segunda-feira, 7 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XXVI


Talvez a beleza desta Alemanha e desta Holanda, nas semifinais do Mundial, esteja numa leveza estranhamente inquietante para nossos padrões chauvinistas no trato com o ludopédio.

Carregamos, brasileiros e argentinos, uma culpa infinita nas costas. E por isso inventamos as concentrações, com suas regras, seus pactos, suas futricas. Carregamos a responsabilidade de sermos um time, mas uma nação. Convenhamos, esse caldo desandar é mais fácil que creme de leite passar do ponto na hora de esquentar o estrogonofe. Basta escapulir atenção e pronto.
Deixamos fazer crer e acreditar que uma vitória no futebol - e, em especial, num mundial - é uma efeméride ainda maior que nossas próprias civilizações. O futebol redimirá nossos pecados. 

Já alemães e holandeses desfilam suas alegrias pelas praias da Bahia e do Rio de Janeiro. Tiram fotos. Cantam hinos de clubes brasileiros. Dançam. Trazem crianças para o campo de jogo. Se divertem. Sorriem. Estripulias. Cantam. Há uma alegria ali, que provavelmente um dia foi nossa, pela disputa em si, como num jogo de traves improvisadas. Sim, devem estar pressionados e o futebol, essencialmente na Alemanha, é, sim, uma questão de estado. Mas o futebol é mais um elemento no caldo. Um tempero. Para nós, não. 

Por mais que Gaal seja arrogante, prepotente, há uma diferença com as bigodadas de Scolari. Felipão trata a questão como um problema de estado, os traidores, os desgraçados, os do contra. Gaal é só chato, mas trata do futebol, espinafra a fifa, coloca o pingo no i, briga com os jornalistas, mas não temos a pátria em questão. Há um limite. Um limite interessante se conseguirmos observar de longe. As diatribes do treinador holandês dentro do campo do jogo tem um tipo de cálculo em que é o jogo que importa, tabuleiro. Nossas peripécias são outras: não nos esqueçamos, nunca, da bola arremessada pelo nosso banco de suplentes em direção ao campo do jogo, para atrapalhar uma jogada, para ter duas bolas em campo. Não podemos perder, em hipótese alguma.

A Alemanha, sisuda, sorri. O Brasil, que dizem alegre, sofre um calvário digno de um dramalhão, intenso, mas perverso. Sim, os hermanos estão no nosso barco também. Talvez esta intensidade seja um segredo e nos faça produzir outros tipos de combinações orgânicas estranhas aos demais praticantes do desporto que redundem em paixão no campo, aquela dedicação que trará um gol improvável, a superação, a vaga nas finais. Mas deveríamos aprender com os terceiro e quarto colocados do Mundial e buscar esta leveza. Com paixão e leveza poderíamos flutuar, voar e nunca mais perder um mundial. O problema é saber quem terá esta receita antes, se brasileiros ou argentinos... E, porque não, os uruguaios.

Não cogito a hipótese de ser outra final que não a de Brasil e Argentina. Há um enredo desenhado que exige sofrimentos, agonias, dores. A única pulga que me azucrina é que Alemanha e Holanda estão em campo com doces lascividades, tão belamente inspiradoras. 

O perigo é este feitiço: o lúbrico sempre e sempre pode produzir encantamentos...



domingo, 6 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Vinte Mais Cinco



Talvez a grande função mítica do domingo seja a de discutir o futebol. Uma imensa mesa redonda. Sim, é verdade que escolhem os domingos para festas pagãs, como dia disso, dia daquilo, dia daquilo outro. Também é verdade que as forças do atraso escolhem o domingo para infestarem aparelhos de televisão com aleivosias, bundas, peitos, machismos todos. E tem a visita aos parentes, no domingo. E tem também o jogo das quatro da tarde – menos na Copa que esse negócio de fazer tabela e olhar para as escrituras não combina com "fifa standards". Mas, deitado no jardim, olhando as belezuras todas, aposto e guardo: O homem estava pensando se vale a pena jogar com ou sem pontas de ofício.

