Então... o pai veio cedo: “Acorda,
menino.” Já estava, obviamente, atrasado. Essa copa do mundo com aula ia fazer
um mal danado para o sono do menino. Já para os sonhos... Na escola muita gente
falando da copa, bem, mal, devia ter, não devia ter, gastos sem fim, saco sem
fundo, mas dá visibilidade, é bom para o turismo e aquela infinidade de
argumentos e discursos. Mas a maioria dos meninos queria mesmo eram os jogos. E
ponto. Final.
Separou o radinho de pilha, que o
pai tinha lhe dado de presente um pouco antes do início do certame. “Dá para
ouvir entre uma aula e outra. E futebol pelo rádio, aprenda, é muito mais legal
que pela televisão. Só perde para estádio.” Duvidou do pai, porque o videogame
já era bem legal e as transmissões pela televisão repletas de recursos,
imagens, videoteipe, tira teima. Mas já que tinha aula, achou melhor caçar com
gato. Não se arrependeu...
Futebol pelo rádio tem uma magia única.
Porque você imagina o jogo. Sim, enquanto ouve a narração você liga um projetor
no cérebro que faz, desenha, e mais, realiza a jogada. Sem contar que parece um
papo de amigos, quando o repórter começa a contar o lance, de um jeito que a
televisão nunca contava. A televisão, no fundo, é chata. Porque a imagem tem
uma frieza de verdade. A dúvida, ah... a dúvida é sempre mais quente: inquieta,
foi ou não foi pênalti, estava ou não estava impedido. Por isso, entendeu que
lá no estádio é ainda melhor. Porque são seus olhos que observam, sem
empréstimo algum de sensações.
Óbvio que o menino não fazia estas
considerações, assim, assim, desse jeito. No jeito simples do menino, sentia. O
narrador é que pondera, dramatiza, conceitua mambembemente. E o sorriso do
menino com o radinho de pilha explicava tudo. O pai marcara um gol.
Naquele dia tinham três jogos. E a
aulas, por causa de umas reposições de dias dos jogos do Brasil, se estenderiam
até o fim da tarde. Ia ser longo o dia...
Na arrumação da mochila, às
pressas, para ir para a escola, uma surpresa... tinha um bilhete anônimo! “Oi...
será que hoje a gente podia ouvir o jogo juntos?”. E tinha um perfume no
bilhetinho, cuidadosamente dobrado e colocado escondido no bolso da mochila. Sentia
o coração disparado, tal qual gol do time: “Quem foi? Será que foi a Ana? Ou
foi Joana? Quem foi?”. Pensou mil coisas, mil situações e no coração do menino
até pensou em mãos dadas, ouvindo calados ao jogo pelo rádio e comemorando
algum gol. E aquele perfume...
O dia passou todo naquela toada de
borboleta no estômago. Ninguém se denunciava. Ouviu parte do jogo tarde na
companhia dos amigos, na hora do intervalo. E nada de outro bilhete, nada de
perfume, nada de gol. E na saída da escola, esperando o pai, ligou o radinho.
Estados Unidos e Gana, em Natal. Lá no fundo, torcia pelos ganeses. Mas bem no
fundo, mesmo, palpitava era aquele perfume naquelas letrinhas naquele bilhetinho
naquele bolso da mochila...
Gana 2x1 Estados Unidos, Arena das
Dunas, 17 de junho de 2014.
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