceram. E Fred, que fez gol inclusive, passou mais uma vez a
impressão de espectador.
A partida contra o Chile foi nossa pior
surpresa. Um time perdidinho e um treinador completamente atônito. Não
foram os choros, não, senhoures e senhouras, o fato denunciador de
nossas dificuldades. Foi o restante todo, principalmente depois do
primeiro tempo, principalmente depois do gol. Neimar tomou uma entrada
dura e manquitolou. Com dores, não foi o mesmo. E aí apareceu a
dificuldade atroz do time: a bola não dialogava mais na meia cancha. E o
desaparecimento de Oscar foi definitivo. Mas a camisa este lá e Júlio
César resolveu. Adiantou-se como Rogério, mas como é copa, amigos, tudo
vale... Júlio foi bem e pronto.
Já a Colômbia nos divide. Alguns
consideram grande a exibição. Entre eles um estranho PVC na ESPN Brasil
(de longe a cobertura mais correta, interessante e bonita da copa), que
resolveu ser escudeiro do treinador qualquer que fosse a dança. Outros
destacam as dificuldades do fim do jogo. E Neimar, fora. O time fez um
bom primeiro tempo. A Colômbia medrou, respeitou a camisa do outro lado e
na sombra não foi capaz de reeditar outros feitos na copa. O time
brasileiro, então, se firmou. A bola voltou a dialogar no meio. Oscar,
sim, Oscar, voltou para a copa. Fernandinho e Paulinho, sim, Paulinho,
trocaram passes, tempo e cadência. E Maicon no lugar de Daniel Alves foi
a chave para dar segurança para a defesa e ajudar na composição rítmica
do time. A exceção, Neimar. A partida do nosso dez era ruim, fraca.
Sim, se apresentou, chamou o jogo, não se omitia. Mas não jogava. Algum
desconforto. A pancada no jogo anterior talvez tivesse lá, doendo. Mas o
time abusou da violência, um fato típico dos times de Felipão, com a
complacência do árbitro. Faltinhas aqui, ali, acolá, daquelas que
irritam. O juiz, nada, não amarelou ninguém. Os colombianos também
subiram o tom e mesmo medrados batiam também. É verdade que nenhuma
falta grosseira, mas o fato é que os marmanjos se estranhavam. Não ia
acabar bem aquilo...
No segundo tempo, o pavor colombiano
arrefeceu. Mas não oferecia perigos. Aí, saiu um gol que seria o de
empate. A coisa desandou. Houve um impedimento, desses que só o vetê do
vetê pode atestar, marcado pelo bandeirinha. Alívio. E logo depois,
David Luís mandou um balaço, numa falta batida com esmero improvável, e
caixa. Dois a zero. A vaga, o caneco. Mas aí Felipão mostrou
todas as suas limitações, evidentes. Poderia ter tirado Neimar, para
poupar o jogador que visivelmente estava incomodado em campo. Poderia
ter tirado Fred e testar um Hulk centralizado, para contragolpes.
Poderia. Poderia. Mas fez os óbvios e Ramires no lugar de Paulinho ou
Hulk, para “fechar” o jogo. Deixou Neimar lá, por medo talvez de ser
criticado em caso de um empate – naquela hora absolutamente fora das
probabilidades.
O resto, sabemos. Um gol colombiano, de
penalidade. Pressão, ainda que mais na base do bumba meu boi do que
efetiva conquista de espaços, e aumento da violência colombiana, já que a
rispidez acaba sendo sempre a muleta nessas horas. Neimar, estivesse
bem, tinindo, talvez pressentisse o choque e se protegesse. Não
saberemos nunca. O fato é que uma jogada maldosa, mas infelizmente
corriqueira, resultou no inesperado. Neimar fora da copa.
Para o
próximo jogo, semifinal de copa, precisaremos de técnico. Precisaremos
mudar o esquema de jogo. Talvez aí resida nossa grande chance e
oportunidade. A bola precisa dialogar ali pelo meio. Oscar é fundamental
para que isso funcione. E notem, tenho tanta simpatia pelo Oscar como
tenho por um café gelado e ultra doce. Fred só faz sentido se a bola
chegar. Já que não temos como fazê-la chegar, por falta absoluta de um
Ganso, um Alex ou de um Neimar, talvez deixá-lo lá entre as cobras e
lagartos da torcida e da imprensa seja inútil. Um cone, como foi até
aqui. Talvez seja a hora de quadrados no meio, de triangulações, de
conquistas de espaço pelo meio alemão, com calma. A correria é
germânica. Nossa escola é outra e toque, recebe, Hernanes, Paulinho,
Fernandinho e quiçá Willian. E Oscar, sim, Oscar. Lá do CT de Cotia os
fundamentos, que vieram antes das traições. E Maicon. E treinar a
pontaria do Hulk, que está mais descalibrada que pneu de bicicleta de
criança. E uma rezasinha que ninguém é de ferro. Uma reza, macumba,
quizumba, quizomba.