Dito isso, mais uma verdade máxima, queria fazer pequenas digressões sobre o time nacional. Gosto dos poemas, das histórias outras que envolvem o jogo e tenho cá com meus botões que o jogo no campo, lá embaixo, é só uma grande desculpa para o resto. E por isso costumo ser péssimo em avaliações táticas, em quatro quatro três, quatro três dois um zero. Erro a conta, sempre. Mas gosto de bancar algum entendimento, como todos, aliás. Para mim o futebol mais simples do mundo – e eficiente – é aquele que tem gente certa no lugar certo. Tipo Valdir, Getúlio, Oscar, Dario e Marinho, Almir, Renato e Everton ou Heriberto ou Assis, Paulo César, Serginho e Zé Sérgio. Com o Zé ganhando o motorádio. Simples, bonito e batata.

Mas vamos ao esférico. No campo fizemos jogos regulares, e só. A primeira partida foi bem razoável se pensarmos que era estreia e teve Oscar fazendo uma boa exibição. Pela ponta, no ataque. E no meio, compondo, marcando, sendo. Foi naquele jogo a diferença e o parceiro para Neimar, que fez uma partida tranquila, mas chamando a responsabilidade. Se Paulinho não foi bem e Daniel, idem, se a impressão deixada é a de poderíamos melhorar, o fato é que contra os croatas mostramos credenciais: sorte, talento e alguma esperança. A nota fatídica, e se mostraria fatal durante o torneio, foi a apitada amiga do juizão na penalidade de Fred, cônico no mais. Depois daquele trinar as arbitragens foram nossas piores inimigas, para o bem e para o mal.

Contra o México tivemos uma exibição pífia e medrosa. Mas Neimar destilou aquele veneno da confiança e seu talento ficou ali nuzinho da silva como o acalanto: uma hora ele decide. Contra os Camarões tivemos uma exibição... fugaz. O time camaronês era de uma ruindade cósmica e qualquer resultado que não fosse uma boa vitória seria frouxidão. Passamos por cima, com sustos – porque o empate africano ainda teve bola na trava na sequencia. Mas com Neimar fazendo dois goles e assumindo o tal protagonismo. Mas a verdade é que Paulinho, Daniel e Oscar desapareceram. E Fred, que fez gol inclusive, passou mais uma vez a impressão de espectador.

A partida contra o Chile foi nossa pior surpresa. Um time perdidinho e um treinador completamente atônito. Não foram os choros, não, senhoures e senhouras, o fato denunciador de nossas dificuldades. Foi o restante todo, principalmente depois do primeiro tempo, principalmente depois do gol. Neimar tomou uma entrada dura e manquitolou. Com dores, não foi o mesmo. E aí apareceu a dificuldade atroz do time: a bola não dialogava mais na meia cancha. E o desaparecimento de Oscar foi definitivo. Mas a camisa este lá e Júlio César resolveu. Adiantou-se como Rogério, mas como é copa, amigos, tudo vale... Júlio foi bem e pronto.

Já a Colômbia nos divide. Alguns consideram grande a exibição. Entre eles um estranho PVC na ESPN Brasil (de longe a cobertura mais correta, interessante e bonita da copa), que resolveu ser escudeiro do treinador qualquer que fosse a dança. Outros destacam as dificuldades do fim do jogo. E Neimar, fora. O time fez um bom primeiro tempo. A Colômbia medrou, respeitou a camisa do outro lado e na sombra não foi capaz de reeditar outros feitos na copa. O time brasileiro, então, se firmou. A bola voltou a dialogar no meio. Oscar, sim, Oscar, voltou para a copa. Fernandinho e Paulinho, sim, Paulinho, trocaram passes, tempo e cadência. E Maicon no lugar de Daniel Alves foi a chave para dar segurança para a defesa e ajudar na composição rítmica do time. A exceção, Neimar. A partida do nosso dez era ruim, fraca. Sim, se apresentou, chamou o jogo, não se omitia. Mas não jogava. Algum desconforto. A pancada no jogo anterior talvez tivesse lá, doendo. Mas o time abusou da violência, um fato típico dos times de Felipão, com a complacência do árbitro. Faltinhas aqui, ali, acolá, daquelas que irritam. O juiz, nada, não amarelou ninguém. Os colombianos também subiram o tom e mesmo medrados batiam também. É verdade que nenhuma falta grosseira, mas o fato é que os marmanjos se estranhavam. Não ia acabar bem aquilo...

No segundo tempo, o pavor colombiano arrefeceu. Mas não oferecia perigos. Aí, saiu um gol que seria o de empate. A coisa desandou. Houve um impedimento, desses que só o vetê do vetê pode atestar, marcado pelo bandeirinha. Alívio. E logo depois, David Luís mandou um balaço, numa falta batida com esmero improvável, e caixa. Dois a zero. A vaga, o caneco.
Mas aí Felipão mostrou todas as suas limitações, evidentes. Poderia ter tirado Neimar, para poupar o jogador que visivelmente estava incomodado em campo. Poderia ter tirado Fred e testar um Hulk centralizado, para contragolpes. Poderia. Poderia. Mas fez os óbvios e Ramires no lugar de Paulinho ou Hulk, para “fechar” o jogo. Deixou Neimar lá, por medo talvez de ser criticado em caso de um empate – naquela hora absolutamente fora das probabilidades. 

O resto, sabemos. Um gol colombiano, de penalidade. Pressão, ainda que mais na base do bumba meu boi do que efetiva conquista de espaços, e aumento da violência colombiana, já que a rispidez acaba sendo sempre a muleta nessas horas. Neimar, estivesse bem, tinindo, talvez pressentisse o choque e se protegesse. Não saberemos nunca. O fato é que uma jogada maldosa, mas infelizmente corriqueira, resultou no inesperado. Neimar fora da copa. 

Para o próximo jogo, semifinal de copa, precisaremos de técnico. Precisaremos mudar o esquema de jogo. Talvez aí resida nossa grande chance e oportunidade. A bola precisa dialogar ali pelo meio. Oscar é fundamental para que isso funcione. E notem, tenho tanta simpatia pelo Oscar como tenho por um café gelado e ultra doce. Fred só faz sentido se a bola chegar. Já que não temos como fazê-la chegar, por falta absoluta de um Ganso, um Alex ou de um Neimar, talvez deixá-lo lá entre as cobras e lagartos da torcida e da imprensa seja inútil. Um cone, como foi até aqui. Talvez seja a hora de quadrados no meio, de triangulações, de conquistas de espaço pelo meio alemão, com calma. A correria é germânica. Nossa escola é outra e toque, recebe, Hernanes, Paulinho, Fernandinho e quiçá Willian. E Oscar, sim, Oscar. Lá do CT de Cotia os fundamentos, que vieram antes das traições. E Maicon. E treinar a pontaria do Hulk, que está mais descalibrada que pneu de bicicleta de criança. E uma rezasinha que ninguém é de ferro. Uma reza, macumba, quizumba, quizomba.

Eu jogaria de azul, também. Questão de gosto.



sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - Vinte e Quatro



Muito se falará de Brasil e Colômbia. Muito. Da classificação. Da camisa. 

De um árbitro péssimo, frouxo, conivente, cretino. Tivesse pulso e amarelado, desde o primeiro tempo, as ríspidas disputas de bola entre os times talvez não perderíamos Neymar. A entrada imprudente e maldosa do zagueiro colombiano poderia, sim, ter sido evitada. E o pior, feita, sacramentada, não teve nenhuma sanção. Cagalhão, o juiz.

Falaremos da zaga brasileira. Falaremos do bom primeiro tempo. Sofreremos pelo camisa dez, um sofrimento sofrido, mesmo para quem possa ter sei lá quais diferenças com o craque. Me incluo aqui. Mas perde o futebol, perde muito. Mais do que o Brasil. Muito mais. Que se recupere bem. Com a calma necessária. Se estamos na semifinal muito e muito se deve ao menino.