Muito se falará de Brasil e Colômbia. Muito. Da classificação. Da camisa.
De um árbitro péssimo, frouxo, conivente, cretino. Tivesse pulso e
amarelado, desde o primeiro tempo, as ríspidas disputas de bola entre os
times talvez não perderíamos Neymar. A entrada imprudente e maldosa do
zagueiro colombiano poderia, sim, ter sido evitada. E o pior, feita,
sacramentada, não teve nenhuma sanção. Cagalhão, o juiz.
Falaremos da zaga brasileira. Falaremos do bom primeiro tempo. Sofreremos
pelo camisa dez, um sofrimento sofrido, mesmo para quem possa ter sei
lá quais diferenças com o craque. Me incluo aqui. Mas perde o futebol,
perde muito. Mais do que o Brasil. Muito mais. Que se recupere bem. Com a
calma necessária. Se estamos na semifinal muito e muito se deve ao
menino.
Mas quero
relembrar outro momento do jogo. Trinta e poucos minutos. Primeiro
tempo. Na tevê o jogo seguia, já um a zero. No rádio, a bola rolava.
Saiu para a lateral.
Nada no mundo tem mais gosto de bala
suprasumo, de futebol no intervalo entre aulas, de sorriso, do que a voz
de José Silvério. Nas minhas memórias, Silvério é um trunfo. Gosto de
imaginar os jogos que não vi na voz do locutor da Pan, com comentários
de Orlando Duarte, o eclético, reportagens de Vanderlei Nogueira e
Cândido Garcia. Era assim, assim mesmo, que eram meus domingos, minhas
quartas a noite. "A bola pedindo me chuta, me chuta, me chuta... ele
veio e encheu o péeeeeeee!". Sim, Osmar Santos e a gorduchina, o balão
de Fiori. Mas a narração no meu radinho sempre escolhe o Silvério,
depois é que buscamos o São Paulo noutras emissoras.
Silvério
está na rádio Bandeirantes. A equipe de transmissão é outra. A voz
também. Mas ele ainda narra o jogo em cima da bola, como diria o
Chacrinha. Por causa dele levo o rádio para ouvir os jogos. A tevê
ligada e a voz dele lá, zunindo o lance e soltando a voz. O rádio está
sempre um cadinho na frente do lance da tevê, porque o rádio está sempre
na jogada, em pleno estádio. A imagem necessita de umas mágicas para
virar onda e entrar em tubos, buracos, fios, parafernálias e cousas
deste tipo. "Pra fooooora!". No rádio o jogo é. Na imagem, foi.
Aos trinta e pouco minutos, a voz faltou. Aos trinta e poucos minutos
Silvério pediu permissão para deixar outro narrar, porque a rouquidão
implacável o marcava, agonia, a voz não saía. Fiquei ali esperando ele
voltar, até o final do jogo. Não voltou. Provavelmente um chá de limão,
algum descanso, alguma mandinga e ele volta. Mas hoje, hoje, não voltou.
Por mais que isso possa parecer bobo, diante de todo o resto, do jogo,
da bola, do trem todo, me atacou as nostalgias, as lembranças, os
carinhos todos. E quis muito e mais uma vez o mundo parar.
Há
um problema em exorcizar fantasmas de forma transversa. Porque fica
pairando no ar, como espírito sem cabeça, o malogro da sorte.
Desclassificamos a Itália de Paolo Rossi logo na primeira fase. Tá certo
que fizemos um descarrego na copa de noventa e quatro. Mas foi nos
penais. Sem querer ser chato,sendo, sempre, precisamos despachar a
azzura num desses jogos de mata-mata, para poder colocar toda a nossa
frustração num grito só, com xingo e tudo.
O Uruguay deixamos
chegar nas oitavas, para colocarmos no avião de volta depois de uma
tunda, na exibição mais plástica de uma seleção até aqui. A Celeste
lembrará de James por anos. Sim, nós ganhamos do Uruguay em setenta,
viramos o jogo, Clodoaldo bailou. Mas sempre e sempre tem aquele engasgo
tamanho Maracanã na jaca. Podíamos ter ganho deles aqui, faria bem.