Mas quero relembrar outro momento do jogo. Trinta e poucos minutos. Primeiro tempo. Na tevê o jogo seguia, já um a zero. No rádio, a bola rolava. Saiu para a lateral.

Nada no mundo tem mais gosto de bala suprasumo, de futebol no intervalo entre aulas, de sorriso, do que a voz de José Silvério. Nas minhas memórias, Silvério é um trunfo. Gosto de imaginar os jogos que não vi na voz do locutor da Pan, com comentários de Orlando Duarte, o eclético, reportagens de Vanderlei Nogueira e Cândido Garcia. Era assim, assim mesmo, que eram meus domingos, minhas quartas a noite. "A bola pedindo me chuta, me chuta, me chuta... ele veio e encheu o péeeeeeee!". Sim, Osmar Santos e a gorduchina, o balão de Fiori. Mas a narração no meu radinho sempre escolhe o Silvério, depois é que buscamos o São Paulo noutras emissoras.

Silvério está na rádio Bandeirantes. A equipe de transmissão é outra. A voz também. Mas ele ainda narra o jogo em cima da bola, como diria o Chacrinha. Por causa dele levo o rádio para ouvir os jogos. A tevê ligada e a voz dele lá, zunindo o lance e soltando a voz. O rádio está sempre um cadinho na frente do lance da tevê, porque o rádio está sempre na jogada, em pleno estádio. A imagem necessita de umas mágicas para virar onda e entrar em tubos, buracos, fios, parafernálias e cousas deste tipo. "Pra fooooora!". No rádio o jogo é. Na imagem, foi.

Aos trinta e pouco minutos, a voz faltou. Aos trinta e poucos minutos Silvério pediu permissão para deixar outro narrar, porque a rouquidão implacável o marcava, agonia, a voz não saía. Fiquei ali esperando ele voltar, até o final do jogo. Não voltou. Provavelmente um chá de limão, algum descanso, alguma mandinga e ele volta. Mas hoje, hoje, não voltou. Por mais que isso possa parecer bobo, diante de todo o resto, do jogo, da bola, do trem todo, me atacou as nostalgias, as lembranças, os carinhos todos. E quis muito e mais uma vez o mundo parar. 

"Booooola rolando no Morumbi."


Amaraladas na Copa 14 - XXIII


Há um problema em exorcizar fantasmas de forma transversa. Porque fica pairando no ar, como espírito sem cabeça, o malogro da sorte.

Desclassificamos a Itália de Paolo Rossi logo na primeira fase. Tá certo que fizemos um descarrego na copa de noventa e quatro. Mas foi nos penais. Sem querer ser chato,sendo, sempre, precisamos despachar a azzura num desses jogos de mata-mata, para poder colocar toda a nossa frustração num grito só, com xingo e tudo.

O Uruguay deixamos chegar nas oitavas, para colocarmos no avião de volta depois de uma tunda, na exibição mais plástica de uma seleção até aqui. A Celeste lembrará de James por anos. Sim, nós ganhamos do Uruguay em setenta, viramos o jogo, Clodoaldo bailou. Mas sempre e sempre tem aquele engasgo tamanho Maracanã na jaca. Podíamos ter ganho deles aqui, faria bem. 

Agora a França está em campo. Joga com a Alemanha e perde, findo o primeiro tempo: um a zero. O trasgo francês é mais recente e o fígado ainda se ressente daquela piaba de noventa e oito. E oitenta e seis. E dois mil e seis. Enfrentá-los seria divã puro e colocá-los num saguão de aeroporto com uma derrota traria paz, muita paz, nesses nossos corações em transe.

E a final contra a Argentina seria a coroação da despossessão. Não que os hermanos sejam alguma espécime de fantasma. Somos almas gêmeas. Mas seria lindo, naqueles exageros típicos da alma portenha, ganhar aqui, em casa, seis vezes e várias e várias canções de maldizer. Cantaríamos até o juízo final.

O problema do exorcismo transverso, me parece evidente, é que não tratamos os ectoplasmas - apud "Ghostbusters" - com esmero, deixando os vasilhames um tanto abertos. Qualquer falha, qualquer faísca e BUM!!!! Temos um país inteiro invadido por almas penadas de todos os tipos. 