Agora a França está em campo. Joga com a Alemanha e perde, findo o
primeiro tempo: um a zero. O trasgo francês é mais recente e o fígado
ainda se ressente daquela piaba de noventa e oito. E oitenta e seis. E
dois mil e seis. Enfrentá-los seria divã puro e colocá-los num saguão de
aeroporto com uma derrota traria paz, muita paz, nesses nossos corações
em transe.
E a final contra a Argentina seria a coroação da
despossessão. Não que os hermanos sejam alguma espécime de fantasma.
Somos almas gêmeas. Mas seria lindo, naqueles exageros típicos da alma
portenha, ganhar aqui, em casa, seis vezes e várias e várias canções de
maldizer. Cantaríamos até o juízo final.
O problema do exorcismo
transverso, me parece evidente, é que não tratamos os ectoplasmas -
apud "Ghostbusters" - com esmero, deixando os vasilhames um tanto
abertos. Qualquer falha, qualquer faísca e BUM!!!! Temos um país inteiro
invadido por almas penadas de todos os tipos.
Oxalá que não.
De
qualquer forma, já escrevi uns bilhetes para São Mané. Nenhum "joão"
voltou do além até hoje, o que comprova a milagresa toda e toda desse
santo protetor.
Calma
com o andor que o santo é de barro. E, para variar, vamos aos fatos. A
crônica de amanhã está pronta. Dupla face. Ganhando o Brasil, foi a
vitória da superação, os meninos que se agigantaram, o choro maestro dos
sentimentos, galhardia e opulência. Perdendo, bom, não valhem nada,
time de frouxos e um rosário de infortúnios, evocando cinquenta, a
tragédia, o complexo.
Mas haverá alguém a lembrar
e escrever que o time "cafetero" é bom, muito bom. Joga sem muito
compromisso com os fatos, só com a bola. Cuadrado é uma espécime de
leveza, bailarino, ofegante inspiração. O toque de cabeça que ele deu
para James Rodrigues no segundo gol contra os uruguaios foi de uma
beleza monalisa, singular, mas de areia da praia, da sujeira da quadra
da escola, com o gosto seco do asfalto da rua, com a imensidão dos
treinos e treinos e treinos desde do infantil pé de moleque fraldinha e
que tais. Notem, repetequem e considerem aquele toque sutil de cabeça
como a prova definitiva da inteligência humana, da racionalidade,
daquilo que nos distingue dos demais viventes: a possibilidade da
poesia. A rima.
Haverá quem lembre de Yepes, com a idade dos
anciões neste mundo que os homens ficam velhos antes dos quarenta,
segurança, brigando, lutando, acompanhando atacantes que nasceram depois
que ele já sabia ler, escrever, rimar e treinava em alguma rua de Cali.
Haverá quem se recorde da simplicidade, da calma, da elegância de José
Pekerman, o argentino treinador colombiano, duas nações que também amam
esse trenzinho brincado com os pés.
Se a Colômbia perder amanhã
- e acho provável, porque camisas jogam sozinhas, porque temos
Paulinhos da VIola e alguma fonte de água pura que nos tira amarguras,
bem nessas horas de exaspero - haverá um Amaral nascido em Bogotá que
chorará, que lembrará de Paolo Rossi, de Zoff, de Scirea e do puto do
Gentile que fez aquele penal no Zico que o maldito do juiz não marcou e
da cabeçada de Oscar, no último minuto, o gigante Oscar, o melhor
zagueiro da copa, para todo sempre. E escreverá nostalgias, sem saber
que a poesia daquilo tudo é o que realmente importa quando vestir terno e
conta pra pagar.
Espero que a crônica de amanhã não seja tão
óbvia quanto às descritas no primeiro parágrafo. Ganhando, que busquemos
algo além das obviedades da superação e reconheçamos que minimamente
aqueles ali merecem estar ali, jogam por nós e por eles, com nossos
erros monumentais mas não só. Mas, perdendo, que reconheçamos, de uma
vez por todas, que há Cuadrados em outros lugares, mágicos como
nosotros. Nada é mais parecido com o Brasil do que a Colômbia, nada.
Dá uma olhada no espelho e confere. Um café, por favor.
Gosto muito de copa. Já disse, repeti, firmei, assumi. Pero...
Penso que pouco, ou nada, posso opinar sobre o time brasileiro em si.
Não vou reinventar a roda, seleção é algo distante para mim. Bastante.
Minhas impressões são sempre as mesmas: Teria levado o Rodrigo Caio, que
é um bom dublê de volante e zagueiro. Teria levado Paulo Henrique, nem
que fosse para jogar só os quinze minutos efetivos da ave rara em campo.
Teria levado Luís Fabiano, para garantir o sururu. E, obviedade solar, o
goleiro seria ele - e também, capitão. Minhas leituras do time são
sempre equivocadas, porque não gosto do técnico, tenho por Neimar um
profundo desgosto - embora reconheça como craque, um grande craque,
capaz de quebrar recordes e paradigmas dentro do campo, tenho por Oscar
aquela mágoa misturada com ceticismo do "não vai vingar". Reconheço tudo
isso.
Mas como é véspera de jogo decisivo, vamos lá. Aos
pitacos, que sempre aparecem nesses tempos de mesas redondas diárias,
uatizápis, feiçobucos e tuítos. O problema do selecionado é sua imensa
solidão. Nesses tempos modernosos, repletos de engenhocas e coisas que
se desgastam facilmente, se tornam obsoletas num piscar dolhos, o time
nacional esqueceu de cuidar das noções de pertencimento, de
enraizamento, de sustância. Das arquibancadas não há um grito coletivo,
há apenas uma somatória de manifestações individuais, para consumo
instantâneo. O treinador, com fama de salvador da nação em perigo, como
em 2002, acabou por assumir a tarefa incrível de dar liga para um
amontoado sem identificação com o povo.
Sim, ok, admito, o
conceito de povo é cacete, sabemos. Não há como definir isso sem
digressões maiores, mas simplifico, que sou bocó mesmo: povo como
identidade, como cultura, como lágrima, choro, novela, especial de natal
do Roberto Carlos e palavrão, muito palavrão. Excetuando-se Neimar, o
único do selecionado a ter um vínculo com o povo é Felipão. E Neimar tem
este vínculo porque até outro dia desfilava por aqui seu imenso
talento, quebrando esquemas e defesas, rompendo áreas e fazendo goles em
profusão. Mesmo Fred não tem esta identidade - tem com os do Flu, como
tem Tiago e Marcelo, como Paulinho tem com o Timão, como Hernanes
conosco, sãopaulinos. O vínculo que quero afirmar aqui é aquele outro
troço, difícil de quantificar, explicar, desenhar, mas Sócrates, Zico,
Romário.
Felipão acabou por ser este elo, esta ponte, este ser. E
vestiu a carapuça, como poucos, com a coragem que parece ter quase
sempre. Assumiu um protagonismo militante. Não é a toa que o treinador
passou a ser figurinha carimbada em vários e vários comerciais, na busca
desesperada por um ídolo que ajudasse na venda nossa de cada dia.
O time não construiu esta identidade e não é porque tem muitos
jogadores que lá nas Zoropa trabalham. Não construiu porque houve um
erro brutal em sua preparação, que preferiu amistosos em outras
paragens, sempre e sempre, em detrimento dos jogos aqui, locais. O
milagre da tal copa das confederações não foi capaz de trazer a equipa
ao coração. Na verdade fez acentuar um "problema na relação". Mantivemos
distância: eles ganharam e são o Brasil. Diferente do nós ganhamos e
somos o Brasil. Porque os jogadores se portam como extraterrestres, não
opinam sobre nada, não falam nada, resumem as suas participações
naquelas insossas entrevistas pós jogo ou em comerciais ou naquelas
malditas entrevistas arrumadas: ai que lindo, olha a minha casa depois
que venci e eletrodoméstico, carro e tal, olhai as dificuldades da minha
vida e alguma benemerência. Os argentinos, jogam fora também, mas
opinam sobre as mães da Praça de Maio,sobre eleições, sobre a Monsanto e
o escambau. Pode se opinar groselhas, mas mesmo as groselhas criam,
humanizam, trazem para perto. Os uruguaios, sofrem, antecipadamente, mas
estão ali voltando sempre para Montevidéu em suas declarações. Nossos
jogadores ficam no esteriótipo do venci na vida e pronto.
Felipão
exagerou na dose. Ao perceber que ele tinha todo este poder, esta
força, este símbolo, vestiu um manto que não lhe cabia. E que não cabe a
ninguém neste tipo de relação, que no fundo no fundo é de mero consumo.