Oxalá que não. 

De qualquer forma, já escrevi uns bilhetes para São Mané. Nenhum "joão" voltou do além até hoje, o que comprova a milagresa toda e toda desse santo protetor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Amaraladas na Copa 14 - XXII


Calma com o andor que o santo é de barro. E, para variar, vamos aos fatos. A crônica de amanhã está pronta. Dupla face. Ganhando o Brasil, foi a vitória da superação, os meninos que se agigantaram, o choro maestro dos sentimentos, galhardia e opulência. Perdendo, bom, não valhem nada, time de frouxos e um rosário de infortúnios, evocando cinquenta, a tragédia, o complexo.

Mas haverá alguém a lembrar e escrever que o time "cafetero" é bom, muito bom. Joga sem muito compromisso com os fatos, só com a bola. Cuadrado é uma espécime de leveza, bailarino, ofegante inspiração. O toque de cabeça que ele deu para James Rodrigues no segundo gol contra os uruguaios foi de uma beleza monalisa, singular, mas de areia da praia, da sujeira da quadra da escola, com o gosto seco do asfalto da rua, com a imensidão dos treinos e treinos e treinos desde do infantil pé de moleque fraldinha e que tais. Notem, repetequem e considerem aquele toque sutil de cabeça como a prova definitiva da inteligência humana, da racionalidade, daquilo que nos distingue dos demais viventes: a possibilidade da poesia. A rima.

Haverá quem lembre de Yepes, com a idade dos anciões neste mundo que os homens ficam velhos antes dos quarenta, segurança, brigando, lutando, acompanhando atacantes que nasceram depois que ele já sabia ler, escrever, rimar e treinava em alguma rua de Cali. Haverá quem se recorde da simplicidade, da calma, da elegância de José Pekerman, o argentino treinador colombiano, duas nações que também amam esse trenzinho brincado com os pés.

Se a Colômbia perder amanhã - e acho provável, porque camisas jogam sozinhas, porque temos Paulinhos da VIola e alguma fonte de água pura que nos tira amarguras, bem nessas horas de exaspero - haverá um Amaral nascido em Bogotá que chorará, que lembrará de Paolo Rossi, de Zoff, de Scirea e do puto do Gentile que fez aquele penal no Zico que o maldito do juiz não marcou e da cabeçada de Oscar, no último minuto, o gigante Oscar, o melhor zagueiro da copa, para todo sempre. E escreverá nostalgias, sem saber que a poesia daquilo tudo é o que realmente importa quando vestir terno e conta pra pagar.

Espero que a crônica de amanhã não seja tão óbvia quanto às descritas no primeiro parágrafo. Ganhando, que busquemos algo além das obviedades da superação e reconheçamos que minimamente aqueles ali merecem estar ali, jogam por nós e por eles, com nossos erros monumentais mas não só. Mas, perdendo, que reconheçamos, de uma vez por todas, que há Cuadrados em outros lugares, mágicos como nosotros. Nada é mais parecido com o Brasil do que a Colômbia, nada.

Dá uma olhada no espelho e confere. Um café, por favor.



quarta-feira, 2 de julho de 2014

Amaralas na Copa 14 - Vinte e Um


Gosto muito de copa. Já disse, repeti, firmei, assumi. Pero...

Penso que pouco, ou nada, posso opinar sobre o time brasileiro em si. Não vou reinventar a roda, seleção é algo distante para mim. Bastante. Minhas impressões são sempre as mesmas: Teria levado o Rodrigo Caio, que é um bom dublê de volante e zagueiro. Teria levado Paulo Henrique, nem que fosse para jogar só os quinze minutos efetivos da ave rara em campo. Teria levado Luís Fabiano, para garantir o sururu. E, obviedade solar, o goleiro seria ele - e também, capitão. Minhas leituras do time são sempre equivocadas, porque não gosto do técnico, tenho por Neimar um profundo desgosto - embora reconheça como craque, um grande craque, capaz de quebrar recordes e paradigmas dentro do campo, tenho por Oscar aquela mágoa misturada com ceticismo do "não vai vingar". Reconheço tudo isso.

Mas como é véspera de jogo decisivo, vamos lá. Aos pitacos, que sempre aparecem nesses tempos de mesas redondas diárias, uatizápis, feiçobucos e tuítos. O problema do selecionado é sua imensa solidão. Nesses tempos modernosos, repletos de engenhocas e coisas que se desgastam facilmente, se tornam obsoletas num piscar dolhos, o time nacional esqueceu de cuidar das noções de pertencimento, de enraizamento, de sustância. Das arquibancadas não há um grito coletivo, há apenas uma somatória de manifestações individuais, para consumo instantâneo. O treinador, com fama de salvador da nação em perigo, como em 2002, acabou por assumir a tarefa incrível de dar liga para um amontoado sem identificação com o povo.

Sim, ok, admito, o conceito de povo é cacete, sabemos. Não há como definir isso sem digressões maiores, mas simplifico, que sou bocó mesmo: povo como identidade, como cultura, como lágrima, choro, novela, especial de natal do Roberto Carlos e palavrão, muito palavrão. Excetuando-se Neimar, o único do selecionado a ter um vínculo com o povo é Felipão. E Neimar tem este vínculo porque até outro dia desfilava por aqui seu imenso talento, quebrando esquemas e defesas, rompendo áreas e fazendo goles em profusão. Mesmo Fred não tem esta identidade - tem com os do Flu, como tem Tiago e Marcelo, como Paulinho tem com o Timão, como Hernanes conosco, sãopaulinos. O vínculo que quero afirmar aqui é aquele outro troço, difícil de quantificar, explicar, desenhar, mas Sócrates, Zico, Romário.

Felipão acabou por ser este elo, esta ponte, este ser. E vestiu a carapuça, como poucos, com a coragem que parece ter quase sempre. Assumiu um protagonismo militante. Não é a toa que o treinador passou a ser figurinha carimbada em vários e vários comerciais, na busca desesperada por um ídolo que ajudasse na venda nossa de cada dia.

O time não construiu esta identidade e não é porque tem muitos jogadores que lá nas Zoropa trabalham. Não construiu porque houve um erro brutal em sua preparação, que preferiu amistosos em outras paragens, sempre e sempre, em detrimento dos jogos aqui, locais. O milagre da tal copa das confederações não foi capaz de trazer a equipa ao coração. Na verdade fez acentuar um "problema na relação". Mantivemos distância: eles ganharam e são o Brasil. Diferente do nós ganhamos e somos o Brasil. Porque os jogadores se portam como extraterrestres, não opinam sobre nada, não falam nada, resumem as suas participações naquelas insossas entrevistas pós jogo ou em comerciais ou naquelas malditas entrevistas arrumadas: ai que lindo, olha a minha casa depois que venci e eletrodoméstico, carro e tal, olhai as dificuldades da minha vida e alguma benemerência. Os argentinos, jogam fora também, mas opinam sobre as mães da Praça de Maio,sobre eleições, sobre a Monsanto e o escambau. Pode se opinar groselhas, mas mesmo as groselhas criam, humanizam, trazem para perto. Os uruguaios, sofrem, antecipadamente, mas estão ali voltando sempre para Montevidéu em suas declarações. Nossos jogadores ficam no esteriótipo do venci na vida e pronto.

Felipão exagerou na dose. Ao perceber que ele tinha todo este poder, esta força, este símbolo, vestiu um manto que não lhe cabia. E que não cabe a ninguém neste tipo de relação, que no fundo no fundo é de mero consumo. A torcida da esquadra e que vai ao estádio, a imprensona e a sua cobertura diária, são também "consumidores". Este tipo de relação não é boa para ninguém, só para quem lucra. Porque o erro passa a ser um vício redibitório - um termo juridiquês para se dizer defeito de fábrica. Porque eu pago para ser feliz ou para ter uma relação que me satisfaça, do contrário você é uma peça para ser reposta.