A torcida da esquadra e que vai ao estádio, a imprensona e a sua
cobertura diária, são também "consumidores". Este tipo de relação não é
boa para ninguém, só para quem lucra. Porque o erro passa a ser um vício
redibitório - um termo juridiquês para se dizer defeito de fábrica.
Porque eu pago para ser feliz ou para ter uma relação que me satisfaça,
do contrário você é uma peça para ser reposta.
A chave para
sexta feira é reconhecer a natureza cruel desta relação - que não é
desamor, não tem suor, nem sangue. E se transformar. Não é o hino,
somente. Não é o empenho, somente. Não é o medo de errar e que irá nos
paralisar. É aquela centelha outra, aquele Jardim Irene, aquele sorriso
no rosto, aquela firula que antecede o cafuné, é o Anhangabaú, a festa
junina, o Olodum, o pagode, a mãe dágua, o Enen, o SUS, a fila no posto,
a polícia descendo o arreio, e não só a Arena.
Há algo de
errado quando nosso escrete não consegue cantar nada que não seja a
musiquinha imposta pelo patrocinador ou pela emissora oficial da
pataquada toda.
Mais Zeca Pagodinho, gurizada. E bola pro mato, que o jogo é de campeonato.
Quando as cartas diziam, fizemos de conta.
Quando os búzios denunciaram, demos de ombros. Quando o mapa astral
denunciou, simplesmente ignoramos. Mas o fato, mais óbvio que orégano na
porção de queijo, e um cadinho de azeite, é que há muito
tempo sabíamos que a realização de uma copa no Brasil teria um capítulo
especial, uma página de esplendor, de vida e tragédia: Moacir Barbosa.
Barbosa era o nosso arqueiro na primeira copa realizada cá. E o destino
do goleiro após o gol de Gigghia todos sabemos. O guarda metas foi
responsabilizado pelo infortúnio, pelo colossal silêncio que incendiou
nosso estado de espírito e carregou, anos a fio, nas costas, uma culpa
infinda. Ainda que depois da copa tenha sido convocado e titular do time
nacional por mais alguns anos, ainda que tenha sido titularíssimo do
Vasco até bem depois do Maracanazzo. Moacir...
Todo ano tem uma
matéria em algum periódico, alguma rede de tv ou rádio sobre o goleiro.
Sobre a culpa. A culpa nossa, talvez uma das poucas que admitamos, do
exagero em mil e novecentos e cinquenta. Já é fato que além de Barbosa,
nós, os mortais, também carregamos a culpa de ter culpado. Talvez dos
piores sentimentos que há. Moacir...
E nesta copa que segue seu
curso, protegida por entidades que não tem relação com governos nem com
autoridades, há uma revelação final. Barbosa virou um desses deuses que
nos acalenta, quando desespero. Na redenção e na tragédia, na defesa
impossível e na mão de alface, na segurança de uma reposição bem feita
ao lamentável erro. Barbosa está nos campos. Porque mora em nossa alma.
Foram espetaculares os homens que defendem as balizas das cidadelas na
copa. Eneyama, da Nigéria, das defesas impossíveis, improváveis,
seguras, à saída ruim do gol, mão mole, gol e eliminação. Eliminação? No
lance seguinte ao erro, o nigeriano vai buscar mais uma bola
impossível, defende, faz um gol reverso - e se redime. Moacir...
Navas, da Costa Rica, quando eram dez contra onze, quando as pernas
tinham acabado, o calor, a eliminação quase certa depois de um gol no
último minuto. Se agiganta e pega uma penalidade de forma magistral,
ímpar, divinal. Rais, da Argélia, talvez todo o Magreb, quase defendeu
até os últimos pensamentos alemães, soberbo.
Neuer, o alemão
que é beque. A muralha de Benaglio, o suíço que quase destroçou os
nervos argentinos com seus milagres. Barbosa, lá. Em tudo, em todos,
protegendo, acalmando, consertando a injustiça. Nenhum desses goleiros
jamais serão os mesmos. Ninguém terá coragem de apupar, de apontar o
dedo da culpa. Howard, o americano, foi mais um dos Vingadores na épica
batalha da Fonte Nova, defendendo mais de quinze, repito, quinze chutes a
gol numa única partida.
E Júlio César. As lágrimas e tudo aquilo. E Moacir cochichou, secretamente, segredos e sabemos o que aconteceu...
Nas próximas matérias sobre Barbosa poderíamos Moacir. E lembrar que
que se a pior culpa é a de culpar, a melhor resposta é evocação de
nossas histórias sagradas. Todas elas.