A chave para sexta feira é reconhecer a natureza cruel desta relação - que não é desamor, não tem suor, nem sangue. E se transformar. Não é o hino, somente. Não é o empenho, somente. Não é o medo de errar e que irá nos paralisar. É aquela centelha outra, aquele Jardim Irene, aquele sorriso no rosto, aquela firula que antecede o cafuné, é o Anhangabaú, a festa junina, o Olodum, o pagode, a mãe dágua, o Enen, o SUS, a fila no posto, a polícia descendo o arreio, e não só a Arena.

Há algo de errado quando nosso escrete não consegue cantar nada que não seja a musiquinha imposta pelo patrocinador ou pela emissora oficial da pataquada toda.

Mais Zeca Pagodinho, gurizada. E bola pro mato, que o jogo é de campeonato.


Amaraladas na Copa 14 - XX



Quando as cartas diziam, fizemos de conta. Quando os búzios denunciaram, demos de ombros. Quando o mapa astral denunciou, simplesmente ignoramos. Mas o fato, mais óbvio que orégano na porção de queijo, e um cadinho de azeite, é que há muito tempo sabíamos que a realização de uma copa no Brasil teria um capítulo especial, uma página de esplendor, de vida e tragédia: Moacir Barbosa.

Barbosa era o nosso arqueiro na primeira copa realizada cá. E o destino do goleiro após o gol de Gigghia todos sabemos. O guarda metas foi responsabilizado pelo infortúnio, pelo colossal silêncio que incendiou nosso estado de espírito e carregou, anos a fio, nas costas, uma culpa infinda. Ainda que depois da copa tenha sido convocado e titular do time nacional por mais alguns anos, ainda que tenha sido titularíssimo do Vasco até bem depois do Maracanazzo. Moacir...

Todo ano tem uma matéria em algum periódico, alguma rede de tv ou rádio sobre o goleiro. Sobre a culpa. A culpa nossa, talvez uma das poucas que admitamos, do exagero em mil e novecentos e cinquenta. Já é fato que além de Barbosa, nós, os mortais, também carregamos a culpa de ter culpado. Talvez dos piores sentimentos que há. Moacir...

E nesta copa que segue seu curso, protegida por entidades que não tem relação com governos nem com autoridades, há uma revelação final. Barbosa virou um desses deuses que nos acalenta, quando desespero. Na redenção e na tragédia, na defesa impossível e na mão de alface, na segurança de uma reposição bem feita ao lamentável erro. Barbosa está nos campos. Porque mora em nossa alma.

Foram espetaculares os homens que defendem as balizas das cidadelas na copa. Eneyama, da Nigéria, das defesas impossíveis, improváveis, seguras, à saída ruim do gol, mão mole, gol e eliminação. Eliminação? No lance seguinte ao erro, o nigeriano vai buscar mais uma bola impossível, defende, faz um gol reverso - e se redime. Moacir...

Navas, da Costa Rica, quando eram dez contra onze, quando as pernas tinham acabado, o calor, a eliminação quase certa depois de um gol no último minuto. Se agiganta e pega uma penalidade de forma magistral, ímpar, divinal. Rais, da Argélia, talvez todo o Magreb, quase defendeu até os últimos pensamentos alemães, soberbo.

Neuer, o alemão que é beque. A muralha de Benaglio, o suíço que quase destroçou os nervos argentinos com seus milagres. Barbosa, lá. Em tudo, em todos, protegendo, acalmando, consertando a injustiça. Nenhum desses goleiros jamais serão os mesmos. Ninguém terá coragem de apupar, de apontar o dedo da culpa. Howard, o americano, foi mais um dos Vingadores na épica batalha da Fonte Nova, defendendo mais de quinze, repito, quinze chutes a gol numa única partida.

E Júlio César. As lágrimas e tudo aquilo. E Moacir cochichou, secretamente, segredos e sabemos o que aconteceu...

Nas próximas matérias sobre Barbosa poderíamos Moacir. E lembrar que que se a pior culpa é a de culpar, a melhor resposta é evocação de nossas histórias sagradas. Todas elas.